Em Vila Velha, projetos sociais são alternativa a desafios com segurança e educação
Em Vila Velha, projetos sociais são alternativa a desafios com segurança e educação. Crédito: Foto divulgação

Projetos sociais ajudam a superar desafios da segurança em Vila Velha

Moradores de diferentes regiões sentem a violência de modos diferentes. Às vésperas das eleições 2020, a insegurança é apontada como maior problema da cidade. Confira na 4ª reportagem do projeto Eleições Fora da Bolha

Rede Gazeta
Publicado em 11/11/2020 às 13h22
Atualizado em 17/11/2020 às 18h02

Uma cidade com necessidades de investimento em bem-estar social, Vila Velha, na percepção dos moradores da cidade, tem dois grandes desafios que precisam de um olhar ainda mais estratégico dos gestores públicos: a segurança e a educação.

Todos os problemas do município, que incluem ainda os obstáculos com Saúde e esgoto, têm relação com o crescimento populacional desordenado.

Mas, diferentemente dos problemas com saneamento na cidade, que atingem bairros de diferentes realidades socioeconômicas, a percepção da violência muda muito de acordo com o nível financeiro da população e em cada região.

A forma como cada local se protege do avanço da criminalidade também varia, revelando uma separação que vai muito além da distância geográfica. Diante das barreiras, projetos sociais que levam lazer, cultura e esporte têm se tornado grandes aliados na luta contra a violência.

Os programas para impedir a entrada de jovens e crianças no mundo do crime são tocados principalmente pelas próprias comunidades, que oferecem aulas de música, capoeira e até cursos de qualificação para quem quer ter uma renda, como ocorre em Terra Vermelha.

Em outros bairros, como São Torquato, a cultura do carnaval se espalha de outras formas, com ações que vão além do samba. Há oficinas voltadas para quem quer participar da festa mais alegre do ano, mas há cursos voltados para educação e iniciativas de lazer.

MORADORES QUEREM AÇÕES PARA MELHORAR SEGURANÇA

Uma pesquisa realizada pelo Ibope em outubro na Grande Vitória apontou que 58% dos moradores consideram a segurança pública como a área mais problemática de Vila Velha, sendo que na sequência aparecem saúde (53% das menções), educação (25%) e rede de esgoto (24%) como o maior desafio que os novos prefeitos terão. A preocupação com a violência é maior nos grupos que têm maior renda familiar e maior escolaridade. Já os grupos de menor renda e escolaridade se preocupam mais com a saúde.

Para o diretor do Instituto Jones dos Santos Neves Pablo Lira, que também é professor e pesquisador do Programa de Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV), de fato a violência na cidade é sentida de diferentes modos, de acordo com a geografia. Em bairros nobres, a violência realizada geralmente é feita contra o patrimônio, como assaltos e furtos. Em regiões de maior vulnerabilidade social, os crimes contra a vida são mais frequentes.

Moradora de São Torquato, Sueli Alves, de 50 anos, reclama da falta de segurança no bairro
Moradora de São Torquato, Sueli Alves, de 50 anos, reclama da falta de segurança no bairro. Crédito: Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto

Os dados da pesquisa traduzem a realidade de pessoas como Sueli Alves, de 50 anos, moradora e comerciante em São Torquato. “Eu já perdi três celulares aqui, além de dinheiro também. Meu filho foi assaltado três vezes aqui. Eu fui assaltada duas vezes na loja e uma na rua. A segurança aqui é péssima”, conta.

A moradora diz que a presença de forças de segurança no bairro também diminuiu: “Existiam guardas municipais que andavam a pé. Passaram para os guardas na moto, mas não se vê mais. Fecharam também a nossa delegacia. Ela funcionava perfeitamente e carro da polícia aqui se via constantemente. Não tem mais! A Polícia Militar dá uma volta uma vez por dia”.

Paulina Fiusa, de 67 anos, dentro de sua lanchonete em São Torquato
Paulina Fiusa, de 67 anos, dentro de sua lanchonete em São Torquato. Crédito: Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto

Para uma outra comerciante, Paulina Fiusa, de 67 anos, que tem uma lanchonete ao lado do rio Aribiri, uma das preocupações é o aumento da população que vive nas ruas. Ela alerta também para o crescimento de usuários de drogas que ficam parados próximo ao seu ponto comercial.

“A gente vê o pessoal andando conversando por aí, eles ficam na praça também. Mas eu nunca tive problema por falta de segurança aqui”, afirma, ao dizer também que a proteção dela é Jesus.

O “ponto do assalto”: morador relata que assaltos neste ponto de ônibus do bairro são frequentes
O “ponto do assalto”: morador relata que assaltos neste ponto de ônibus em São Torquato são frequentes. Crédito: Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto

No mesmo bairro, um morador que prefere se identificar denuncia os assaltos constantes no ponto de ônibus da Avenida Anésio José Simões, próxima ao posto de saúde de São Torquato. “Geralmente acontece entre 4h e 7h da manhã, horário em que as pessoas estão indo para o trabalho”, relata.

