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É jornalista, escritor e gestor cultural

Adeus a Luiz Paixão: certos sobrenomes definem com perfeição a pessoa

Conversar com Luiz Paixão sobre jazz era o mesmo que fazer uma viagem à Era de Ouro de Hollywood, ao apogeu de uma cultura musical sofisticada e que teve sua extensão no Brasil por meio da bossa nova

  • José Roberto S. Neves É jornalista, escritor e gestor cultural
Publicado em 01/06/2021 às 15h08
Luiz Paixão, em 1994, ao lado de seus discos favoritos
Luiz Paixão, em 1994, ao lado de seus discos favoritos. Crédito: Gildo Loyola/ Arquivo AG

Certos sobrenomes definem com perfeição uma pessoa. É o caso de Luiz Nogueira da Paixão, que nos deixou nesta terça-feira (1º), aos 96 anos. Os mais antigos o conheciam como o professor de inglês que formou gerações de alunos no IBEUV, no Americano e no Salesiano, transmitindo a paixão pela língua anglo-saxônica que cultivava desde garoto, quando ouvia o hit parade na época da Segunda Guerra Mundial nas rádios Mayrink Veiga e Nacional.

A mesma paixão que o levou a trabalhar no almoxarifado da companhia Raymond Morrison Kinudsen e como secretário do Consulado dos EUA no Espírito Santo, onde teve a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre a cultura norte-americana, em especial o cinema e o jazz – que se tornaria a sua maior paixão, a ponto de ser impossível dissociar sua imagem do gênero musical que amava.

Na redação de A Gazeta, quando surgia alguma novidade sobre jazz e precisávamos de um entrevistado, os primeiros nomes que vinham em mente eram os de Luiz Paixão e Marien Calixte – que seu Luiz considerava como amigo e discípulo. Em 2005, tive a oportunidade de entrevistá-lo em sua residência na Praia do Canto, onde ele vivia rodeado de LPs pendurados na parede, alguns milhares de discos espalhados, aparelhagem de som, DVD, dois toca-discos e vídeos de musicais americanos das décadas de 40 e 50. Era o seu mundo encantado.

Seu Luiz recebeu a equipe de reportagem tendo como trilha sonora a gravação de Ella Fitzgerald para o clássico “Sophisticated Lady”, de Duke Ellington. Era, com o perdão do trocadilho, mais uma de suas paixões. “Ella era incomparável. Como ela, não haverá outra igual”, costumava afirmar.

Com a generosidade habitual e a indisfarçável expressão de orgulho, revisitou o lendário episódio em que teve a oportunidade de conhecer os maiores heróis do jazz durante sua passagem pelos Estados Unidos, entre agosto de 1955 e março de 1956, para um curso de especialização em inglês nas universidades de Michigan e do Texas.

Durante esse período, Luiz Paixão realizou façanhas de causar inveja aos aficionados do estilo: obteve autógrafos de Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Oscar Peterson e Gene Krupa, assistiu aos shows de Count Basie e do Jazz at the Phylarmonic Orchestra (que reunia os grandes nomes da época), disputou uma partida de xadrez com Dizzy Gillespie (e foi rapidamente derrotado), tomou conta do cachorrinho de Billie Holiday enquanto ela cantava num pub de Cleveland e embarcou no ônibus de turnê de Stan Kenton rumo a San Antonio, ficando dois dias com a trupe de músicos que acompanhava o pianista.

Conversar com Luiz Paixão sobre jazz era o mesmo que fazer uma viagem à Era de Ouro de Hollywood, dos grandes musicais, do swing, do apogeu de uma cultura musical sofisticada e que teve sua extensão no Brasil por meio da bossa nova – outra de suas paixões declaradas.

“Quem gosta de jazz gosta de swing. Meu amigo Marien, que posso dizer que é meu discípulo, ia lá em casa e endoidava ao ouvir jazz. Porque quem ouve jazz, não consegue sair mais. Pra gostar de jazz, tem que ter cabeça. Porque é uma música muito refinada, que pede que você seja sentimental para a música, que tenha sensibilidade”, definiu à época o pesquisador, que cultivava alguns hábitos muito particulares.

Um deles era o de montar coletâneas de jazz e bossa nova em CDs para distribuir aos amigos e jornalistas, como uma forma de compartilhar a emoção que ele tinha ao ouvir as canções de que gostava. Seu Luiz também era frequentador assíduo do Clube do Jazz, encontro semanal que reunia aficionados por esse gênero musical no Centro da Praia, e tinha satisfação ao transmitir seu conhecimento aos jovens e estudantes.

E, não raramente, assumia o papel de crooner nos bares de Vitória, sempre que encontrava ambiente propício para interpretar standards do cancioneiro norte-americano. Os extintos Jazz Café e Wunderbar foram alguns dos palcos onde Seu Luiz foi recebido com tapete vermelho por amigos e admiradores. A nós, restam a saudade e as lembranças do nosso maior jazzófilo – aquele que viveu o jazz e a música com a intensidade e honestidade daqueles que são profundamente bons. Com paixão, sempre.

PERFIL

Luiz Nogueira da Paixão nasceu em 29 de março de 1925, em Vitória. Foi professor de inglês, com especializações nas universidades de Michigan e do Texas (EUA). Começou a trabalhar nos anos 1940, no setor de almoxarifado da Raymond Morrison Knudsen, companhia que construiu a estrada de ferro da Companhia Vale do Rio Doce. Em seguida foi secretário do consulado dos Estados Unidos em Vitória e, no início dos anos 1950, fundou o Ibeuv (Instituto Brasil-Estados Unidos de Vitória) ao lado do cônsul americano Ray H. Crane e do então diretor do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, Roberto Viana Rodrigues. Deu aulas no Ibeuv, Colégio Americano e Salesiano. Ele não bebia, não fumava, torcia para o Flamengo e perdeu as contas do total de discos de sua coleção. Apaixonado por cinema, elegeu seus dois filmes favoritos: "Duas Garotas Românticas", de 1966, com Catherine Deneuve; e "Papai Pernilongo", de 1955, com Fred Astaire.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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