Publicado em 20 de abril de 2022 às 08:29
André Porciuncula, o então chefe da Lei Rouanet, incentivou o uso do mecanismo destinado ao fomento cultural para eventos e produtos audiovisuais pró-armas, em uma reunião realizada no final do mês passado, quando ainda estava no governo.>
Na mesma ocasião, uma reunião com representantes da organização Proarmas, Mario Frias, então secretário especial da Cultura, defendeu o direito do cidadão de se armar. Frias e Porciúncula se desligaram do governo poucos dias depois para concorrerem nas eleições de outubro.>
As falas foram resgatadas pela agência Pública nesta segunda (18), e podem ser vistas em uma live do evento disponível no YouTube. Procurada pela reportagem no fim da manhã desta terça (19), a Secretaria Especial de Cultura ainda não se manifestou.>
Na ocasião, Porciuncula, ex-policial militar que chefiou a Rouanet pelos últimos dois anos, anunciou que a secretaria estava lançando dois grandes eventos em que a "princesa é a arma de fogo". Tais eventos teriam a presença do presidente Jair Bolsonaro.>
>
"Pela primeira vez vamos colocar dinheiro da Rouanet em um evento de arma de fogo, vai ser superbacana isso", afirmou.>
Neste momento de sua fala, Porciuncula sugeriu que a população se arme contra o Estado, que chamou de criminoso, dando como exemplo do que seriam um crime as restrições adotadas por governadores durante a pandemia.>
Porciúncula então cita dois eventos alusivos ao bicentenário da independência do Brasil, a ser comemorado no próximo Sete de Setembro. As celebrações da data são uma das principais bandeiras da Secretaria Especial da Cultura e também da Fundação Biblioteca Nacional. Um evento seria na Bahia e o outro, em São Paulo.>
Segundo Porciuncula, a ideia é evidenciar a importância das armas no processo da Independência. "Então, trazer um evento em que a arma de fogo seja a nossa miss na passarela, que a gente mostre para a população um outro olhar sobre a arma de fogo.">
Não fica claro, contudo, se estes são os eventos que fariam uso da Rouanet e que teriam a presença de Bolsonaro, conforme ele menciona anteriormente em sua fala.>
O então chefe da Rouanet também anunciou que uma verba de R$ 1,2 bilhão disponibilizada pela secretaria poderia ser usada para produtos audiovisuais como documentários, filmes, webséries e podcasts que versem sobre a importância do armamento para a civilização e "para garantir a liberdade humana".>
A reportagem não conseguiu confirmar este valor. Para efeito de comparação, a Rouanet captou ao todo, no ano passado, R$ 1,9 bilhão.>
Por fim, Porciuncula se pôs e pôs também a Secretaria Especial da Cultura à disposição para esclarecer dúvidas sobre como usar o mecanismo de incentivo fiscal para este fim. Disse ainda que, uma vez que saísse do governo, deixaria uma equipe treinada na pasta para responder aos questionamentos.>
No mesmo evento, Frias defendeu a cultura como parte do imaginário da população e a importância da criação de obras audiovisuais. "O ser humano não pensa em palavras, a semântica é basicamente imagens. Se a gente acredita em armas, a gente precisa criar os heróis", disse.>
Ele acrescentou que as narrativas, principalmente para a população mais jovem, não são feitas com estatísticas ou números, mas sim com a cultura, depois de fazer uma ligação entre o filme "Tropa de Elite" e a eleição de Bolsonaro, dizendo que a população brasileira elegeu um capitão.>
Frias afirmou ainda que "a Rouanet era um caso de polícia" e que por este motivo foi conveniente ter um ex-PM ao seu lado, durante seu mandato no governo. Porciuncula é ex-capitão da Polícia Militar da Bahia.>
O então secretário da Cultura contou que perdeu um pai assassinado, no final dos anos 1980, e disse que quem defende bandido não sentiu a dor de perder alguém "para a bandidagem".>
Poucas semanas antes do evento da Proarmas, Frias visitou clubes de tiro no interior de São Paulo com dinheiro público, mas omitiu as visitas de sua agenda oficial.>
Tanto ele quanto Porciuncula defendem a pauta armamentista em suas redes sociais. Frias inclusive usa o logo da Proarmas numa imagem de divulgação de sua candidatura a deputado federal por São Paulo.>
Em tom de piada, Porciuncula também afirmou que toda matéria do jornal Folha de S.Paulo usa uma foto dele, de Frias e de Eduardo Bolsonaro armados, que foi postada no Twitter por eles. Segundo o ex-PM, a ideia é vincular a imagem, que ilustra esta reportagem, à criminalidade.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta