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'Me senti um nada', diz mãe de menina de 11 anos que teve aborto negado

'Me senti um nada', diz mãe de menina de 11 anos que teve aborto negado

Mãe da criança que engravidou após violência sexual diz que  magistrada induziu garota a desistir do interromper a gravidez

Publicado em 27 de junho de 2022 às 10:01

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SÃO PAULO - A mãe da criança de 11 anos que engravidou após ser vítima de estupro em Santa Catarina criticou a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, exibida neste domingo (26).

A magistrada induziu a menina a desistir do aborto legal, perguntando à vítima se ela "suportaria" manter a gravidez "mais um pouquinho", conforme revelou reportagem do site The Intercept Brasil. Em casos de violência sexual, o Código Penal permite a realização do aborto independentemente da semana de gestação e sem a exigência de uma autorização judicial. Na época, a gestação passava de 22 semanas.

"Eu deveria responder por ela [durante a audiência], é uma criança imatura. Me senti um nada porque não podia tomar a decisão pela vida da minha filha, chorei, me desesperei, gritei dentro do fórum. Até me chamaram de desequilibrada", disse a mãe na entrevista.

A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina. (Solon Soares/Agência ALESC)

Sem mostrar o rosto ou ser identificada, como forma de preservar a identidade da menina, a mãe comentou a audiência, realizada em maio. Na ocasião, a juíza e a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de Santa Catarina, tentaram induzir a criança a desistir do aborto.

Ambas propuseram que ela mantivesse a gravidez por mais "uma ou duas semanas", para aumentar a chance de sobrevida do feto. A promotora Alberton disse: "A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente".

"Se eles queriam preservar tanto a minha filha, era algo que não deveria ter sido perguntado para ela. Acho que eu deveria responder por ela, não ela", disse a mãe à TV.

As condutas da juíza e da procuradora estão sendo investigadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pela Corregedoria do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), pela Corregedoria Nacional do Ministério Público e pela Corregedoria do Ministério Público de Santa Catarina.

O caso chegou ao Tribunal de Justiça catarinense depois que a criança foi encaminhada pelo Conselho Tutelar ao Hospital Universitário de Florianópolis para realização do aborto. A equipe médica se recusou a realizar o procedimento alegando que a gestação passava de 22 semanas.

Uma norma técnica do Ministério da Saúde, que não tem força de lei, afirma que o aborto não é recomendado após esse período e orienta a limitar o ingresso para atendimento a partir de 20 semanas. Para especialistas, a diretriz confunde e pode prejudicar a conduta médica, já que a lei não define nenhum limite para o procedimento nas situações em que é autorizado.

No Brasil, o aborto é permitido em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto –este último foi garantido por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.

Após a repercussão do caso, o Ministério Público Federal recomendou que o hospital realizasse o aborto. Segundo o órgão, a gravidez foi interrompida na última quarta-feira.

A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com a magistrada nem com a promotora.

Em entrevista ao Diário Catarinense, a magistrada disse que não é contra o aborto, mas que neste caso já passou o prazo para a sua realização. "A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS [Organização Mundial da Saúde] e do Ministério da Saúde", afirmou.

Questionada sobre sua fala na audiência, a promotora Alberton declarou ao Intercept que a fez "no sentido de esclarecimento sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez, já que o avançado estado da gravidez viabilizava a vida extrauterina".

Sobre a definição da OMS, a professora Eloísa Machado de Almeida, da FGV Direito SP, afirmou à Folha de S.Paulo que não vale como norma.

"As orientações da OMS e do Ministério da Saúde servem para orientar a criação de políticas públicas gerais de forma a preservar, em cenário ideal, o direito da mulher. Não são orientações, portanto, que restringem direitos e não podem ser interpretadas dessa forma", afirma.

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