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Portugal flexibiliza lei para obter nacionalidade, o que pode ajudar brasileiros

Portugal flexibiliza lei para obter nacionalidade, o que pode ajudar brasileiros

Texto aperta restrições, mas torna menos rígida contagem de tempo de residência exigido na adequação do status migratório

Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 09:42

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LISBOA, PORTUGAL - Uma mudança na lei da nacionalidade de Portugal que altera as regras de contagem do tempo de residência exigido para ter acesso à naturalização deve facilitar a concessão para a comunidade brasileira no país.

O texto foi sancionado pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa no sábado (24) e entrará em vigor após publicação no Diário da República.

Para ter direito à naturalização, os estrangeiros precisam comprovar ter vivido pelo menos 5 anos em território luso. Até agora, no entanto, a legislação só considerava o período de residência legal. As novas diretrizes flexibilizam esse critério, incluindo no cálculo também o tempo em que os imigrantes estiveram à espera da regularização.

Lisboa
Bonde em Lisboa, Portugal. (Pixabay)

Portugal permite a adequação do status migratório de pessoas que entraram no país como turistas, mas permaneceram para viver e trabalhar mesmo sem a permissão adequada.

Essa possibilidade, incomum em boa parte da União Europeia, é a principal porta de entrada da comunidade brasileira em Portugal, que já ultrapassou a marca de 400 mil residentes legais.

O processo de regularização, contudo, é tradicionalmente demorado, arrastando-se muitas vezes por dois anos ou mais. Atualmente, há quase de 350 mil processos de regularização pendentes, com os brasileiros na liderança dos pedidos.

Esse período sem a documentação não era considerado para a obtenção da nacionalidade. Com as novas regras, o tempo de residência para a naturalização passa a valer a partir do momento em que os imigrantes têm o pedido formal de regularização aceito.

Para submeter a chamada manifestação de interesse na regularização, os estrangeiros precisam enviar às autoridades uma série de documentos, incluindo inscrições na segurança social e no sistema de identificação fiscal, além de contratos de trabalho ou de exercício de atividade profissional como autônomos. Esses pedidos só são aceitos depois de passarem por um crivo inicial de verificação das autoridades migratórias.

Na avaliação da advogada Anna Pacheco Araújo, especialista em imigração e direito internacional, a mudança tem o potencial de beneficiar milhares de brasileiros.

"As coisas estão um pouco melhores agora, mas durante muito tempo os estrangeiros levavam mais de dois anos só para ter a manifestação de interesse [pedido de regularização] aceita", destaca. "Essa alteração não resolve as coisas, mas pelo menos deixa o sistema um pouco mais justo."

Aprovadas pelo Parlamento em janeiro, as mudanças foram resultado de uma mobilização da comunidade estrangeira em Portugal. Uma das principais vozes do movimento foi a brasileira Juliet Cristino, 34, que organizou uma petição online sobre o tema.

O abaixo-assinado virtual conseguiu reunir assinaturas necessárias para ser apresentado e discutido com os deputados. Juliet esteve no Parlamento e discursou defendendo a mudança na contagem de tempo para o acesso à nacionalidade.

"Quando a manifestação de interesse é aceita, é porque nós já entregamos todos os documentos e as autoridades já viram que estava tudo em ordem. Então, era justo que o tempo de contagem para a nacionalidade fosse contado a partir daí", relata.

A ideia da mobilização nasceu após a brasileira ter sido, em julho de 2021, uma das organizadoras de um protesto pedindo melhorias e mais agilidade nos processos de regularização em Portugal. No país desde maio de 2019, ela só teve o pedido de regularização aceito mais de dois anos depois.

"É uma sensação de felicidade muito grande ver a lei aprovada. Hoje eu não vou precisar me beneficiar dela, porque tenho uma filha nascida em Portugal e já vou poder pedir a naturalização por isso, mas tenho falado com muita gente que vai conseguir graças às mudanças", relata.

Embora tenham facilitado o acesso dos imigrantes ao passaporte português, as alterações nas leis da nacionalidade introduziram novas restrições na concessão da cidadania a descendentes de judeus sefarditas expulsos da Península Ibérica durante a Inquisição.

Com efeito a partir de setembro de 2022, após suspeitas sobre a concessão do passaporte luso para diversos indivíduos, incluindo o oligarca russo Roman Abramovich, ex-dono do time de futebol Chelsea, o governo luso passou a exigir que os postulantes ao documento apresentassem provas de efetiva ligação a Portugal.

O novo texto endurece ainda mais os requisitos. Além de comprovar ligações ao país, será também exigido que os requerentes tenham residido legalmente em território português pelo período de pelo menos três anos, seguidos ou interpolados.

Para os casos submetidos de setembro de 2022 até agora, foi aprovado um regime especial transitório, onde os requerentes à cidadania podem comprovar ligação efetiva e duradora a Portugal, como viagens regulares e recebimento de herança no país, ou, em alternativa, possuir autorização de residência no país há pelo menos um ano.

No fim de janeiro, o Presidente da República enviou o texto com as mudanças para o Tribunal Constitucional, pedindo uma fiscalização sobre uma eventual inconstitucionalidade desse regime de transitoriedade da lei. O chefe de Estado disse temer que a mudança pudesse prejudicar reféns do Hamas que estivessem à espera de seus pedidos de naturalização.

Entre os raptados havia pessoas com pedidos ainda em análise. Por considerar que a dupla cidadania poderia contribuir para a libertação dos requerentes, o governo luso acelerou os trâmites e já concedeu a nacionalidade a pelo menos dois deles.

Após analisar o conteúdo do projeto, o tribunal decidiu que a mudança não fere a Constituição.

"Apesar da decisão do Tribunal Constitucional, a lei ainda deixa margem para discricionariedade sobre a comprovação de vínculos com Portugal. No fim, os conservadores [que analisam os casos] ainda poderão ter interpretações diferentes sobre o que comprova um vínculo ou não", avalia a advogada Anna Pacheco Araújo.

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