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MPES quer que ex-tabeliã de cartório de Fundão devolva R$ 80 mil

MPES quer que ex-tabeliã de cartório de Fundão devolva R$ 80 mil

Na ação, o Ministério Público Estadual aponta que em 2017, quando era responsável pelo cartório da Sede do município, ela, que era interina e não concursada, recebeu acima do teto

Publicado em 14 de setembro de 2020 às 17:27

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Cartórios extrajudiciais arrecadam com as taxas pagas pelos serviços
Cartórios extrajudiciais arrecadam com as taxas pagas pelos serviços. (Divulgação)

Ministério Público Estadual (MPES) apresentou uma ação de improbidade administrativa contra a ex-tabeliã do Cartório de Registro Civil e Tabelionato da Sede de Fundão, Zulmira Martins Miranda, alegando que ela teria recebido indevidamente acima do teto do funcionalismo público – que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – e, portanto, se apropriado de cerca de R$ 80 mil das contribuições que deveriam ter sido repassadas ao Fundo Especial do Poder Judiciário do Espírito Santo (Funepjes). 

As irregularidades foram constatadas em julho, agosto e setembro de 2017, quando ela era responsável pelo cartório como interina, ou seja, sem ter sido aprovada em concurso. Ela chegou a ser notificada administrativamente pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) para regularizar a situação, mas se recusou a repassar os valores, conforme narra o promotor Egino Gomes Rios da Silva, que assina a ação.

Para o MP , o ato de improbidade administrativa ficou caracterizado, pois houve prejuízo aos cofres públicos e dolo, ou seja, a intenção de receber a vantagem indevida. O MPES alega que também foram violados os princípios da legalidade e da moralidade na administração pública, o que também configura improbidade.

O tabelião ou oficial de registro nos cartórios não é um servidor público, mas um delegatário de serviço público que recebe emolumentos (pagamentos) correspondentes aos serviços prestados. Desde a Constituição de 1988, o cargo é exercido em caráter privado, sob delegação do poder público por meio de um concurso público específico, é vitalício e dá direito a todo lucro que a unidade gerar, descontado percentual repassado ao Tribunal de Justiça e o Imposto de Renda.

Quando um cartório fica sem titular, o TJES nomeia um substituto até que a vaga seja suprida por concurso. Nesse caso, a remuneração do interino tem como limite o teto do funcionalismo público (que hoje é de R$ 39,2 mil). O que exceder, descontados o salário, o pagamento de taxas ao TJES e as despesas correntes, deve ser recolhido para conta judicial.

Na ação, o promotor de Justiça relata que Zulmira Miranda defendia que seu enquadramento era de "delegatária titular sub judice" – ou seja, que sua titularidade se encontrava sob o crivo judicial –, e não de "tabeliã interina".

VALORES ACIMA DO TETO

A ex-tabeliã não ingressou por meio de concurso público específico para ser responsável pela serventia extrajudicial. Assim, respondia como interina pelo Cartório de Fundão, que foi considerado vago em 1995. Por conta disso, sua remuneração no cartório deveria se submeter ao teto do funcionalismo público, que era de R$ 30.471,11, na época, e todos os valores que extrapolassem, como superavit, deveriam ser recolhidos ao Fundo do Poder Judiciário.

Em 2017, a ex-tabeliã teve um superavit de R$ 42,1 mil em julho, R$ 34,3 mil em agosto, e R$ 3 mil em setembro, valores que não foram repassados ao Fundo. Para o MPES, houve a incorporação dessas verbas do acervo patrimonial do Estado do Espírito Santo ao patrimônio particular da então servidora.

Conforme o sistema "Justiça Aberta", do CNJ, o cartório em questão arrecadou, ao todo, em 2017, R$ 1.027.672,99. Em 2019, o valor foi de R$ 1.191.009,00. Os valores são fornecidos pelos próprios cartórios ao Conselho. Essa arrecadação não corresponde à remuneração do responsável pela serventia. É com o valor arrecadado que ele deve, por exemplo, pagar funcionários e arcar com outros custos para o funcionamento do cartório.

Consta que esse cartório de Fundão foi declarado vago em 26/09/2017 e hoje é "privatizado", tendo um novo responsável.

DISCUSSÕES NA JUSTIÇA

O MPES citou que o CNJ julgou Procedimentos de Controle Administrativo, que discutiram se interinos de cartórios do Espírito Santo que não tivessem sido aprovados em concurso público específico poderiam se tornar titulares, conforme uma legislação estadual que já estava revogada. O Conselho considerou que haveria inconstitucionalidade na medida, já que a Constituição de 1988 determina que os cartórios são considerados serviços públicos delegados a cidadãos brasileiros selecionados, escolhidos por concurso público.

Zulmira Miranda chegou a entrar com mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a validade dos Procedimentos do CNJ, mas foi derrotada, com decisão que transitou em julgado – portanto, definitiva –, em fevereiro de 2017. Com isso, o MPES aponta que ela não poderia deixar de repassar o superavit do cartório para o Fundo do Judiciário. Este também já foi o entendimento do Conselho Superior da Magistratura do TJES, segundo o órgão.

O MPES pediu a indisponibilidade de bens da ex-tabeliã, e também a condenação por improbidade, tendo como consequência o ressarcimento integral do dano causado, no valor de R$ 80 mil, a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público.

COMO FUNCIONAM AS TAXAS DE CARTÓRIO

Entre os valores arrecadados nos cartórios com os documentos emitidos, parte da cifra tem destino certo. De acordo com o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado do Espírito Santo (Sinoreg-ES), o governo federal fica com 27,5% do valor de cada serviço, como Imposto de Renda. O Imposto Sobre Serviço (ISS) varia de cidade para cidade e fica com cerca de 5% da arrecadação.

A Fundação de Apoio ao Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Espírito Santo (Farpen) arrecada cerca de 2% dos valores. A Defensoria Pública fica com 5%, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) outros 5%, o Ministério Público mais 5% e o Poder Judiciário com 10% dos valores cobrados.

O restante fica com os cartórios para cobrir custos com infraestrutura e pessoal, além de remunerar a atividade, possibilitar remunerar o titular do cartório e o reinvestimento na prestação dos serviços e instalações.

O OUTRO LADO

O advogado Vladimir Soares, que representa Zulmira Miranda, rebate o argumento do MPES de que ela teve a intenção de arrecadar vantagens indevidas ao não fazer o repasse de recursos ao Fundo, porque antes de 2017 a ex-tabeliã já havia ajuizado a ação tratando das circunstâncias da delegação dela.

"Entre essas situações, ela questionou sobre se ela deveria ou não se submeter ao teto, e a partir de quando. Essa circunstância afasta a característica de improbidade. Ninguém que é considerado ímprobo se antecipa judicialmente à existência de um direito. Não existe má-fé. Entendemos que é uma precipitação por parte do Ministério Público", afirmou.

Segundo ele, houve a disponibilização desse cartório para concurso, e ela foi afastada pelo Estado, em 2017.

"Zulmira foi comprimida pela força do Estado. Mas continua em discussão essa base jurídica do caso concreto. Quem é acusado também é sujeito de direitos", destacou.

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