De Roberto Carlos a Carlos Papel, capixabas lamentam a morte e exaltam a voz de Gal Costa

Responsável por músicas icônicas, como "Baby", "Vaca Profana", "Chuva de Prata", "Aquarela do Brasil", "Festa do Interior" e "Pérola Negra", artista baiana morreu nesta quarta-feira (9), aos 77 anos

A cantora Gal Costa

Gal Costa, uma das vozes mais marcantes da música brasileira, nos deixou nesta quarta-feira (9). Crédito: Lucas Seixas/Folhapress

"Baby", "Vaca Profana", "Chuva de Prata", "Aquarela do Brasil", "Festa do Interior", "Pérola Negra"... É difícil ressaltar qual faixa soa "mais feroz" na potente voz de Gal Costaícone da MPB que nos deixou precocemente nesta quarta-feira (9), aos 77 anos.

Artistas capixabas e pesquisadores da música no Espírito Santo lamentaram a perda imensurável para a cultura brasileira. Amigo de longa data da intérprete, Roberto Carlos afirmou ter ficado arrasado com a notícia. "Sinto demais. Uma tristeza muito grande. Gal maravilhosa sempre!", escreveu o cachoeirense nas redes sociais.

Muito religioso, o Rei tentou amenizar a dor de amigos, família e fãs com uma mensagem de fé cristã: "Nosso Deus de bondade a proteja e a abençoe. Amém", profetizou no mesmo post.

O cantor Silva, que trabalhou com Gal Costa e escreveu para ela a canção "Palavras no Corpo", também se manifestou pelas redes sociais. "Gal é como uma coluna em minha vida. Se pudesse escolher uma voz como a maior, ou uma voz para ser minha, seria a de Gal. Sou tocado na alma de um jeito muito específico toda vez que a escuto cantar, e canto muitas vezes pensando nela", confessou.

"É alegre e triste, doce e salgado, vermelho e amarelo, tudo ao mesmo tempo. Gal, que honra ter vivido em seus dias, e gravado com você, e dividido palco com você. Seguirei te amando por toda vida", completou.

Jornalista, escritor e pesquisador musical, José Roberto Santos Neves ressaltou a "HZ" o talento de Gal Costa. "O Brasil chora pela morte repentina da cantora, que, durante décadas, encantou o país com sua voz única. Gal Costa fez a trilha sonora da vida de milhões de brasileiros e de várias gerações", afirmou.

"Ela se consagrou como uma de nossas primeiras cantoras modernas, que percorreu diferentes territórios musicais com sua voz límpida, cristalina e afinadíssima. Gal foi gigante na canção romântica, na bossa, no samba, no samba-canção, no blues, no frevo, no rock, na Tropicália, nos Doces Bárbaros e em todos os ritmos e canções que interpretou com sua voz iluminada. Foi, também, a voz da democracia em tempos de escuridão. Seu canto será eterno", descreve.

MAGNETISMO

Também amante do trabalho de Gal Gosta, Carlos Papel abriu a última apresentação da artista baiana no Estado, realizado em agosto de 2015, no Centro Cultural Sesc Glória, em Vitória.

"Se pensarmos em essência do que é cantar, ideia do que é voz, performance de palco e olhar magnético, vamos achar tudo isso e mais em Gal Costa", enaltece o cantor e compositor.

"Ela tinha uma voz absolutamente afinada. Para quem conhece a técnica, soa como um cristal, com timbre impecável. Abri o show dela aqui no Glória, com Cecitônio Coelho e participação de especial de minha filha, Julia Nali. Depois, fiquei para ver o show, como sempre maravilhoso. Uma lição de vida e obra inesquecível. Gal é para sempre!", exalta.

Curiosamente, a musa da MPB sempre "rondou" a carreira de Papel. Logo que chegou ao Espírito Santo, no início dos anos 1980, Carlos atuou como produtor de um dos shows mais efervescentes da multi-instrumentista em solo capixaba.

