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Publicado em 5 de outubro de 2022 às 11:54
- Atualizado há 3 anos
Uma mulher de 49 anos procurou uma delegacia para relatar que foi obrigada a tirar a roupa e teve as partes íntimas tocadas durante uma abordagem policial dentro da própria casa, em Viana. O abuso aconteceu no quarto da residência, onde estariam apenas o militar e a vítima, na noite do dia 26 de setembro. Antes disso, segundo relata a vítima, a equipe formada por três militares teria invadido a residência sem autorização judicial e agredido os dois filhos da mulher – um deles tem 15 anos. >
A reportagem de A Gazeta teve acesso ao boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil e à denúncia feita na Corregedoria da Polícia Militar, ambos relatando o estupro na abordagem. A mulher denunciou os militares após um procedimento de reconhecimento fotográfico – dois deles foram identificados como um sargento e um cabo. Os nomes da vítima e dos filhos não foram divulgados por motivo de segurança. O bairro onde a família mora também não será detalhado.>
De acordo com o boletim de ocorrência, três policiais militares, vestidos com a farda da corporação, entraram na residência em Viana por volta das 18h30 do dia 26 de setembro. A mulher contou à polícia que os militares não tinham autorização para entrar na casa, mas afirmaram estarem procurando algo ilícito. Quando os policiais chegaram ao local, a mulher estava deitada. Os filhos, de 28 e 15 anos, também estavam dentro de casa.>
Mesmo sem autorização, os policiais começaram a abordagem dentro da residência. Sem encontrar nada, o trio de policiais teria começado a agredir os dois filhos da mulher. Segundo a vítima, os policiais pediam que o adolescente e o irmão mais velho dessem nomes de pessoas que tinham envolvimento com drogas nas proximidades do local onde moravam. Os dois, no entanto, não responderam e teriam sofrido tapas na nuca e no rosto.>
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Foi nesse momento que um dos policiais teria ordenado que a mulher, dona da casa, fosse para um quarto e fechasse a janela. A ordem do militar era que a mulher tirasse a roupa toda. Ao ficar completamente nua, a vítima começou a fazer agachamento, seguindo ordem do policial.>
Durante o exercício forçado, o policial teria tocado com a ponta do dedo a vagina e o ânus da mulher. Ele fazia sons como se estivesse gostando da atividade abusiva, como relata o boletim. A vítima contou à polícia que passou cinco minutos sozinha com o policial, passando pela situação abusiva, que conforme relatado, configura estupro. >
O documento registrado na Corregedoria da Polícia Militar cita ainda que o policial, suspeito de estuprar a mulher, teria perguntado se ela gostaria de ser revistada por uma profissional mulher. A vítima teria pedido a abordagem feminina. No entanto, apesar da resposta, os dois continuaram sozinhos no quarto e não houve assistência feminina.>
Depois disso, a mulher foi levada para a cozinha, onde os dois filhos estavam. O filho mais velho teria sido agredido novamente antes de ser levado com o irmão mais novo para o quintal da casa. O mesmo policial teria ficado sozinho com a vítima novamente, agora em outro cômodo. O boletim traz em detalhes que o policial disse à vítima que não levaria o filho mais velho para a delegacia. Em troca, a mulher teria que se encontrar com o militar, fora do horário de trabalho, em determinado ponto do bairro.>
O encontro forçado teria sido marcado para as 19h30, e a mulher não poderia contar detalhes para ninguém. Segundo o boletim de ocorrência, o policial iria ao local com o carro particular.>
De acordo com a advogada de defesa da vítima, Gislaine Salles, a mulher estava com muito medo do que poderia acontecer se descumprisse a ordem, por isso foi ao local marcado. O encontro não aconteceu e ela voltou para casa sem encontrar novamente o policial.>
A vítima, que por questão de segurança, não teve o nome identificado nesta reportagem, relatou para a advogada que houve uma nova abordagem do mesmo policial. Ele teria entrado novamente na casa dela dois dias depois, no dia 28 de setembro. Na nova abordagem, também durante o horário de serviço, o militar pediu que a vítima o encontrasse em outro ponto do bairro. Desta vez, a mulher não foi ao local. A advogada esteve no ponto marcado, mas não encontrou o policial.>
Avaliando que a mulher poderia ser vítima de novas abordagens, a advogada de defesa, Gislaine Salles, decidiu retirar a cliente do endereço. Atualmente, a mulher, que relata duas abordagens do mesmo policial, com medo, mora em outro lugar.>
Gislaine Salles
