Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Indicado a 6 Oscar, "Minari" é ótimo drama sobre família e identidade

Com o título "Minari: Em Busca da Felicidade", um dos melhores filmes da temporada de premiação chega aos cinemas  às vésperas do Oscar

Vitória
Publicado em 21/04/2021 às 23h09
Filme
Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

É irônico, para não dizer meio ridículo, que a Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood (HFPA), grupo de 87 jornalistas votantes no Globo de Ouro, tenha impedido “Minari” de concorrer na categoria principal, ou seja, como Melhor Filme Drama. A argumentação foi somente de que a maior parte dos diálogos é em coreano. Produzido com dinheiro americano, filmado nos EUA, dirigido e escrito pelo americano Lee Isaac Chung e protagonizado por um ator nascido na Coreia, mas criado em Detroit, Steven Yeun, “Minari” talvez seja a grande história do "sonho americano" produzida pelo cinema nos últimos anos. Ao contrário do Globo de Ouro, o Oscar credencia "Minari" a concorrer em todas as categorias. O filme tem seis indicações: Melhor Filme,  Ator, Direção, Atriz Coadjuvante, Roteiro Original e Trilha Sonora Original.

Com roteiro semi-autobiográfico de Lee Isac Chung, o filme que chega ao atualmente restrito circuito de cinemas no Brasil conta a história de uma família de imigrantes coreanos lutando para sobreviver no Arkansas dos anos 1980. Na verdade, o verbo mais correto não seja “sobreviver”, pois o que Jacob (Steven Yeun) quer é prosperar, quer ser visto como um sucesso por seus filhos. Após anos na Califórnia trabalhando em um emprego degradante, conseguiu juntar um dinheiro e tentar iniciar um negócio próprio em outra cidade.

O sonho de Jacob é visto com desconfiança pela esposa, (Yeri Han), que teme o fracasso e estranha a nova casa, um grande trailer em meio ao que Jacob pretende transformar em uma fazenda de vegetais coreanos - uma oportunidade de mercado, visto que mais de 80 mil coreanos migravam para os EUA por ano na década de 1980.

“Minari” é um filme sobre afetos. Mesmo não sendo a principal narrativa do filme, a relação entre o pequeno David e a avó, Soonja (Yuh-jung Youn), é o que mostra dá o ritmo da narrativa. Nascido nos EUA, David não conhecia a avó e eles não se dão bem a princípio - ela é coreana demais, pouco parecida com as avós que David vê na televisão. É fácil ver o filme dessa forma, ainda, por ele se basear nas lembranças familiares do diretor. Apesar de não ser vendido como uma obra “baseada em fatos”, “Minari” é construído sobre as memórias afetivas de Lee Isaac Chung.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Sem oferecer grandes conflitos fora do núcleo familiar, “Minari” se sustenta nas performances, e elas são incríveis. A já citada Yuh-jung Youn é a favorita ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e uma lenda do cinema sul-coreano. Sua atuação como a mãe de Monica é impecável e garante, ao mesmo tempo, afeto e humor ao filme.

Já Steven Yeun é um rosto conhecido da indústria americana desde sua participação como o Glen, de “The Walking Dead”. Seu Jacob é obstinado, mas carrega nas costas o fardo de ter a obrigação de ser bem-sucedido após ter deixado a Coreia em busca de uma vida melhor para sua família. Sua jornada é o clássico sonho americano, a construção de algo a partir do esforço próprio, sem depender de ninguém, em um lugar que, em teoria, estaria de braços abertos a gente de todos os cantos, mas os EUA, obviamente, não são assim.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Presos no "meio do nada", Jacob e sua família buscam uma igreja para ao menos se sentirem parte de algo. Numa congregação evangélica branca e rural, os coreanos não são rejeitados, mas são tratados como seres exóticos. É interessante nessa sequência como os adultos ainda fingem, mas todo o preconceito vem escancarado nas crianças com quem David (Alan S. Kim) e Anne (Noel Cho), a filha adolescente, se relacionam - elas não são racistas ou xenófobas, mas reproduzem os comportamentos de seus pais.

É um exercício válido relacionar a diferença comportamental de Jacob e Monica nos EUA com a vida de seus intérpretes. Yeun vive no país desde os cinco anos, estudou lá, fez universidade e se consolidou como ator enquanto Yeri Han nunca havia filmado fora da Coreia do Sul. Assim, a sensação de não-pertencimento de Monica naquela sociedade, naquela cultura, uma das forças motrizes do filme, é natural - a personagem, tal qual a atriz, não se reconhece no que enxerga ao seu redor, o que fica claro quando sua mãe chega da Coreia com produtos e temperos coreanos e ela vai às lágrimas. Mais uma vez, é o afeto, a lembrança de casa, que move “Minari”.

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Filme "Minari", indicado ao Oscar 2021. Crédito: Diamond Films/Divulgação

Como observação, há nas legendas do filme lançado no Brasil algumas questões: quando conversam entre si, Jacob e Monica se chamam pelos nome coreanos, mas as legendas mantêm os nomes que os personagens assumiram nos EUA - é irônico um filme que trata da perda de identidade apagar deles o próprio nome.

“Minari” é poético ao inserir elementos ficcionais na memória afetiva de seu diretor. O filme é um conto sobre o tal sonho americano, mas também sobre a construção de identidade de imigrantes. Criado por família coreana em solo americano, Lee Isaac Chung transfere para o pequeno David suas memórias e os conflitos identitários pelos quais passou para reconhecer a jornada e os sacrifícios de seus pais imigrantes nos EUA.

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