Publicado em 20 de junho de 2024 às 09:08
Desde a primeira edição chinesa em 2010, "O Meu Pé de Laranja Lima" já vendeu mais de 400 mil exemplares, ganhou prêmios e agora entrou para a lista de leitura de ensino médio e fundamental. Perguntei à tradutora Wei Ling o que explica a recepção na China de hoje desse livro infantojuvenil brasileiro de 1968. Ela sugere dois motivos.>
"Cada vez mais as pessoas, especialmente os pais, valorizam a educação dos filhos", diz. "Há um ditado chinês: os pais desejam que seus filhos se tornem dragões, ou seja, talentos ou pessoas eminentes. Mas como? Não sabem. Por isso, muitos recorrem a castigos, a mandá-los a cursos extras para que estudem mais fora das aulas. Por sua parte, os filhos sentem-se infelizes, alguns até faltam às aulas ou saem de casa.">
O livro, segundo ela, leva a questionar como educar os filhos, se devem crescer "à maneira que os adultos desejam".>
Na obra de José Mauro de Vasconcelos, Zezé é um menino que apronta e apanha muito, sobretudo do pai desempregado, a ponto de não conseguir ir à escola. Busca saída em fantasia, daí conversar sobre as surras com a laranjeira do quintal, que chama de Minguinho, e na amizade de Portuga, um senhor rico. Até que perde ambos, quando Portuga é atropelado, e a árvore, cortada.>
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O segundo motivo, segundo Wei, está na própria ligação do protagonista com Minguinho e principalmente Portuga, este ocupando metade do livro.>
"Como devemos tratar os sapecas?", diz ela. "O livro brasileiro desperta eco nos leitores chineses porque, no meu entender, sugere abordagens. As relações entre Zezé e Portuga mostram que os filhos precisam de entendimento e de ternura da família. A história veio esclarecer as dúvidas e a perplexidade dos pais leitores, enquanto faz leitores jovens ou adultos verem as suas próprias histórias e, então, ficarem emocionados.">
Wei insiste que são opiniões de "uma simples tradutora", não uma especialista. Mas cita uma das "principais ideias do grande educador da antiguidade chinesa", Confúcio: que o ensino existe, as distinções, não. "Sejam rebeldes ou obedientes, devem ter acesso igual à educação. Ninguém deve ser abandonado por ser sapeca, fazer artes, parecendo um pequeno diabo como Zezé.">
Uma outra pergunta, sobre como o livro acabou sendo publicado na China, em 2010, foi feita ao editor Wang Yongnian. Ele respondeu ter ouvido de um professor universitário em Pequim sobre a tese de mestrado de um aluno coreano, em torno de "O Meu Pé de Laranja Lima". Interessado, procurou agências literárias com as quais a Editora da Literatura do Povo trabalhava, mas nenhuma conhecia.>
As obras infantojuvenis então publicadas na China eram em sua maioria europeias ou americanas, sem acesso ao resto do mundo.>
"Muita gente só conhece futebol brasileiro, como essa obra poderia ser reconhecida pelos leitores chineses?", diz o editor, repetindo o que teria pensado então. Mas aí alguém recomendou "uma série coreana sobre uma jovem que é levada às lágrimas ao ler o livro. Ela se ajoelha e pede para o professor ensiná-la a escrever um livro assim. Depois se torna uma roteirista famosa".>
Não foi o único "dorama", como são chamados os dramas asiáticos de televisão e streaming, a citar "O Meu Pé de Laranja Lima", que havia sido traduzido para o coreano em 2003 e, como na China, acabou se tornando leitura escolar. Inspirou também mais de um "manhwa", o mangá coreano, e até música da cantora de k-pop IU, com o título "Zezé".>
Mas foi preciso "outra história real", mais próxima, pa ra convencer o editor. "Chen Yingrong, uma conhecida diretora nascida na década de 1980 em Taiwan, leu esse livro aos 19 anos e isso finalmente a fez escolher estudar direção depois de se formar no ensino médio", conta Wang. "Seu desejo é transformá-lo em filme. Essa história nos deu confiança e então, finalmente, decidimos publicar.">
O livro foi traduzido para 52 línguas. Na China, foi reimpresso mais de 30 vezes, ganhando uma nova edição, a quinta, no mês passado. Esta última, na plataforma Dangdang de comércio eletrônico, já somou mais de 30 mil mensagens de leitores com avaliação "excelente". No país, acumulou prêmios literários como Bing Xin e entrou em listas como Os 100 Livros que Influenciam Professores.>
"A razão pela qual ele ganha tantos prêmios é que o trabalho é clássico e tem um forte apelo artístico", diz o editor, ecoando a tradutora quanto ao seu impacto para além do público infantojuvenil. "Lendo o livro, muitos pais e professores percebem a importância de conhecer e respeitar as crianças. Portuga tornou-se um pai modelo no coração de muitos leitores.">
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