Repórter / [email protected]
Publicado em 13 de agosto de 2024 às 08:00
O cinema, considerado a sétima arte, chegou a Vitória no início do século XX, quando a cidade ainda era marcada por sua estrutura colonial e pelo ritmo lento de uma capital em desenvolvimento. A partir dos primeiros anos do século passado, os cinemas começaram a aparecer na cidade, transformando a vida cultural e social dos capixabas. >
Para entender melhor essa trajetória, entrevistamos o professor de arquivologia André Malverdes, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que há anos se dedica ao estudo da memória dos cinemas no estado.>
O primeiro registro de uma exibição cinematográfica no Espírito Santo remonta a 1901, apenas cinco anos após os irmãos Lumière apresentarem o cinema ao mundo na França. "O local escolhido para essa exibição pioneira foi o Teatro Melpômene, uma grande construção de madeira localizada onde hoje se encontra a Praça Costa Pereira," explica Malverdes. >
Na época, as projeções eram curtas, com filmes de apenas dois a três minutos, e acabaram por ganhar espaço nos teatros, uma vez que era mais barato exibir filmes do que trazer companhias teatrais ao estado. >
>
O Melpômene, contudo, teve um fim trágico. Em 8 de outubro de 1924, um princípio de incêndio na cabine de projeção provocou pânico entre o público, resultando na morte de duas pessoas. "Esse incidente marcou profundamente a história cultural da cidade e levou ao fechamento do Melpômene, que já era um ícone na vida cultural de Vitória", conta o professor.>
Em 1907, a Praça Costa Pereira viu a inauguração do Cine Éden, um cinematógrafo que representou um marco para a cidade. "O Cine Éden é considerado o primeiro cinema de Vitória no formato que conhecemos hoje. Com 150 lugares, era o ponto de encontro da elite local”, destaca Malverdes. >
Entretanto, o Éden foi demolido nos anos 30 para dar lugar ao Cine Teatro Glória, inaugurado em 1932 com o filme Tenente Sedutor. "O Glória trouxe uma nova dimensão para a experiência cinematográfica na cidade, com uma estrutura moderna e capacidade maior," afirma.>
Outro espaço que se destacou foi o Teatro Carlos Gomes, inaugurado em 1927 e projetado por André Carloni. "Embora fosse um teatro, o Carlos Gomes também exibia filmes e foi inaugurado justamente com uma sessão cinematográfica, o filme O Que Farias com um Milhão?", lembra o pesquisador. >
Os anos 1950 marcaram o auge do cinema em Vitória. "Naquela época, o Centro da cidade chegou a ter 13 salas de cinema. Os filmes estreavam ali antes de serem exibidos nos cinemas de bairro e, posteriormente, no interior do estado", relata Malverdes. >
Um dos cinemas mais famosos da época foi o Cine São Luiz, também no Centro de Vitória, inaugurado em 1951, com capacidade de 586 pessoas. O filme de estreia foi Aviso Aos Navegantes, com presença do elenco, estrelas do cinema brasileiro, como Anselmo Duarte, Adelaide Chioso, Ilka Soares Eliana e Luiz Severiano Ribeiro. Alguns anos depois, com o surgimento da Rainha dos Baixinhos, o São Luiz virou point das famílias para assistir aos filmes infantis estrelados pela Xuxa e Os Trapalhões.>
No entanto, a partir da década de 1980, o cinema em Vitória começou a enfrentar uma fase de decadência. O esvaziamento do Centro, com a transferência dos eixos político e econômico para outros bairros, deixou o local marginalizado, associado à violência e à prostituição.>
A inauguração do Shopping Vitória em 1992 marcou o início de uma nova fase para o cinema na capital capixaba. Com três salas de exibição e um conceito inovador, os cinemas em shoppings se tornaram o novo espaço de sociabilidade e consumo da modernidade. >
"Foi um marco importante, pois trouxe não só novas tecnologias, como também um público renovado," comenta Malverdes. Além disso, o mesmo ano viu o renascimento do Cineclube Universitário, na Ufes, com o nome de Metrópolis Cineclube, dedicado à cinematografia alternativa. >
Hoje, Vitória conta com uma diversificada oferta de cinemas, que vão desde grandes redes nacionais e internacionais, com salas em shoppings exibindo os últimos "blockbusters", até cinemas alternativos, como o Cine Metrópolis, o Cine Glória, e o Cine Jardins. "Esses espaços oferecem uma programação diferenciada, mantendo viva a tradição cineclubista e promovendo a diversidade cultural," aponta Malverdes. >
Apesar de todas as transformações, o cinema continua a exercer um fascínio particular. "O escurinho do cinema ainda é muito atrativo. A coletividade de assistir um filme na telona, em uma sala cheia, é uma experiência que dificilmente será substituída”, reflete o professor. >
Com a retomada do cinema nacional e o avanço das tecnologias de exibição, o futuro do cinema em Vitória parece promissor, mesmo em meio aos desafios impostos pelas mudanças tecnológicas e sociais. >
"A história do cinema em Vitória é um reflexo das transformações da cidade e do próprio país. É uma história de ascensão, crise, e renovação. E, assim como o cinema, ela continua a se transformar", conclui André Malverdes.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta