Publicado em 31 de outubro de 2020 às 06:00
Nada de guarda-roupas, closets, gavetas ou malas. As roupas vendidas pela empresa Dress-X, fundada no ano passado pelas ucranianas Daria Shapovalova e Natalia Modenova, criadoras da Semana de Moda de Kiev, não podem ser guardadas - e muito menos vestidas - fora do universo digital. >
A prática, que pode soar estranha para alguns, é um dos recursos proporcionados pela inserção da moda na realidade virtual, que vem sendo cada vez mais usada por profissionais do setor.>
Além do ar futurista que evocam - que chega a lembrar algo da estética bizarra da série britânica "Black Mirror" - , as roupas virtuais, criadas a partir de softwares e programas digitais, revelam novos interesses de produção, venda e consumo da moda no mundo contemporâneo, marcado intensamente por experiências intangíveis.>
Em maio do ano passado, um vestido de pixels ficou famoso depois de ser leiloado em Nova York por US$ 9.500, ou mais de R$ 53 mil na cotação atual. A roupa foi criada pela marca holandesa The Fabricant, especializada em vestes e avatares virtuais e desenvolvedora da plataforma Leela, onde é possível criar de graça o seu "eu digital". Depois disso, ela se tornou a pioneira desse mercado e hoje produz exclusivamente para a multimarca Dress-X.>
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"Fizemos uma pesquisa e descobrimos que cerca de 9% dos habitantes dos países desenvolvidos compram roupas novas só para postar nas redes sociais", diz Modenova, a empresária. Segundo ela, foi isso que estimulou as criadoras a investir num modelo de negócio "mais sustentável", que oferece ao consumidor uma troca do fast fashion pelo "fast fashion digital".>
Para comprar na Dress-X, o cliente envia fotos suas à equipe e escolhe a peça. O prazo de envio, que ocorre por email, é de dois a três dias. O preço varia de acordo com a complexidade e o tempo depositados nos processos de produção e de vestimenta. Os valores das roupas estão entre US$ 25, ou R$ 140, e US$ 200, cerca de R$ 1.000.>
Segundo Modenova, esse tipo de moda promove não só sustentabilidade, como também maior acessibilidade a itens de luxo, alta costura e roupas exclusivas. Ela afirma ainda que a moda virtual desempenha uma importância vital ao futuro da moda.>
"Gosto de usar roupas digitais para me ver vestida com algo que nunca compraria no mundo real, ou que nem conseguiria encontrar", diz Diana Ronsal, uma cliente da Dress-X que estima já ter comprado pelo menos dez peças da multimarca. "Eu amo não me preocupar com o tamanho das roupas porque tenho certeza que caberão em mim. Minhas fotos melhoram, fico com looks inusitados e contribuo com o planeta.">
A Dress-X, aliás, já não é a única a oferecer esse tipo de serviço. A escandinava Carlings, por exemplo, vende desde roupas totalmente virtuais até uma camiseta que mescla os mundos físico e online. A The Last Statement T-skjorte, que custa EUR 399, ou R$ 2.600, possibilita que a pessoa faça uma "customização digital" da roupa por meio de um filtro no Instagram, pelo qual é possível adicionar ao tecido frases e desenhos animados.>
A Rohbau, que tem sede em Portugal, também aposta nesta vanguarda e vende um moletom metalizado com a cor da preferência do cliente, pelo valor de EUR 40, ou R$ 264.>
O investimento na alta costura digital, no entanto, não se restringe a roupas virtuais e tem diversas aplicações, como criação de croquis 3D, desfiles virtuais e até mesmo franquias de jogos. A italiana Gucci, por exemplo, lançou no ano passado a Gucci Arcade, sua própria série de jogos, e neste ano selou uma parceria com o popular "Tennis Clash".>
Logo no início da pandemia, que obrigou a indústria da moda a cancelar grandes eventos e alterar sua forma de produção, uma coleção da estilista congolesa Anifa Mvuemba viralizou nas redes sociais. No vídeo, roupas dispensam modelos e desfilam sozinhas.>
Depois da publicação do conteúdo, os itens - que podem ser vestidos só fisicamente - foram postos à venda online.>
A britânica Cat Taylor, que recria peças físicas de grifes em 3D, também faz sucesso com publicações deste gênero e tem milhares de seguidores.>
Mas, se por um lado, o uso do digital permite desfiles sem modelos, por outro é também capaz de dar vida a seres humanos que só existem em pixels. A Genyz, fundada por Cairê Moreira, é a pioneira dos avatares no Brasil e responsável pelas influencers virtuais Mia Bot e Princess A.I. A startup foi também a primeira da América Latina a oferecer um serviço de escaneamento corporal digital para fabricação de roupas físicas.>
"Usamos a tecnologia para entregar uma roupa de acordo com o corpo da pessoa e com o que ela quer", afirma Moreira. "Vamos supor que você comprou um moletom e queira transformar a peça num cropped. Para isso, fazemos um escaneamento corporal, que já é algo muito usado nas indústrias de jogos e automobilística, e modelamos a roupa num protótipo sob medida para você ver como ficaria.">
Além da Genyz, outra empresa brasileira que tem investido nesse mercado é o Studio Acci, criado por Henrique Assis e Letícia Acciarito, que faz roupas 3D a partir de desenhos, fotografias e ideias para empresas do setor, que podem usar as peças tanto em propagandas quanto em editoriais.>
"Com o digital, podemos produzir tudo", diz Assis. "Se você quiser um editorial em Marte, no meio da Amazônia, ou em qualquer outro lugar, é possível.">
Assis defende que a roupa digital ultrarrealista - com ou sem modelos (virtuais ou de carne e osso) - é uma ótima maneira para a indústria da moda se reiventar e aumentar seus lucros, já que dispensa parte da sua tradicional mão de obra, materiais e viagens.>
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