Publicado em 22 de outubro de 2024 às 15:13
KAZAN, RÚSSIA (FOLHAPRESS) - O Brasil vetou informalmente a admissão da ditadura venezuelana como país parceiro do Brics, na nova categoria de associação que é a grande novidade da 16ª reunião do grupo. O encontro começou nesta terça (22) em Kazan (Rússia).>
Caracas ficou de fora da lista de 12 países que serão convidados. Segundo a Folha de S.Paulo apurou junto a negociadores, são eles, por região do mundo: Cuba e Bolívia, Indonésia e Malásia, Uzbequistão e Cazaquistão, Tailândia e Indonésia, Nigéria e Uganda, e Turquia e Belarus.>
A relação, que está sendo costurada pela presidência russa do bloco, ainda não é final e pode haver surpresas na reunião dos chefes de Estado e de governo, na quarta (23). É um grupo mais equilibrado do que o aprovado na expansão do Brics de 2023.>
No ano passado, por exemplo, Irã e Etiópia entraram na primeira grande expansão do Brics na última hora, em uma operação que demonstrou o poder da China, a maior potência do grupo criado em 2006 com Brasil, Rússia e Índia — a África do Sul ingressou em 2010.>
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A lista acertada previamente em 2023 só tinha Emirados Árabes Unidos, Argentina e Arábia Saudita. Desses, os argentinos desistiram sob o novo presidente, Javier Milei, que se filia ao lado americano da Guerra Fria 2.0 entre Pequim e Washington.>
Já os sauditas são uma espécie de entidade etérea em Kazan: há um diplomata de segundo escalão do país participando das reuniões, que segundo negociadores não abre a boca nos encontros, e não há um interlocutor para debater com os presidentes e premiês presentes. O país desistiu de aderir em peso quando o arquirrival Irã foi aceito, na reunião de Joanesburgo (África do Sul).>
A ausência da ditadura de Nicolás Maduro é vista como dificilmente reversível, dado o consenso nas reuniões preparatórias. Caracas tem estreita relação com a Rússia de Vladimir Putin, o anfitrião, mas também o têm Cuba e Bolívia — que são bem vistas pelo Brasil.>
Ficaram de fora também da lista a Argélia e o Marrocos, países africanos que não se bicam. A declaração tem 120 parágrafos e, nas palavras de um de seus elaboradores, o trabalho mais duro parece feito. O Brasil, assim como no ano passado, não submeteu sugestões nominais, embora fosse segredo de polichinelo seu veto a Maduro, tanto que o ditador nem veio à Rússia.>
Desde que ganhou eleições amplamente apontadas como fraudulentas, o ditador entrou em rota de colisão com o antigo aliado Lula (PT). Apesar de ir e voltar, ao fim o governo do petista decidiu não reconhecer o resultado do pleito, levando a uma virtual ruptura com Maduro.>
Outro nome que havia circulado, o da Nicarágua, outra ditadura tropical rompida com o Brasil, não chegou nem a ser considerado a sério no debate em Kazan.>
Além da questão dos parceiros, cujas sondagens individuais visam evitar a repetição de casos desgastantes como o dos sauditas, há outras novidades na declaração.>
A principal é a readequação dos termos acerca da reforma do Conselho de Segurança, a entidade executiva da ONU que ainda é composta pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial. No ano passado, após anos de tentativas, o Brasil conseguiu emplacar uma menção nominal a si, ao lado de Índia e África do Sul, como postulantes ao órgão reformado.>
Agora, um passo foi dado atrás, dada a reclamação de dois novos membros dos Brics, Egito e Etiópia, que têm pretensões próprias. Assim, o termo acordado foi a defesa da reforma e inclusão de integrantes do grupo, de forma genérica, no conselho.>
Como dito, ainda pode haver mudanças. Seja como for, há uma inflexão aparente na posição da China, que no ano passado liderou o processo de expansão dos Brics. O grupo ganhou feições de um clube com lado na Guerra Fria 2.0 entre Pequim e Washington, na qual Moscou é a principal aliada dos chineses.>
Segundo negociadores, a China percebeu riscos associados à engorda excessiva do Brics, grupo que se notabiliza pela estrutura mais flexível, sem um secretariado permanente. E o temor acerca da insistência da Turquia de tornar-se um membro permanente, explicitado no mês passado.>
Para Pequim, Ancara tem o potencial de tornar-se uma segunda Índia, país com musculatura e ideias próprias e, no caso dos Brics, adversário nominal da China. O fato de os turcos terem entrado na lista de parceiros tende a desagradar o presidente Recep Tayyip Erdogan, que é um membro da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) ao mesmo tempo em que cultiva boa relação com Putin.>
Seja como for, a composição atual já garante ao grupo a crítica no Ocidente de que está a serviço da agenda sino-russa, algo que é rejeitado por diplomatas brasileiros.>
Em outros temas, como já era sabido, a guerra no Oriente Médio terá destaque no texto, com críticas pesadas a Israel. Historicamente, todos os membros originários do Brics são próximos da causa palestina, a começar pelo Brasil.>
O trabalho foi feito inclusive para amenizar alguns termos mais duros, defendidos principalmente pelo Irã, principal inimigo de Israel e em breve alvo de uma retaliação por ter lançado mísseis no começo do mês contra o Estado judeu, e o Egito.>
Já a outra guerra a moldar a geopolítica hoje, a da Ucrânia, terá apenas a citação protocolar lembrando que cada membro do Brics defende uma posição. É um jeito elegante de não desagradar os anfitriões, que invadiram o vizinho em 2022, e não melindrar que condenou o ato, como o Brasil, embora seja contrário ao regime de sanções a Moscou.>
Alguns assuntos importantes não estão maduros ainda, como o desarmamento nuclear e a questão ambiental. Aqui, os novos membros pesam: o Irã, por exemplo, não é signatário dos acordos do clima de Paris.>
Para o Brasil, o saldo é visto como moderadamente positivo, sempre ressalvando que as grandes potências à mesa poderão mudar de ideia na reunião de quarta.>
Nesse sentido, ausência de Lula (PT), fora de combate por ter batido a cabeça e substituído pelo chanceler Mauro Vieira, é sentida pelo peso simbólico de sua presença.>
O petista é o único membro fundador do Brics que estava presente na primeira reunião do grupo a ainda estar no cargo Putin estava, em 2009, ocupando provisoriamente o cargo de premiê no governo teleguiado do aliado Dmitri Medvedev.>
Mas o serviço, principalmente em relação aos parceiros, já enseja o trabalho a partir de 2025, quando será a vez de o Brasil assumir a presidência do grupo.>
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