"Festa do Interior", como noticiava o jornal A Gazeta, em janeiro de 1982, levou cerca de sete mil pessoas ao Ginásio Dom Bosco, palco preferido na época para os principais espetáculos que aportava no ES. "Fiz esse show para festejar a minha alegria", destacou Gal ao periódico na oportunidade. 

Gal Costa em apresentação no Ginásio Dom Bosco, em 1982

Gal Costa em apresentação no Ginásio Dom Bosco, em 1982. Crédito: Josemar Gonçalves

"Participei da produção daquele show. Me lembro que, em momentos de folga dos bastidores, pude ir para frente do palco. Achei que ela olhava para mim no meio da plateia. Fiquei intrigado com aquele olhar e perguntei para outras pessoas que tiveram a mesma impressão. Enfim, um olhar de Monalisa. Depois, experimentei o mesmo procedimento nos meus shows e sempre deu certo. Aprendi com ela". 

TALENTO E RECORDES

Eleita a sétima maior voz da música brasileira pela revista "Rolling Stone Brasil" em 2012, Gal Costa coleciona recordes. São 31 álbuns de estúdio, nove discos ao vivo e sete álbuns de vídeo, além de inúmeras participações em outros projetos.

Dois trabalhos especialmente marcaram a memória dos fãs: "Gal Tropical" (1979) e "Aquarela do Brasil" (1980), ambos com mais de um milhão de cópias vendidas, números impensáveis para uma indústria fonográfica que hoje aposta no streaming. 

O pesquisador musical Tarcísio Faustini, que, entre outras ações voltadas à cultura, apresenta o programa "Domingo Brasil" na  Rádio Universitária FM, confessa conhecer o fascínio que Gal Costa exercia em seus fãs desde jovem.

"Comecei a me interessar pelo trabalho dela devido à Maria Bethânia, que em seu primeiro LP (na década de 1960), gravou "Sol Negro", do mano Caetano Veloso, em dueto com uma certa Maria da Graça, que depois assumiria o nome artístico de Gal Costa", relembra o pesquisador, sem esconder a emoção.

"Então, veio o disco duplo de Gal e Caetano, "Domingo", no qual dos dois cantam "Coração Vagabundo", também de Caetano. Gal e Caetano ainda estavam sob forte influência de João Gilberto. Mas, logo em seguida, veio o disco tropicalista de Gal, em que ela se mostrava menos 'bossanovista' e quase roqueira, gravando pela primeira vez outra canção marcante do Caetano, do qual ela se tornou grande intérprete: "Baby", aponta Faustini, que afirma ter mais de 25 LPs e cerca de 30 CDs da artista, incluindo a relíquia "Gal", de 1969, um dos trabalhos mais emblemáticos da baiana.

Faustini destaca a versatilidade de Costa como um fator-chave para sua "imortalidade musical". "Era uma cantora que não se prendeu a rótulos, corajosa mesmo, sempre inovando e mantendo uma qualidade impressionante de voz e de repertório. Quando Caetano e Gil estiveram exilados em Londres, ela se tornou uma espécie de representante da arte deles, lançando, inclusive, a bela canção de exílio composta por Caetano, "London, London".  

O pesquisador musical Tarcísio Faustini mostra sua preciosidade: o LP Gal (1969)

O pesquisador musical Tarcísio Faustini mostra sua preciosidade: o LP Gal (1969). Crédito: Tarcísio Faustini

Nostálgico, Tarcísio Faustini relembra os shows inesquecíveis assistidos. "'Gal Canta Caymmi', no nosso Teatro Carlos Gomes, em 1976, quando o velho baiano se mostrou impressionado com a afinação do público capixaba, cantando todo o seu repertório. Também assisti a 'Doces Bárbaros', que ficou meses fazendo sucesso no Canecão, no Rio de Janeiro. Nesse tempo, viajava muito a trabalho e aproveitei para ver o show meia dúzia de vezes. Tem também "Gal Tropical", quando ela passou a se vestir mais elegantemente e a lançar músicas carnavalescas", complementa, sem recordar o ano das duas últimas apresentações vistas.

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