Publicado em 27 de junho de 2024 às 08:44
Branco Mello se dirige à plateia do estúdio, durante a gravação de "Titãs Microfonado", e anuncia "a melhor banda de todos os tempos da última semana". "Essa música fala sobre longevidade. Ou 15 minutos.">
Sua frase pode definir o novo projeto audiovisual que chega às plataformas agora, com a banda revendo canções recentes e antigas em formato acústico, ao lado de convidados que vão dos veteranos Ney Matogrosso e Lenine aos jovens Major RD e Bruna Magalhães.>
Mas a afirmação de Mello pode também se referir à trajetória da banda. Ou mesmo a experiência da existência humana, se abrirmos a lente para a longevidade e o instante caberem no mesmo quadro. "O tempo também é uma ilusão. A gente vive sempre o aqui, o agora, o presente", diz Sérgio Britto, em entrevista por videoconferência ao lado dos dois outros integrantes da banda, Mello e Tony Bellotto.>
O tecladista prossegue sua reflexão, lembrando a turnê "Titãs Encontro", que reuniu os membros originais no ano passado. "Ficou evidente a relevância da nossa obra. Mas o fazer artístico traz você muito para o presente. Você fala 'fiz tudo isso, fiz tudo aquilo, mas o que estou fazendo agora?'.>
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A escolha do repertório de "Titãs Microfonado" --projeto do selo Midas Music, de Rick Bonadio, que assina a produção do lançamento ao lado de Sergio Fouad-- afirma o compromisso com o presente.>
Muitas das canções escolhidas vêm do álbum "Olho Furta-Cor", de 2022. "O disco ficou no limbo por causa da turnê e também daquele momento de fim de pandemia", diz Britto. "Ao regravar algumas canções e adicionar outras clássicas, poderíamos revitalizar esse trabalho, que achamos que tem muita coisa interessante.">
Bellotto conta que o projeto também marca um movimento na carreira da banda. "A turnê 'Titãs Encontro' teve aquela grandiosidade, e é bom a gente fazer na sequência algo diferente, intimista, para ser visto em teatros.">
Há em "Titãs Microfonado", portanto, um caráter de reestreia nas canções de "Olho Furta-Cor", pouco conhecidas. Mas há outros ineditismos mais sutis. "Sonífera Ilha" aparece pela primeira vez na voz de Bellotto, um de seus autores. Da mesma forma, "Marvin (Patches)" é gravada também pela primeira vez com Britto cantando --o tecladista é parceiro de Nando Reis na versão em português da canção americana.>
"Começar a cantar foi uma verdadeira reinvenção de mim mesmo", diz Bellotto. "Já estou cantando há alguns anos, mas até hoje ainda me espanto que esteja conseguindo cantar.">
Já Britto, que sempre foi um dos vocalistas dos Titãs, teve dificuldade de recriar uma canção famosa com outro cantor. "Tenho muitos sucessos com a minha voz, mas, com a debandada de cantores da banda, acabei começando a cantar nos shows algumas músicas que eu não tinha gravado. Não vou dizer que é fácil, porque você fica realmente influenciado. Você passa por um período de incerteza até achar o seu caminho.">
Ele nota ainda que "os Titãs nunca foram uma banda de um cantor só". Então, a incorporação de Bellotto como vocalista foi fundamental na manutenção dessa identidade.>
Mesmo as músicas cantadas por Mello há muito tempo ganham a marca do ineditismo por, como ele diz, estarem sendo gravadas pela primeira vez com sua "nova voz". Nos últimos anos, ele enfrentou um câncer na laringe e passou por algumas cirurgias que tornaram seu canto mais rouco.>
"A gente brinca que é a voz que ele sempre quis ter", diz Belloto. "Na cabeça, com certeza, era essa voz", diz Mello.>
A mudança do canto de Branco Mello pode ser lida como uma afirmação do tempo e da vida. "Minha voz é forte. Ela é real. É a minha vida. Traz tudo que vivi desde que nasci, a minha história. Não sei até quando eu vou ter uma voz, mas me apego a essa que sobrou, porque gosto dela. No disco, ele faz um dueto com Preta Gil em "Como É Bom Ser Simples", que celebra ter vencido um câncer, como ele.>
Os convidados, aliás, dão um panorama do alcance da música dos Titãs. Estão ali diferentes estilos, gerações ou mesmo territórios, já que eles são originários de diferentes lugares do Brasil. A lista é formada por Ney Matogrosso, em "Apocalipse Só", Vitor Kley, em "Marvin", Ciz Mendes, em "Um Mundo", Bruna Magalhães em "Porque Eu Sei que É Amor", Major RD em "Cabeça Dinossauro" e Lenine em "Raul".>
Os encontros geraram momentos divertidos nos bastidores. Ney Matogrosso, por exemplo, se deu conta só ao chegar ao estúdio que o registro também seria em vídeo.>
Mello conta que, dias antes da gravação, Major RD perguntou "mas cabeça de dinossauro era uma gíria da época para falar de pessoas não evoluídas?". Não era uma gíria. A expressão é Titãs puro sangue. Mas o rapper não errou tanto, como demonstram suas rimas na nova versão da música --"pança de mamute/ espírito de porco/ não acredito que ainda exista". Está aí a longevidade do recado dos Titãs.>
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