Publicado em 26 de abril de 2022 às 11:05
O que a microssaia da Miu Miu usada pela apresentadora Maisa Silva num look que gerou uma enxurrada de memes e a calcinha à mostra de Anitta no videoclipe sexy de "Envolver", hit que levou a cantora ao topo global das músicas mais ouvidas no Spotify, têm em comum?>
As duas são ecos de um movimento que vem crescendo nos últimos tempos -a volta dos anos 2000.>
No Instagram, a hashtag Y2K -sigla para "Year 2000", que surgiu como referência à chegada do ano 2000 e hoje é também usada para datar parte da primeira década do milênio- aparece em mais de 3 milhões de posts, e, no TikTok, tem mais de 5 bilhões de visualizações.>
Hits, filmes e séries dessa época lotam o perfil na rede social de dancinhas @Nostalgias2000, que tem mais de 83,4 mil seguidores, com um conteúdo repleto de memes e elogios à cultura pop do período.>
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O sucesso da página é tão grande que, neste mês, seu fundador, o publicitário Marcos Martoli, criou uma loja online de produtos relacionados ao espírito dessa década, a M2K, que traz blusinhas de até R$ 69,90 estampadas com ilustrações de filmes e séries que fizeram sucesso na época, como "Harry Potter", "Rebelde" e "Meninas Malvadas". Mas a marca não é a única a levar referências do período às roupas.>
É cada vez mais comum esbarrar com calças de cintura baixa, calcinhas e cuecas à mostra, peças sobrepostas --tal qual o visual polêmico de Maisa, cuja microssaia deixava entrever a barra de sua camisa--, acessórios metalizados e decotes ombro a ombro.>
Só no ano passado, por exemplo, as buscas por "roupas dos anos 2000" no Pinterest aumentaram em 47% em relação a 2020. De abril a agosto, a procura por peças ultracoloridas -sobretudo nas cores rosa-choque e laranja- no aplicativo de compras da Lyst cresceu 191% em relação ao mesmo período do ano anterior. A plataforma relata ainda que, em fevereiro de 2022, o termo "minissaias" foi pesquisado cerca de 900 vezes por dia.>
A Shein, multinacional que faz sucesso nas redes com uma cartela de opções extensas -e é rodeada de polêmicas envolvendo suspeitas de trabalho análogo à escravidão e acusações de plágio-, tem até uma categoria dedicada ao estilo, a Y2K, com mais de 5,3 mil peças à venda.>
A estética é moldada a partir do final dos anos 1990, quando o grunge e o minimalismo foram saindo dos holofotes para dar lugar à extravagância, ao "street wear" do hip-hop e ao exagero, em meio à chegada da internet e a globalização.>
Um look marcante é o famoso top em formato de borboleta que Mariah Carey usou em 2000, num tributo a Diana Ross. Recentemente, a peça ressurgiu das cinzas e atraiu nomes como os das cantoras Dua Lipa e Olivia Rodrigo, jovem conhecida por surfar nessa onda nostálgica com canções que resgatam o pop punk e o emo do período.>
Há ainda outras estrelas que têm tido os seus looks revisitados. O look jeans dos pés à cabeça que Britney Spears e seu então namorado, Justin Timberlake, usaram em 2001 -visual que é alvo de piadas até hoje- tem inspirado tops, saias e vestidos no material. A barriguinha de fora e os tops mínimos de Paris Hilton também voltaram a aparecer com frequência, num aceno ao início do milênio.>
A retomada não se limitou à internet e às marcas de fast fashion, e pôde ser vista nos desfiles de alta costura da Semana de Moda de Paris. Lá, abundavam modelitos com recortes pélvicos, tecidos transparentes, alças cruzadas, costas cavadas e muito brilho. (Vale notar que mesmo antes disso, o fim da quarentena já vinha sendo marcada por um desejo geral de exibir o corpo. Tchau, visuais discretos. Olá, looks recortados, ou "cut-outs", como são conhecidos, e ousadia --tudo o que o Y2K tem de sobra.)>
