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Publicado em 9 de outubro de 2025 às 12:15
Às vésperas de participar da 1ª Festa Literária Internacional Capixaba (FLINC), nesta sexta (10), em Vila Velha, o padre Júlio Lancellotti conversou com HZ sobre diversos assuntos. No bate-papo, o sacerdote falou da sua relação com a literatura, trabalhos voltados a pessoas em situação de rua e das vindas ao Espírito Santo. >
Foram cerca de 30 minutos de entrevista por telefone (que você confere no final da matéria). E entre as quase vinte perguntas respondidas, o padre disse uma frase que me atravessou. >
Sobre o direito das pessoas à literatura, o Lancellotti é direto ao afirmar que é preciso alcançar, sobretudo, quem vive nas ruas: “Nada é neutro. Ler o mundo, a própria vida, é parte do compromisso com um mundo mais fraterno”.>
A trajetória pastoral e humanitária de Lancellotti chama atenção por ser um dos nomes mais reconhecidos da defesa dos direitos humanos no Brasil. Sacerdote da Arquidiocese de São Paulo e coordenador da Pastoral do Povo de Rua, ele atua há décadas na linha de frente do cuidado com pessoas em situação de rua.>
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Desde o acolhimento cotidiano (refeições, documentação, acesso a saúde) à pressão pública por políticas que combatam a violência institucional, o padre é uma referência ética, principalmente, por unir presença concreta nas ruas, denúncia de violações e mobilização social. >
Eu vou com alegria, espero encontrar pessoas que gostam de livros e que possa ser um encontro que possa dialogar, falar de interesses e saberes.
A leitura nos ajuda a ter um compromisso. Eu acredito que as pessoas possam encontrar textos, autores, que se comprometem a tomar um mundo mais fraterno.
A literatura entrou na minha vida desde a primeira infância. Eu vi minha mãe lendo, aprendi as letras através das capas dos livros dela. O Papa Francisco deixou muito claro o papel da literatura na formação. Você não pode ler o mundo dos seus pontos de vista. É preciso ler do ponto de vista do outro.
Para ler o mundo, ler a própria vida, a própria situação. Nada é neutro, nem o que você lê. As palavras estão no marketing, nas narrativas. Quem tem fome de pão também tem fome de palavra. Nós não somos gavetas, somos uma pessoa. E esse trabalho é feito na convivência. Conviver é conflitivo. Não falamos que conviver é no paraíso, temos que conviver na tempestade também.
Essa invisibilidade da pessoa que está em situação de rua também nega que essa pessoa possa querer falar. Como é negado o pão e o agasalho, também é negado aos livros e ao afeto. E assim a pessoa fica cancelada.
A biblioteca não é um privilégio de classe social. As pessoas, quando estão lendo um livro, se identificam com personagens, elas riem, choram. O mundo não é só o sofrimento e os livros levam a vários caminhos.
É interesse que eles querem ler de tudo. Mas por incrível que pareça, o livro mais pedido por eles é a Bíblia. Até fizemos uma versão com capa própria para eles.
A censura deveria ser substituída pelo discernimento. É preciso discernir o que estão vendo. Nós não podemos censurar as pessoas, cortar os olhos para que elas enxerguem o que nós queremos. É preciso que elas enxerguem os desafios, as manipulações, e a partir disso saber fazer escolhas.
Para mim, o que fica sempre muito forte e reverbera é ler os evangelhos. Não só nas letras, mas nas pessoas. Hoje, pela manhã, encontrei uma senhora tão enrugada, enrolada em um cobertor, suja e mal cheirosa. Eu me coloquei pertinho dela e abracei. Depois do abraço, ela disse que queria encontrar a família para ver se acolhia ela novamente. E fiquei surpreso porque ela disse que gostaria que procurassem no Facebook. Pedi para uma assistente social ajudá-la.
O que um menino de rua me falou há muitos anos atrás é que a rua é um lugar cheio de portas. Mas todas estão fechadas. Eu pensei que deveria abrir essas portas, ou pelo menos algumas delas.
Eu passei rapidamente, nunca fiquei muito tempo. Conheci um padre capixaba que marcou muito minha vida. O nome dele é Martinho Krohling. Um dia ele me abraçou e disse que eu ia sofrer muito na vida porque eu era muito sensível. Isso me marcou.
Conheci o Convento rapidamente na visita que fiz ao Estado. Estive com as irmãs que fizeram o manto de Nossa Senhora da Penha daquele ano.
Aguentem firmes porque a nossa luta é uma luta solitária.
O livro que eu indico é da editora Vozes. Se chama “Jesus: Aproximação histórica”, do autor José Antonio Pagola. Já o gesto para hoje, é: “leve um copo de água para um catador”.
O Espírito Santo sediará pela primeira vez uma Festa Literária Internacional. Com mais de 60 convidados e 30 atividades programadas, a 1ª edição da Festa Literária Internacional Capixaba (Flinc) acontecerá entre os dias 10 e 12 de outubro, no Parque Cultural Casa do Governador, em Vila Velha. >
O evento será totalmente gratuito e promete ser um ponto de encontro singular para amantes da literatura e da cultura. Além do Padre Júlio Lancellotti, nomes como Pepetela, Suely Bispo e Geni Nuñez também farão parte da programação do evento.>
A Flinc nasce com o propósito de fortalecer a cena artística capixaba, atualmente em plena expansão. Idealizada e curada pela doutora em Literatura Isabella Baltazar, o festival tem o objetivo de criar um espaço de celebração, reflexão e diversidade.>
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