O morador diz que a violência sentida na parte baixa do bairro é diferente dos tipos de violências dos morros da região. “Aqui embaixo a gente tem mais assaltos. Lá em cima, o crime organizado e assassinatos são mais recorrentes, principalmente quando acontecem confrontos”, revelou.

A iluminação insuficiente é outro ponto de reclamação dos moradores da comunidade. Sueli relata que as ruas mais iluminadas de São Torquato são as principais e mais movimentadas por causa do comércio, em contrapartida, as vias no interior dos bairros e os becos, onde ficam as residências, são mal iluminadas.

Valdirene Dettman, de 37 anos, vice-presidente da associação de moradores de Terra Vermelha
Valdirene Dettman, de 37 anos, vice-presidente da associação de moradores de Terra Vermelha. Crédito: Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto

O problema se repete em Terra Vermelha. Valdirene Dettman, 37 anos, é vice-presidente da associação de moradores e revela que a iluminação é uma pauta preocupante no bairro. “A iluminação ainda está precária. Foi assinada uma Parceria Público Privada (PPP) que promete uma iluminação pública de qualidade. Temos problemas e ruas muito escuras”, destaca.

A parceria a que a moradora se refere é um contrato firmado pela prefeitura com uma empresa privada em outubro, após leilão na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo). A concessão prevê a substituição de lâmpadas e a melhoria do serviço de iluminação em 35 mil pontos da cidade.

A vice-líder comunitária afirma que o bairro é seguro e que a percepção que as pessoas têm sobre o local acontece pela generalização com outras comunidades quem compõem a "Grande Terra Vermelha". O nome, aliás, virou um estigma. Quem vive no bairro principal, o centro da região, tenta vencer o preconceito da má fama que se espalhou pela Grande Vitória.

Valdirene afirma que o apoio da Guarda Municipal é importante, mas pode ser melhorada. “É um bairro que eu considero seguro. Tem a fama de ser um dos bairros mais perigosos da região, mas não é. Essa é a visão que vem da região que tem 30 bairros. Terra Vermelha é o menor deles. A nossa parceria com a guarda municipal tem nos ajudado muito, quando você vê Guarda Municipal na rua dá uma segurança maior”, ressalta.

O principal problema apontado por Valdirene é o tráfico de drogas. A moradora avalia que o trabalho da guarda é bem feito, mas sua presença poderia ser ampliada para aumentar a sensação de segurança no bairro. Ela afirma que são poucos os casos de assaltos no bairro, mas reitera que pontos como a rua principal precisam de maior atenção: “Eu tive problema com assalto uma única vez. A nossa rua principal (Avenida Afonso Cláudio) precisa de mais segurança”.

Daniela Caser, de 55 anos, moradora de Praia da Costa
Daniela Caser, de 55 anos, moradora de Praia da Costa. Crédito: Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto

A impressão sobre a violência dos moradores de São Torquato e Terra Vermelha é diferente da de Daniela Caser, de 55 anos, que vive na Praia da Costa: “Acho que, desde que moro aqui, meu filho foi assaltado uma vez. Houve uma tentativa e um assalto. Tem policiamento e iluminação. Tem câmera no bairro também”, conta.

A moradora explica que acontece um ou outro assalto no bairro, mas a rotina dela não é alterada por medo da violência. “A proximidade da região com uma área militar traz uma sensação maior de segurança”, observa. Apesar de Daniela ter relatado que o bairro é tranquilo, uma troca de tiros foi registrada na região durante a madrugada do dia 9 de novembro.

EDUCAÇÃO, UM DOS CAMINHOS CONTRA A VIOLÊNCIA, ENFRENTA SEUS PRÓPRIOS DILEMAS

O doutor em Segurança Pública e professor da UVV Pablo Lira afirma que existe uma relação entre educação e violência. Segundo o especialista, a desigualdade social e econômica são sentidas com mais impactado nos locais com problemas nos campos da educação, da habitação, do desemprego e da distribuição de renda.

Pablo Lira

Professor e doutor em Segurança Púbica

"Um dos fatores da nossa sociedade que agrava mais a desigualdade é o problema da educação"

Valdirene, de Terra Vermelha, conta que até existem instituições de ensino públicas na comunidade, mas a escola de ensino médio, Mário Gurgel, não é suficiente para atender a demanda de alunos do bairro e das áreas vizinhas, obrigando os alunos a se deslocarem para outras regiões para conseguirem estudar. “Temos dois colégios da prefeitura e um a escola estadual de ensino médio que não comporta a quantidade de alunos necessária para o bairro”, diz.

São Torquato enfrenta situação semelhante, mas em relação às creches. Sueli conta que em no bairro não existem unidades de educação infantil e que a mais próxima é particular.

O mesmo ocorre em Terra Vermelha. Valdirene reitera a importância das unidades de ensino infantil para as famílias que precisam trabalhar. “Não temos creche de período integral, são de meio período. É difícil para as mães trabalhadoras. A maioria delas ainda cria os filhos sozinhas. Tem muita procura por creche. Existem as particulares, mas precisamos de uma creche pública e integral."