"Cintos estilo corrente, aplicações de strass, grampos e presilhas ornamentadas em proporções grandes e 'bucket hats' são a cara dos anos 2000", diz Liliah Angelini, da WGSN, bureau de tendências. "Essa estética está dominando toda cultura digital e influenciando não só millennials [os nascidos entre 1980 e 1994], como também a geração Z [os nascidos entre 1995 e 2010].">
Segundo Angelini, o principal motivo para millennials voltarem a se encantar com o estilo é a nostalgia gerada por um possível escapismo da realidade pandêmica, porque, ainda que essa retomada ao período seja gradual e venha pipocando desde 2019, foi justamente na era Covid que ganhou proporções maiores.>
"A pandemia, enquanto momento desafiador, gerou sentimentos como medo e incerteza, fazendo a nostalgia ser resgatada como forma positiva de lidar com esses sentimentos", diz ela.>
Apesar de a moda ser cíclica por natureza e a cultura pop sempre fazer reciclagens, a pandemia, de fato, tem relação com o despertar nostálgico. A neurocientista Lívia Ciacci afirma que diante de sobrecargas e momentos turbulentos, "o cérebro procura um alívio" em sensações de carinho, conforto e segurança.>
"Reviver memórias que foram impactantes emocionalmente para uma geração é uma maneira de gerar um conforto coletivo", afirma Ciacci. "E memórias não são estáticas. A cada vez que as revisitamos, incrementamos detalhes e damos maior impacto a um ou outro aspecto delas. Por isso, com o passar do tempo, elas se tornam bem diferentes do que foram na realidade.">
Também fora dos guarda-roupas e das passarelas é possível dar de cara com essa onda de resgate dos anos 2000. Nas paradas musicais, "Desenrola, Bate e Joga de Ladinho", um dos maiores hits atuais, sobretudo no TikTok, traz as batidas lentas que dominavam o funk carioca do período. A canção é uma parceria entre os Hawaianos -banda que ganhou notoriedade com a produção do Furacão 2000 e, após anos de hiato, voltou à formação original em 2021-, o rapper L7nnon e os DJs Bel da CDD e Biel do Furduncinho.>
Também contagiados pelo replay na década retrasada, artistas gringos como Willow, Machine Gun Kelly e Olivia Rodrigo surfam no pop punk que marcou o período, com guitarras rasgadas e vocais acelerados.>
No Brasil, Anitta usou o revival do emo para tentar emplacar nos Estados Unidos sua faixa "Boys Don't Cry" e se inspirou bastante na estética dos videoclipes de rock melódico que dominavam a grade da MTV nos anos 2000.>
Há ainda o álbum "Doce 22", de Luísa Sonza, com faixas nomeadas por códigos digitais dessa época, como carinhas smiley e corações "s2", e o clipe "Bonekinha", de Gloria Groove, que traz elementos como lan houses e um celular de flip rosa.>
"Para os produtores e plataformas de distribuição, é uma jogada certa. Se fez muito sucesso, chamam o assunto de volta. Existe uma dinâmica cultural que é cíclica. E os streamings têm uma engenharia de produção muito mais curta e condensada do que o cinema, então retomar sucessos é uma ótima estratégia", afirma José Roberto Sadek, professor de cinema da Faap.>
"As pessoas gostam de lembrar o que viram. É o caso do 'Sex and the City' [série que bombava nos anos 2000 e, em 2021, ganhou a continuação 'And Just Like That...']." Há ainda "Friends", que é uma das sitcoms mais famosas dos anos 1990 e 2000, e ganhou um episódio especial na HBO Max, em 2021. Até "High School Musical", trilogia de filmes infanto-juvenis da Disney que bombou no período, está no filão dos revivals, com uma série inspirada na trama.>
"Séries são uma grande janela de emoções, quase uma expansão do espaço que não conseguimos ter na vida real.">
Segundo o professor, a onda nostálgica das roupas, músicas, séries e filmes dessa época tem ainda um significado mais intenso no caso brasileiro.>
"Além da pandemia, estamos vendo um país onde as pessoas querem ir embora", diz ele. "É reconfortante lembrar tempos mais alegres e de mais dinheiro, porque é como se de lá para cá, tivéssemos só ido ladeira abaixo.">
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