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João Bananeira: o mascarado que virou símbolo da resistência e da cultura em Cariacica

Nascido da luta e da fé dos escravizados, o personagem folclórico atravessou gerações e hoje é patrimônio imaterial

Sara Ohnesorge (estagiária)

Residente em Jornalismo / [email protected]

Publicado em 6 de dezembro de 2025 às 12:00

Conheça o personagem folclórico, nascido da luta e da fé dos escravizados, que hoje é patrimônio imaterial

Quem acompanha o famoso Carnaval de Congo de Máscaras de Roda D'Água, que acontece em Cariacica durante o Dia de Nossa Senhora da Penha, já conhece a figura folclórica que, quase onipresente, marca toda a celebração: o João Bananeira, ou Zé Bananeira.

Além de protagonista na festividade, a figura folclórica também é tema de canção da banda capixaba Gastação Infinita, que lançou a faixa "João Bananeira" em 2024. O grupo é natural de Cariacica e exalta as raízes e a cultura da cidade por meio de suas músicas.

Como o próprio nome diz, o personagem envolto em folhas secas de bananeira e com uma máscara colorida que cobre o rosto possui uma origem de transgressão às normas colonizadoras em um período de devoção às entidades divinas, mas também de exclusão.

De símbolo de resistência a figura principal em música e enredos de escolas de samba no ES, João Bananeira personifica uma trajetória de luta pelo que é mais simples: poder se divertir livremente.

A origem do disfarce que virou tradição

Carnaval de Congo de Máscaras de Roda D'água, em Cariacica
João Bananeira, ícone do Carnaval de Roda D'Água Crédito: Fernando Madeira

Desde os primórdios da Festa da Penha, os devotos carregavam a estátua da padroeira do Estado em procissão fervorosa e faziam festas para celebrar Nossa Senhora. Mas, no passado, não eram todos que poderiam se juntar à caminhada religiosa, tampouco às festividades.

Além da liberdade negada, os escravizados também eram proibidos de acompanhar os eventos populares; em outras palavras, não poderiam se divertir. O historiador Marcus Vinicius Santana explica que, para burlar o “veto”, eles se cobriam para não serem reconhecidos.

A origem do João Bananeira remete ao tempo em que o escravizado não tinha nem ao lazer, como folga, eles tinham apenas os domingos para irem à igreja. Para poderem participar dos festejos, faziam esse simulacro, essa estratégia

Outros relatos contam que o escravizado que, corajosamente, decidiu se rebelar, recebeu o apelido dos donos da fazenda, que nunca imaginavam que um preto escravizado seria audacioso para se fantasiar e quebrar as regras; para eles, era apenas algum devoto brincando e fazendo graça.

A força cultural do Carnaval de Congo

João Bananeira
João Bananeira Crédito: Fernando Madeira

Com o passar do tempo, João Bananeira se tornou um elemento de extrema representatividade cultural, especialmente para o município de Cariacica, com o Carnaval de Congo de Máscaras de Roda D’Água.

A festa surgiu diante da dificuldade de locomoção dos cariaciquenses até o Convento da Penha, em Vila Velha. A fim de homenagear a Santa, os moradores marchavam pelas ruas da cidade em procissões com muita música e tambores de congo. Unindo a fé cristã com as raízes negras e indígenas, o Carnaval do Congo se consolidou como uma importante celebração do folclore capixaba.

“Com o passar do tempo também se tornou uma referência de identidade do povo de Roda d'Água e também do Carnaval de Roda d'Água. Mas sendo essa manifestação uma das mais populares e potentes do Estado tornou-se também uma representatividade de Cariacica. Então tornou-se um elemento realmente central quando se fala da identidade da cidade.”, explica Marcus.

Carnaval de congo de Máscaras de Roda D'Água
Carnaval de congo de Máscaras de Roda D'Água Crédito: Cláudio Postay / PMC

Por trás das máscaras

Brincalhão, misterioso e dançante. É assim que muitos definem o divertido João Bananeira. E, por trás das folhas secas e da máscara colorida, estão pessoas reais que se orgulham de dar vida ao personagem. É o caso de Alfredo Godô, dançarino e passista da escola de samba Independente de Boa Vista que se veste de João Bananeira há 13 anos.

O primeiro contato de Godô com o personagem foi em 2013, quando recebeu o convite para trabalhar na Secretaria de Cultura de Cariacica e se deparou com o nome da Lei de Incentivo à Cultura da Cidade, que homenageia a figura folclórica. Curioso, ele foi atrás dos moradores de Roda d'Água para entender mais da origem do personagem. Assim, ele criou uma narrativa através do que ouviu, que ele compartilha com escolas e em conteúdos nas redes sociais. Assim, Godô ajuda a democratizar as informações a respeito do João Bananeira dentro e fora da cidade.

Apesar da animação em viver o personagem, Godô lembra que o começo não foi nada fácil.

“Levar o mascarado para dentro das escolas foi difícil. Muitas pessoas não aceitavam porque era um mascarado, mas eu sabia que eu ia encarar todas essas dificuldades. A minha mensagem mesmo era mostrar que ele faz parte da nossa história, não pertence a nenhuma religião, mas que era um personagem cultural da nossa cidade”, conta.

Agora, a presença do personagem ultrapassa o Carnaval de Congo: em empresas, aniversários, festas e até nas capas de cadernos da rede municipal de ensino, João Bananeira deixou de ser um mascarado desconhecido para ser um ícone do folclore e da cultura de Cariacica.

Alfredo Godô também é coordenador de manifestações populares de carnaval na Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Cariacica e organiza todo ano o grupo João Bananeira, que não pode faltar dentro do Carnaval de Congo de Máscaras. De 20 a 30 artistas se reúnem para animar e celebrar a festa, que atrai tanto moradores de cidades próximas quanto turistas.

Para o carnaval de 2026, a Boa Vista vai contar a história do personagem, com o enredo “João do Congo: A voz que dança nas folhas da resistência”.

As coisas foram se ampliando, mais pessoas se vestindo de João Bananeira e virou um ícone, virou um personagem da história da nossa cidade. Sinto muito orgulho de ter descoberto esse personagem, de poder ter dado vida a ele. Antigamente, só quem conhecia era quem era de Roda D’Água

"Agora milhares de pessoas conhecem o João Bananeira. Resistência, relíquia, resiliência, tudo isso tá aí, incluso aí nessa importância desse personagem. Vitória!", completou Godô.

Terra de João Bananeira: Cariacica valoriza a cultura e identidade

Em 3 de julho de 2020, a Prefeitura de Cariacica registrou o Carnaval de Congo de Máscaras e o próprio João Bananeira como patrimônios imateriais do município, por meio dos Decretos nº 117 e nº 118.

Isso significa que tanto a festa quanto o personagem têm suas características preservadas, não permitindo adaptações. A forma artesanal de confecção das máscaras e saias, feitas de folhas de bananeira e materiais reciclados, são únicas e exclusivas da figura folclórica.

Congo de Máscaras Roda D`água
Congo de Máscaras Roda D`água Crédito: Ricardo Medeiros

Além disso, em 2005, João Bananeira também se tornou nome da lei municipal de incentivo à cultura de Cariacica, que financia projetos culturais de artistas e grupos locais. Com tantas contribuições, nada mais justo que a famosa figura ter um dia só para ele, e a Lei nº 6.495 garantiu isso há 2 anos: agora, junto com o Dia do Folclore, em 22 de agosto, também é comemorado o Dia do João Bananeira.

* Este conteúdo é uma produção do 28º Curso de Residência em Jornalismo. A reportagem teve orientação e edição do editora Marcella Scaramella.

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