Na Praia da Costa, a arquiteta Daniela Caser disse que a educação é um ponto forte da região. A demanda necessária é a construção de praças públicas e quadras de esportes. “Se meu filho quiser jogar basquete, eu tenho que atravessar a Terceira Ponte para que ele possa praticar o esporte, porque não temos praça aqui”, comenta. Já em Terra Vermelha, Valdirene apresenta com orgulho a praça em que a população pratica atividades físicas e interagem entre si.

PROJETOS SOCIAIS COMO ALTERNATIVA

Em Terra Vermelha e São Torquato, moradores relatam que projetos sociais são alternativas para suprir a falta de acesso à educação, lazer e segurança. Valdirene diz que a associação de moradores de Terra Vermelha tem projetos voluntários e gratuitos com programação de integração para crianças e idosos na comunidade. “Hoje tem kickboxing, capoeira, aulas de violão, corte e costura e orientação jurídica. As aulas acontecem à noite no prédio da associação”, conta.

Em São Torquato, a tradicional Escola de Samba Grêmio Recreativo Independentes de São Torquato, cinco vezes campeã do carnaval capixaba e pioneira a levar grandes carros alegóricos para a avenida, realiza projetos com a população relacionados à cultura, educação e lazer. Na quadra da escola, os moradores têm contato com oficinas de passistas, instrumentos e projetos sociais voltados para cultura do samba integrando crianças e idosos.

Projetos sociais de Terra Vermelha e São Torquato são alternativa a desafios com segurança e educação

Projetos sociais de São Torquato e Terra Vermelha
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Daniela Torres, de 41 anos, é professora e diretora de comunicação da agremiação e diz que o projeto visa à construção de novas gerações de integrantes da escola e uma identificação com a própria comunidade. A professora diz que os projetos vão além: “A gente tenta colocar a criança em um ambiente positivo e ocupada longe de influências ruins. O legal do samba é isso: um pelo outro”.

Pablo Lira afirma que projetos sociais voltados para comunidades são grandes aliados na luta contra a violência presenciada nessas regiões. O professor explica que práticas esportivas incentivam a disciplina dos frequentadores, como as lutas marciais, e reitera que esses projetos esportivos ou culturais precisam se atrelar à educação.

“Atividades esportivas e culturais são ações que tendem a diluir o tempo ocioso dos jovens e foca na sua formação. É importante que esses projetos estejam atrelados à educação e à rotina desse jovem nas escolas”, comenta.

O QUE DIZEM OS CITADOS?

Polícia Civil

A Polícia Civil diz que o prédio onde funcionou o Distrito Policial de São Torquato foi devolvido ao Estado, por meio da Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger), e o processo foi instruído para disponibilização do bem público à Polícia Militar, que requereu o imóvel. 

Polícia Militar

A Polícia Militar diz que Vila Velha tem foco prioritário no Programa Estado Presente, do governo do Estado, que monitora a violência em todos os municípios do Espírito Santo. A PM informa que o número de policiais que trabalham na patrulha ostensiva não foi reduzido por conta da pandemia. Salienta também que houve diminuição dos índices de criminalidade, principalmente os crimes contra o patrimônio, incluindo os dados do 4º Batalhão e da 13ª Companhia Independente, que prestam o policiamento no município.

Sobre o imóvel em São Torquato, a PM diz que o espaço teve ordem de serviço assinada pelo governo do Estado para ser reformada e servir como futura sede da 5ª Companhia do 4º Batalhão. A obra está orçada em mais de R$ 246 mil, com prazo de execução de 120 dias.

Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha

A Secretaria de Educação de Vila Velha diz que, no pós-pandemia, a cidade contará com 15 novas unidades de educação: dez de educação infantil e cinco do ensino fundamental.

A prefeitura informou que cinco unidades de ensino já foram entregues, sendo três de ensino fundamental e duas da educação infantil. Ao todo, 5 mil novas vagas serão geradas.

Para o ensino fundamental haverá 1,5 mil novas vagas. Dez unidades de ensino estão em construção nas cinco regiões do município. São mais de R$70 milhões de recursos próprios investidos na construção de novas creches e escolas.

Secretaria de Defesa Social de Vila Velha

A Secretaria de Defesa Social e Trânsito de Vila Velha informa que a Guarda Municipal atua com um efetivo de aproximadamente de 80 agentes por turno, distribuídos em processos de patrulhamento preventivo com viaturas e motos nas cinco regiões da cidade. Além disso, a equipe atende os o acionamentos feitos pelos cidadãos nas ruas ou pela Central de Videomonitoramento, que monitora pontos estratégicos em todo município.

Secretaria de Estado da Educação

Consultada, a Sedu não respondeu com as informações solicitadas até o fechamento da reportagem.

* Israel Zuqui, Nádia Prado e Vinicius Zagoto são alunos do 23º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta e foram supervisionados pela jornalista Ana Laura Nahas.

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