Publicado em 8 de outubro de 2024 às 10:40
"Pela primeira vez na vida, acredito que as pessoas estão prontas para ter essa conversa, que podem entender e acreditar em tudo que nos aconteceu", diz Lyle Menendez, hoje com 56 anos, no final do documentário "O Caso dos Irmãos Menendez", que a Netflix bota no ar na esteira do sucesso da série de nove episódios produzida por Ryan Murphy e lançada mundialmente em setembro.>
Não leva três semanas para fazer um documentário. Muito menos para conseguir entrevistas tão longas com dois prisioneiros de uma cadeia americana. E depois tem que encontrar as pessoas envolvidas e dispostas a falar, gravar todas as entrevistas, assisti-las, selecionar os melhores trechos, editar, sonorizar, e fazer mil outras coisas na chamada pós-produção de qualquer produto áudio visual - uma etapa do processo que costuma deixar quem está esperando ansioso por meses.>
Ou seja: esse documentário que a Netflix bota no ar tão rapidamente já estava em produção muito antes da estreia da série. Provavelmente, para conseguir que os irmãos Menendez falassem de maneira tão aberta e em conversas tão longas, alguém teve que prometer alguma coisa em troca.>
Não porque eles sejam parricidas confessos, mas porque cumprem uma pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional, ou seja, não importa o quão arrependidos eles se mostrem, quanto tempo tenham passado presos, nem terem comportamento excelente ou mostrarem qualquer esforço para se reintegrarem à sociedade. Eles foram julgados e condenados, já recorreram a todas as instâncias possíveis, teoricamente não há mais nada que possa ser feito.>
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Não há movimento no TikTok, visita da Kim Kardashian ou a volta do caso aos holofotes capaz de mudar uma sentença dada por um juiz. No entanto, no final da semana passada, o promotor George Gascón, de Los Angeles, declarou que se sente em "obrigação moral e ética" de rever o caso dos meninos bonitos, jovens, ricos e atléticos que mataram os pais a sangue-frio na noite de 20 de março de 1989.>
A única possibilidade de Lyle e Erik voltarem a viver em liberdade de novo é se aparecerem novos fatos. E eles precisam ser irrefutáveis, precisam ser provados perante a lei.>
E a história dos horrores perpetrados por José Menendez, o pai e algoz dos meninos que acabou como vítima de um assassinato brutal, junto de sua mulher, Kitty Menendez, de que o público só ouviu falar no julgamento, tem isso.>
Em 2023, o ex-Menudo Roy Rosselló, que hoje em dia é pastor evangélico no Rio de Janeiro, deu uma entrevista para uma TV norte-americana contando que foi "oferecido" para José Menendez pelo empresário panamenho Edgardo Díaz, 77, criador da boy band Menudo, como "brinde" pelo contrato milionário oferecido pela gravadora americana RCA.>
Uma prima dos irmãos Menendez, uma das testemunhas mais importantes do primeiro julgamento dos irmãos, que foi televisionado pelo canal a cabo Court TV, também recuperou uma carta escrita por Lyle Menendez na infância. Nela, ele contava detalhes sobre os abusos do pai, e detalhava há quanto tempo sofria com isso e perguntava se era normal que pais agissem assim.>
Mas nada disso está no documentário. A série da Netflix conta como José foi o negociador do contrato do Menudo, nada mais. O menino porto-riquenho, na época com 13 anos, teria sido convidado a jantar na casa da família Menendez com Díaz, que teria oferecido uma taça de vinho com tranquilizantes para ele. Rosselló teria desmaiado e não se lembra de nada, só de ter acordado no dia seguinte no quarto de um hotel, com sangramento anal. O nome de Roy não é mencionado nem na série ficcional, nem no documentário.>
Há algo muito estranho acontecendo. Pode até ser que nem o depoimento do ex-Menudo nem a carta da prima dos meninos tenham lá muito peso com o público ou o sistema jurídico americano, mas as duas grandes novidades não serem nem levantadas é, por si só, um fato relevante. Três, na verdade, afinal, a série de nove episódios que ficou entre as mais assistidas da história do canal de streaming não pode ser ignorada.>
E o que o documentarista argentino Alejandro Hartmann pode ter oferecido em troca dos longos depoimentos que servem como espinha dorsal do documentário? No mínimo a oportunidade de Lyle e Erik contarem para o público de hoje a versão deles da história, e que talvez temessem uma reação negativa à série de Ryan Murphy (e não me consta que tenha Netflix na penitenciária de San Diego, onde eles estão desde 2018). E, imagino, a garantia de que o documentário não faria nada que agravasse a situação deles deve ter sido negociada.>
Isso de fato "Os Irmãos Menendez" não faz. É mais do mesmo, é como se fosse um documentário dos anos 2000. Pode até matar a curiosidade de quem está conhecendo agora essa história triste e macabra, mas não acrescenta nada a quem já sabia do caso de cor.>
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