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Inspirado no fascismo, integralismo já teve mais de 20 mil membros no ES

Inspirado no fascismo, integralismo já teve mais de 20 mil membros no ES

Recriado no século XXI e com adeptos no Espírito Santo, o movimento integralista, iniciado em 1932 por Plinío Salgado, já foi uma grande força política no Estado. Eles se desintegraram com a instauração da ditadura do Estado Novo, que o colocou na clandestinidade

Publicado em 7 de março de 2020 às 17:55

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Fotografia encontrada em meio aos arquivos de integralistas no DOPS capixaba. (Arquivo Público do Espírito Santo)

Em 1936, quando o Espírito Santo tinha uma população de cerca de 700 mil pessoas, ao menos 23.518 capixabas eram membros da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento coordenado por Plínio Salgado com forte influência dos partidos fascistas italiano e alemão. É o que revelam documentos da Delegacia da Ordem Política e Social (DOPS) capixaba.

Os camisas-verdes, como ficaram conhecidos, tinham como lema “Deus, pátria e família”. Coincidentemente, o mesmo lema do Aliança pelo Brasil, partido que está sendo criado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A Frente Integralista Brasileira (FIB), nome adotado atualmente por defensores da ideologia, tem adeptos no Espírito Santo em 2020. Nacionalmente, o grupo de extrema-direita está se rearticulando e quer eleger vereadores pelo país nas eleições deste ano.

O movimento projeta retomar a influência política que já teve em terras capixabas. Criada em 1932, a Ação Integralista existiu oficialmente até 1937, quando se instaurou a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. No Estado, ela chegou a eleger 26 vereadores nas eleições de 1935 e 1936, além de dois prefeitos, em Santa Teresa e Castelo.

Integralistas se reúnem com integrantes de grupos que defendiam o nazismo alemão e o fascismo italiano no Espírito Santo. Ao fundo, quadros de Benito Mussolini e Adolf Hitler. (Arquivo Público do Espírito Santo)

FORÇA POLÍTICA NO ESPÍRITO SANTO

Professor de História da Ufes, Pedro Ernesto Fagundes conta que os integralistas tiveram grande força na política estadual. Mais tarde, em 1955, depois de o movimento entrar na ilegalidade e voltar como Partido de Representação Popular (PRP), Plínio Salgado se candidatou a presidente e teve 8% dos votos no país. O Espírito Santo foi o segundo Estado com mais votos para o integralista. 

Quase 10%
Esse era o percentual de eleitores integralistas entre os votantes das eleições municipais de 1935. Dos 63.699 aptos a votar, 6.508 eram membros do movimento.

“O movimento integralista surge em um cenário de ruptura da República Velha, quando a política era liderada por coronéis. Ele agrega simpatizantes do nazismo alemão e do fascismo italiano, imigrantes italianos e pessoas que queriam participar da vida política e não tinham espaço”, relata.

A influência dos integralistas era tão grande por aqui que não à toa a Capital do Estado foi escolhida para sediar o primeiro Congresso Integralista do Brasil, que reuniu em 1934 lideranças do movimento do país inteiro no Teatro Carlos Gomes, em Vitória. Participaram do evento Plínio Salgado e Miguel Reale, pai do advogado Miguel Reale Junior, um dos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Os mais de 23 mil membros do movimento, quando comparados com números atuais de filiados a partidos no Espírito Santo, formariam o 4º maior partido do Estado, atrás de MDB (37.871 filiados), PDT (28.687) e PSDB (26.218). O número é maior, ainda, que o de filiados do PT atualmente, que conta com 23.423 membros, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso sem levar em conta que, de lá para cá, a população aumentou e já ultrapassa os 4 milhões de habitantes. Proporcionalmente, haveria mais integralistas.

Em 1936, o movimento integralista chegou a reunir mais de 23 mil membros. (Reprodução/Revista Vida Capichaba)

FECHAMENTO DO CONGRESSO E FIM DO JUDICIÁRIO

Pedro Ernesto explica que o principal ideal do grupo era o Estado Integral, ou seja, a concentração do poder nas mãos de um líder. “Eles defendiam o fechamento do Congresso Nacional, a extinção de partidos e faziam críticas severas ao poder Judiciário. Tanto que apoiaram Vargas quando ele deu início ao Estado Novo. Contudo, acabaram perseguidos depois pela polícia política do presidente”, lembra.

Nas pautas de costumes, os integralistas defendiam a “família tradicional”, seguindo os valores cristãos católicos e rejeitavam outras religiões. Eles também chegaram a criar 29 escolas integralistas pelo Estado, onde as crianças eram doutrinadas a seguir a ideologia.

“Gustavo Barroso, que foi um teórico integralista importante, publicou alguns livros antissemitas. Ele acreditava que a Crise de 1929 foi motivada pelos judeus e que eles controlavam o mercado financeiro da época. Essa era uma ideia muito difundida neste período”, destaca.

Objetos apreendidos pelo DOPS capixaba. Movimento foi declarado ilegal a partir de 1937. (Arquivo Público do Espírito Santo)

INTEGRALISTAS E COMUNISTAS TRAVARAM CONFLITOS ARMADOS NO ES

Assim como as eleições de 2018, a década de 1930 também ficou marcada pela polarização. Os principais adversários dos integralistas foram os comunistas, principalmente os membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes.

