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A trajetória da capixaba Lorena Pires: raízes quilombolas e o sonho da música em Paris

Filha de uma costureira e um motorista de ônibus, Lorena se tornará a primeira brasileira a integrar a Academia da Ópera de Paris

Felipe Khoury

Repórter / [email protected]

Publicado em 8 de março de 2025 às 13:00

A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar  a Academia da Ópera de Paris
A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar a Academia da Ópera de Paris Crédito: Vinícius Jardim

Mulher, negra, de origem quilombola e cantora lírica. Essa é Lorena Pires, a capixaba que recebeu na última semana uma notícia muito especial: ela acaba de ser aprovada para integrar a Academia da Ópera de Paris, um dos programas mais importantes do ramo na França. Um feito para ser ainda mais comemorado em uma data tão repleta de significados: o Dia da Mulher.

Natural de Vitória, mas residente do bairro André Carloni, na Serra, Lorena, de 25 anos, é a primeira mulher brasileira a se tornar cantora residente desta instituição musical francesa. Um sonho que vem desde a infância - quando ainda brincava de dançar com a melhor amiga.

“A música sempre esteve presente em minha vida. Quando criança, eu era muito fã do grupo Rouge e junto com Gabi, minha melhor amiga de infância, colocava o CD deles pra tocar e fingíamos que éramos as integrantes, cantando pra nossa plateia invisível dentro do meu quarto”

LORENA PIRES

HISTÓRIA

Lorena Pires carrega em sua história as marcas da ancestralidade e da superação. Filha de um motorista de ônibus e de uma costureira, suas origens remontam aos quilombos do extremo sul da Bahia. Seu pai nasceu na Vila Juazeiro, enquanto sua avó veio do quilombo de Helvécia. Criados na roça, seus pais decidiram buscar uma vida melhor na cidade grande e, na década de 1980, mudaram-se para Vitória.

A jornada de Lorena no mundo artístico encontrou desafios desde o início. O pai, que já enfrentou a fome, temia a instabilidade de uma carreira na música. Ele, que desconhecia esse universo, passou a enxergar o talento da filha conforme via seu espaço sendo conquistado. Já a mãe, de espírito mais sonhador, sempre a apoiou em tudo – e mais do que isso, costura os vestidos que Lorena usa nas apresentações, deixando sua arte ainda mais conectada às raízes familiares.

A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar  a Academia da Ópera de Paris
A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar a Academia da Ópera de Paris Crédito: Vinícius Jardim

A DESCOBERTA DE UM TALENTO

A paixão de Lorena Pires pelo canto lírico começou em 2016, quando teve a oportunidade de fazer aulas de canto em Vitória, na escola Gabriel Camargo. Foi durante essas aulas que Lorena conheceu duas professoras de canto lírico, que a introduziram a esse universo e a incentivaram a seguir na área.

Em 2018, uma delas a levou para assistir a um concerto – experiência que marcou um divisor de águas em sua trajetória. O encanto com os figurinos, a grandiosidade do espetáculo e a emoção da ópera despertaram nela a certeza de que queria seguir esse caminho.

A cantora lírica capixaba Lorena Pires vai estudar em Paris
A cantora lírica capixaba Lorena Pires vai estudar em Paris Crédito: Reprodução/Instagram/@lorenapires.s

Determinada, ingressou na faculdade de Música em 2020, dando um passo definitivo em sua formação como cantora lírica. A então jovem aspirante ao canto lírico passou a fazer parte do curso de Canto Erudito da Faculdade de Música do Espírito Santo. Na época, Lorena estudou na classe do professor e renomado cantor Licio Bruno. Com ele, realizou seus estudos superiores de canto, descobrindo e desenvolvendo a sua voz de soprano.

Licio Bruno considera a voz de Lorena como de rara qualidade:

Lorena é, de fato, dona de um instrumento vocal bastante raro entre nós. Uma voz que está amadurecendo e ganhando espaço no mercado artístico do canto lírico, justamente pela qualidade e desenvolvimento adquiridos ao longo desses 5 anos de trabalho ininterrupto”

O LUGAR DA MULHER NA MÚSICA

Para Lorena Pires, ser mulher já carrega desafios, mas ser uma mulher negra na música adiciona mais uma camada de obstáculos a serem superados. A cantora lírica destaca a importância de reconhecer as diferenças e barreiras que existem entre mulheres brancas e negras, enfatizando a necessidade de abrir caminhos para que mais talentos negros ocupem seus espaços.

"Eu nunca fiz as coisas almejando estar nessa posição. Mas a minha coragem é maior do que o meu medo", afirma Lorena. Segundo ela, os espaços pertencem a todas as pessoas por direito, mas ainda é necessário lutar para que as oportunidades sejam acessíveis de forma igualitária.

A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar  a Academia da Ópera de Paris
A capixaba Lorena Pires, de 25 anos, vai integrar a Academia da Ópera de Paris Crédito: Vinícius Jardim

"A vontade e o talento existem, mas o que falta são as oportunidades", pontua a cantora, reforçando a importância de políticas e iniciativas que garantam maior representatividade negra na música clássica e no canto lírico.

MAIS UMA VEZ EM PARIS

“Testemunhar seu recente ingresso no mercado Sul Americano, bem como a sua aprovação para estes dois programas consecutivos da Ópera de Paris não deixa de ser, além de motivo de alegria, a comprovação efetiva de que o trabalho vocal e artístico desenvolvido por mim e por Lorena foi realizado no caminho certo”, afirma Licio Bruno.

Afinal, esta não será a primeira vez de Lorena na capital francesa. No ano passado, a cantora foi selecionada para um programa de estágio também na Ópera de Paris, intermediado pela Fábrica de Óperas da UNESP, celebrando o Ano França-Brasil. 

Dentre mais de 20 candidatos, a jovem foi uma das duas cantoras selecionadas para participar desse intercâmbio dividido em duas partes: a primeira delas, ocorrida em dezembro, que consistiu na participação das atividades da Academia. A segunda será agora em abril, quando Lorena embarca para preparar-se para o concerto “Melodias francesas e melodias brasileiras”, que acontece no dia 9 de abril deste ano no Amphithéâtre Olivier Messiaen, na Opéra Bastille.

Já em relação ao programa de estudos, a capixaba se prepara para retornar - mais uma vez - a Paris em setembro, onde ficará por cerca de dois anos. Os artistas, contratados da casa, recebem treinamento intensivo com importantes profissionais do meio artístico, além de integrarem os elencos dos espetáculos operísticos e concertos realizados e promovidos pela Ópera de Paris em suas futuras temporadas.

NO BRASIL

Desde o final de 2023, Lorena vem conquistando rapidamente espaço na cena lírica brasileira, quando conquistou dois grandes concursos nacionais. Em 2024, cantou a “Petite Messe Solenelle”, de Rossini, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e as “Bachianas Brasileiras n.5”, de Heitor Villa-Lobos em Montevidéu e Punta del Este, Uruguai.

No mesmo ano, estreou como solista no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (no papel de Lauretta, da ópera Gianni Schicchi, de Puccini) e no Theatro Municipal de São Paulo (como Anna, na ópera Nabucco, de Verdi).

No segundo semestre deste ano, Lorena retornará ao municipal paulistano como convidada para o elenco da ópera “Porgy and Bess”, do compositor americano George Gershwin. No espetáculo, Lorena interpretará a personagem Clara, cantando a célebre canção “Summertime”, melodia eternizada nas vozes de artistas como Nina Simone, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e Leontyne Price.

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