Publicado em 1 de abril de 2025 às 07:32
Não é um desastre. O primeiro capítulo do remake de "Vale Tudo" mostrou dinamismo e potencial, em contraste com o medo de todos que gostamos de novela tínhamos de ver, no horário nobre, um pastiche raso dessa que foi a maior novela de todos os tempos, escrita pelo maior roteirista que a nossa televisão já teve, Gilberto Braga.>
Reconstruir "Vale Tudo" é mexer na arquitetura de um monumento. Difícil estar na pele desses que precisam reinventar a trama, o diretor Paulo Silvestrini e a roteirista Manuela Dias, mas a estreia da nova versão mostra bem a tentativa de equilíbrio entre uma reverência ao passado, com frases quase idênticas às do original, e uma tentativa necessária de atualização do enredo para um mundo já distante da realidade analógica oitentista.>
O que não está distante nem fora do radar são os conflitos que movem a trama. Em tempos que se discute no Congresso uma anistia a vândalos que depredaram Brasília numa trama golpista, a pergunta se vale a pena ser honesto no Brasil continua atual.>
Talvez não valha a pena ser honesto em lugar nenhum de um momento incendiário como esta década, e reside nisso a robustez ou a fraqueza que esse enredo revisitado vai demonstrar nos próximos meses.>
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"Vale Tudo", afinal, não é, como já afirmou Dias, só a história de uma aposta entre uma mãe e sua filha. É um dos retratos mais fiéis à realidade do país já construído, a quente, na tela da televisão, a dissecação de nossos valores, as nossas entranhas mesquinhas, nossos dramas mais doídos.>
Que uma mãe e uma filha estejam no centro da trama é só artifício dramático para mover o arco narrativo, enquanto ao redor dessa mãe e dessa filha o país afunda e tropeça.>
É arriscado fazer previsões a partir das primeiras cenas, mas é nítido que a escalação de Taís Araujo como Raquel, papel que no original foi de uma hoje canceladíssima Regina Duarte, foi um acerto -da mesma forma que ela revidar o tapa na cara que leva do marido, o que não acontece na versão original, tenta mostrar que certas coisas podem ter mudado nas últimas décadas.>
Araujo é uma atriz cheia de marra que parece à vontade na pele dessa mãe que vai comer o pão amassado pelo diabo da filha. Já a filha, Maria de Fátima, teve a escalação mais contestada por fãs da novela original. Bella Campos, que não brilhou nas chamadas do remake e virou alvo de memes maldosos, não decepciona tanto na estreia.>
Sua química com Cauã Reymond, outra escolha acertada no papel do delicioso cafajeste César, que já foi de Carlos Alberto Riccelli, parece mais que estabelecida já na estreia, embora o papel encarnado por Glória Pires na primeira versão vá exigir nervos de aço de Campos, isso porque é ela quem faz toda a trama girar.>
No enredo de Gilberto Braga, o arrivismo de Maria de Fátima é o elo entre os miseráveis e os super-ricos, ou seja, está sobre os ombros de Campos a responsabilidade de recriar, com a vilã Odete Roitman, agora vivida por Débora Bloch, toda a eletricidade que marcou os embates de então, o abismo entre ter ou não ter, ser ou não ser, que atravessa tantas tramas do autor do folhetim original -como Manuela Dias vai reinterpretar isso é a questão.>
O clã dos Roitmans, aliás, não aparece no primeiro episódio, e nos trailers já divulgados Bloch não parece tão à vontade na casca grossa que Beatriz Segall criou para a maior vilã de todos os tempos. A fragilidade de uma atriz jovem e ainda inexperiente num dos principais papéis de uma trama das nove e o desconforto que é reencarnar uma figura como Odete, mesmo para uma atriz sensacional como Bloch, pode ser o grande ponto fraco do remake.>
Futurologia à parte, o primeiro capítulo mostra a ambição do elenco e da direção. Estão todos afiados, e a direção de arte tem a exuberância prometida pelo diretor, que diz ter buscado sua paleta de cores na obra de artistas como Adriana Varejão e Leda Catunda.>
Outros artistas que voltam a brilhar são Cazuza e Gal Costa. É bom que não mudaram o tema de abertura escrito pelo compositor, tão potente na voz de Gal. Lembrar a cara retrô da vinheta original, embora sem algumas de nossas catástrofes mais recentes na política e no meio ambiente, também é um aceno aos saudosistas, que vão rondar esse remake como cães farejadores. A ver que cara o Brasil vai mostrar nesta nova "Vale Tudo".>
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