Bem mais contida no Espírito Santo, já que o Partido Comunista era proibido no Brasil e havia repressão da polícia, a ANL tinha sua base em sindicatos, com maior influência em Vitória e Cachoeiro de Itapemirim.

“Havia um ódio mortal entre eles, ao ponto que não podiam se ver na rua que chegavam às vias de fato, trocando agressões e apontado armas uns aos outros”, afirma o professor.

Estação de trem de Cachoeiro de Itapemirim, no centro da cidade. Foto de 1950. (Autor desconhecido/Ferrovias do Brasil)

O conflito mais marcante aconteceu em novembro de 1935, na Estação Ferroviária de Cachoeiro de Itapemirim. Três pessoas acabaram mortas. A tensão se deu por conta de dois congressos, um integralista e um anti-integralista, marcados para o mesmo final de semana na cidade. No dia 2 de novembro, dia de finados, um lavrador integralista, Alberto Sechin, foi morto em uma emboscada. Ele foi alçado como herói de guerra do movimento.

O evento ganhou ainda mais comoção após a morte do lavrador. A presença de Plínio Salgado era esperada, mas acabou não ocorrendo. Ainda assim, correu na cidade um boato de que um trem vindo do Rio de Janeiro estava chegando em Cachoeiro trazendo o líder dos integralistas.

Aliancistas se amontoaram na estação à espera do rival. Plínio havia anunciado, horas antes, que não compareceria ao evento. Contudo, um grande número de integralistas cariocas estava no trem. No tiroteio – que envolveu integralistas, aliancistas e forças policiais – morreram o chofer de praça Waldomiro dos Santos e o pedreiro Orestes Cândido.

Membros da Frente Integralista do Brasil (FIB) em evento realizado em São Paulo, em 2020. (Reprodução/Instagram)

O INTEGRALISMO RESSURGE NO SÉCULO XXI

Os integralistas voltaram aos jornais em dezembro de 2019, após um atentado à sede da produtora do Porta dos Fundos, que havia lançado um especial de Natal com uma releitura da vida de Jesus Cristo como um homem homossexual. Homens vestidos com camisas verdes, e com a bandeira do integralismo ao fundo, gravaram um vídeo assumindo a autoria do ato. A Frente Integralista Brasileira repudiou o ataque e afastou membros que defenderam a ação.

A FIB tem buscado se firmar como grupo político e tenta lançar candidatos a vereador pelo país. O presidente da entidade, Victor Emanuel Vilela Barbuy, é filiado ao PRTB e tem buscado concretizar essas candidaturas, como afirmou ao "Estadão", em janeiro. Ele contou que há “núcleos provinciais” em sete Estados, entre eles o Espírito Santo.

Nas redes sociais da FIB a única menção ao Estado é em uma publicação de setembro de 2019 para parabenizar o professor de Direito Igor Awad, nomeado para a Comissão Especial de Defesa da Vida na Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB-ES).

Awad é descrito como membro do Conselho Diretivo Nacional da FIB. Na postagem ele é apontado como alguém que irá buscar retirar do currículo estadual "a nefasta ideologia de gênero". Em seu canal do YouTube, ele ainda conta com uma série de vídeos sobre a obra de Plínio Salgado e o integralismo.

Atualmente, Awad diz não se considerar mais um integralista, mas defende que a associação do integralismo com o nazismo e outros movimentos totalitários do século XX é falsa.

Em contato com a reportagem, ele preferiu não falar muito sobre o grupo no Estado. “Tive contato com algumas pessoas do movimento, mas acabou não indo para a frente. Porém, o integralismo é ainda um dos meus temas de estudo”, disse.

NETO DE INTEGRALISTAS: "HOJE, MOVIMENTO É UMA CARICATURA DO QUE FOI"

O cientista político João Gualberto Vasconcellos é neto de integralistas. Seu avô fez parte do movimento em Castelo nos anos 1930. Ele, que é crítico à ideologia, afirma que o integralismo fazia sentido naquele período, uma vez que o fascismo estava em voga no cenário político mundial. Tentar retomar os ideais daquele tempo e os aplicar hoje em dia é um erro.

Aspas de citação

Quem faz isso hoje está perdido no tempo, não faz sentido nenhum. Quem defende o integralismo defende uma ideologia que é uma caricatura do que foi. O meu avô, que era negro, era integralista, mas eram as ideias difundidas em uma sociedade que era muito diferente da nossa. Não cabe em nosso tempo

João Gualberto Vasconcellos
Cientista político
Aspas de citação

DEMOCRACIA EM RISCO

O historiador Pedro Ernesto Fagundes aponta que o ressurgimento de grupos de extrema-direita tem crescido em todo o mundo, principalmente na Hungria, com Viktor Orban, e na Turquia, com Recep Erdogan. Para ele, estes grupos nunca deixaram de existir, mas, com as redes sociais, passaram a conseguir se organizar melhor.

“Para mim, é um momento em que a democracia corre riscos, porque são grupos que defendem o fechamento do Congresso Nacional, fechamento do Supremo Tribunal Federal e que vão às praças públicas homenagear torturadores, como Carlos Brilhante Ustra. São grupos que tentam, inclusive, fazer releituras da História do Brasil, resgatando as ideias destes personagens e distorcendo fatos”, argumenta.

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