Publicado em 18 de junho de 2024 às 07:49
Jonathan Azevedo, 38, não queria mais fazer personagens com estereótipo de bandido. Até que ele leu o roteiro da série "O Jogo Que Mudou a História", da Globoplay. "Vou ter que fazer outro bandido. Vou fazer o bandido", relata o ator sobre sua reação ao entrar em contato com o papel de Gilsinho, um dos dos criminosos da ficção.>
Gilsinho era José Carlos dos Reis Encina, também conhecido como Escadinha. Assassinado em 2004, ele foi um dos fundadores de uma das organizações que dominam o Rio desde os anos de 1980. A produção criada por José Junior, líder do AfroReggae, retrata os primeiros conflitos entre facções, que se estendem até os dias de hoje. "Escadinha é um bandido real e eu pude construir o personagem a partir dos relatos das pessoas mais velhas que estavam ao meu redor", conta o ator.>
Ele relembra emoções que enfrentou durante as gravações da série. Diz que Gilsinho "tem um lugar do Jonathan, que o Jonathan ama muito, mas que também machuca" e afirma que precisou de ajuda de uma psicóloga no trabalho. O ator também fala sobre sucesso, que ele diz não ter relação com o quanto ele ganha ou compra. "Sucesso para mim é quando eu deito na cama e sei quantas vidas eu mudei. O exemplo é o que faz muita coisa mudar ao nosso redor", afirma. Confira a entrevista abaixo.>
PERGUNTA - Se não me engano você tinha expressado a vontade de não mais interpretar um bandido. E aí vem "O Jogo que Mudou a História"...>
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JONATHAN AZEVEDO - Pois é (risos). Outro bandido. Quando veio o convite eu pensei: 'Será que não está na hora de dar oportunidade para outros jovens ganharem oportunidade como eu ganhei lá atrás?'. Fui conversar com José Júnior [criador da série] e ainda estava meio assim quando li o roteiro. Entendi que o Gilsinho era o Escadinha [José Carlos dos Reis Encina, traficante do Morro do Juramento e um dos fundadores de uma das facções mais perigosa do Rio de Janeiro]. Liguei para a minha assessora [Juliana Reis] e falei: 'Vou ter que fazer outro bandido. Vou fazer o bandido'.>
P - E por quê teve essa reação?>
JA - Os outros bandidos que interpretei eram criações dos autores, claro, que em colaboração com o ator, né? Mas Escadinha é um bandido que viveu, um bandido real -e eu pude construir o personagem a partir dos relatos da minha mãe e do meu pai, da minha família, da minha comunidade, das pessoas mais velhas que estavam ao meu redor. Eles me dão o olhar que eles tinham do Escadinha. A minha mãe era apaixonada por ele, achava ele um gato, entendeu? Muitas das pessoas com que eu conversava, não só conheceram, como tiveram acesso. É fogo.>
P - Tem alguma cena dessa série que te marcou ou te remeteu alguma memória?>
JA - Muitas. Mas teve uma que me tocou mais, que foi a chegada em Bangu [Complexo Penitenciário de Gericinó]. O Escadinha foi a pessoa que inaugurou o presídio de segurança máxima Bangu 1 (1987) e, chegando lá, a recepção que eu tive dos carcereiros que estavam trabalhando não foi muito boa, né? Um deles chegou a falar para mim que, na verdade, a vida ia me levar ali de qualquer forma.>
P - Como assim?>
JA - Passei por esse momento e fiquei me questionando porque se eu estava ali, através da minha arte, fazendo um personagem, e ele falou que eu tinha que passar por ali de qualquer jeito... Graças a Deus eu encontrei uma forma de passar e poder ir embora.>
P - Você ainda sofre esse tipo de preconceito?>
JA - Aí que vem o 'x' da questão. Perguntei para esse carcereiro o motivo de ele ter esse olhar sobre a minha pessoa. E ele falou pra mim que ele trabalha lá há muito tempo e que, na época da novela 'A Força do Querer' [em que Jonathan interpretava o bandido Sabiá, em 2017], eram cerca de quatro, cinco mil presos que ele tinha que cuidar e ele disse que todos lá me respeitavam pelo personagem que criei e que eu tinha levado esperança para os detidos.>
P - Forte isso, né?>
JA - Sim, e me marcou. O meu trabalho é levar esperança e não é culpa minha se os menos esperançosos são os que me dão os personagens deles. Os meus personagens são dos menos esperançosos e isso remete muito ao afeto e à paixão que eu tenho não só pelo meu ofício, mas pelo lugar de onde eu vim. Sim. É dignificar não só o meu trabalho, mas dignificar o personagem que eu estou defendendo.>
P - E seu Gilsinho? O que ele tem de você, por exemplo?>
JA - O Gilsinho... (para e respira). Ele tem um lugar do Jonathan, que o Jonathan ama muito, mas que também machuca muito que é a leveza, a doçura. Gilsinho paga pra ver. Ele confia e o Jonathan tem muito disso. Então, quando eu chego nesse lugar que esse personagem começa a me invadir tanto, ainda mais passando por questões como eu passei dentro daquela penitenciária, não consigo fazer mais um personagem desses sem estar acompanhado de uma psicóloga, de uma profissional.>
P - Você fez terapia para a série? Ainda faz?>
JA - Sim...É muito difícil lidar com o poder e a liderança que eles adquiriram, da forma que eles adquiriram e voltar pra minha família e falar que está tudo bem, sabe? É preciso equilibrar essa questão entre o ator e a pessoa, trazendo um profissional que possa me acompanhar. Existem muitas coisas na nossa vida que, sozinhos, a gente não dá conta. É só a gente descobrir, dar a mão para alguém, que a gente vai mais longe.>
P - Essa série não mostra o assassinato do Escadinha, que foi executado em 2004. Isso significa que vai haver outras temporadas?>
JA - Não tem a morte dele -e eu acho que vão ter outras temporadas. Existem muitas histórias ainda. São histórias reais.>
P - No início de março, você fez uma vídeo falando do fim do seu contrato com a Globo e dizendo que emprego fixo e carteira de trabalho, para as pessoas de origens mais humildes, é sinônimo de garantia, de estabilidade. Ficou preocupado?>
JA - Antes disso acontecer [o fim do contrato], eu me preparei financeiramente. Tenho amigos, inclusive Cauã [Reymond] e seu Tony Ramos, que são pessoas que pegavam muito no meu pé em questões financeiras, para eu juntar dinheiro, que aquilo não duraria para a vida toda. E aí eu comecei a ficar muito atento a isso e comecei a juntar dinheiro para que um dia eu pudesse levar minha vida da forma que eu quisesse.>
P - Você está tranquilo com relação a trabalho?>
JA - Eu tenho muita calma porque eu sei que as portas vão estar abertas por causa da semente plantei. Cheguei na Globo uma pessoa e saí outra melhor. Sempre lembro que sucesso para mim não é o quanto eu ganhei, não é o que eu comprei. Sucesso para mim é quando eu deito na cama e sei quantas vidas eu mudei. O exemplo é o que faz muita coisa mudar ao nosso redor.>
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