Advogada de defesa da vítimaO local também não será informado, preservando a segurança da vítima. Uma medida de segurança foi solicitada pela defesa da vítima, mas ainda não há nada que impeça o policial de chegar perto da mulher, segundo a advogada.>
Segundo Gislaine Salles, outros casos semelhantes foram relatados na mesma região de Viana. São ao menos duas outras pessoas, de acordo com a advogada, que sofreram abordagens violentas e constrangedoras do mesmo policial. Seriam pessoas que preferem não se identificar e não foram à delegacia registrar um boletim de ocorrência por medo.>
"Há pelos menos outras duas pessoas. Sendo que uma delas tem 14 anos. Fora as outras abordagens que ele faz de maneira exagerada", afirma a advogada.>
No dia seguinte ao fato, a vítima foi à delegacia de Polícia Civil com a advogada para registrar o boletim de ocorrência. Ela também esteve na Corregedoria da Polícia Militar e relatou o abuso na abordagem. Segundo a advogada de defesa, não houve nenhum retorno das polícias Militar e Civil até terça-feira (4), uma semana após o registro da ocorrência.>
A reportagem de A Gazeta procurou as polícias Militar e Civil para ter mais informações da ocorrência. Foi perguntado, por exemplo, se os policiais continuam trabalhando normalmente e o que a equipe alegou para entrar na casa de uma moradora. Confira abaixo os questionamentos feitos para as corporações:>
O que foi perguntado à Polícia Militar:
- A equipe fez a abordagem no dia 26 de setembro na residência da moradora, em Viana?
- Os três estavam em horário de serviço? O que os militares alegam para entrar na casa? Havia alguma suspeita?
- Por qual motivo um dos militares entrou em um quarto com a moradora? A medida era necessária para a abordagem?
- A Polícia Militar investiga a abordagem abusiva na residência? Se sim, há um tempo estimado para que chegue a uma conclusão?
- Os três militares continuam trabalhando? Algum deles foi afastado das atividades?
- Quais devem ser os próximos procedimentos adotados pela PM e pela Corregedoria?
- A equipe militar voltou ao lugar após o dia 26 de setembro?
Em resposta, a Polícia Militar informou que a cidadã alegou ter sido abordada "de forma irregular" no último dia 26 em Viana. A polícia confirmou que a vítima registrou boletim de ocorrência e esteve na Corregedoria, o que já era de conhecimento da reportagem. Apesar das perguntas feitas acima, a Polícia Militar inicialmente detalhou apenas que "os fatos estão em apuração" e que detalhes não seriam divulgados para não atrapalhar os trabalhos.>
Em uma nova demanda feita pela reportagem, após a informação de que o PM teria voltado a procurar a vítima em casa, a Polícia Militar reiterou a nota e informou que o prazo de apuração é de pelo menos 60 dias.>
O que foi perguntado à Polícia Civil:
- A Polícia Civil investiga o caso?
- O que os militares alegam para entrar na casa? Havia alguma suspeita? Por qual motivo um dos militares entrou num quarto com a moradora?
- Os policiais militares foram ouvidos? Se sim, há um tempo estimado para que chegue a uma conclusão?
- Quais devem ser os próximos procedimentos adotados pela PC?
Em nota, a Polícia Civil informou que a vítima registrou um boletim de ocorrência no dia 27, dia seguinte ao fato narrado. Segundo a corporação, o caso foi encaminhado à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Cariacica, que será responsável pelas apurações. Detalhes da investigação não serão divulgados, de acordo com a Polícia Civil.>
Procurado pela reportagem de A Gazeta, o Ministério Público do Espírito Santo classificou o crime de estupro como "um dos mais graves" e que merece "imediata resposta". Em relação ao caso citado, o MPES informou que aguarda a conclusão do inquérito policial para análise e adoção de providências. Veja nota completa:>
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) considera o crime de estupro um dos mais graves contidos no Código Penal (CP) e, por essa razão, merece sempre a imediata resposta das autoridades policiais e do sistema de Justiça. Informa também que se solidariza com as vítimas e está à disposição para auxiliar no que for necessário, inclusive por meio do Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência (Navv), instituído em setembro. Em relação ao caso citado, o MPES, por meio da Promotoria de Justiça Junto à Auditoria Militar, informa que aguarda a conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM) referente aos fatos e o envio dessa documentação ao MPES, para posterior análise e adoção de providências. Informa também que, por força de lei, está proibido de fornecer mais informações a respeito de processos que envolvam casos de estupro. >
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