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'Meu filho cresceu na maré', desabafa mãe de jovem assassinado em chacina

"Meu filho cresceu na maré", desabafa mãe de jovem assassinado em chacina

Muito abalada, a mãe de Yuri contou que jamais imaginou que ele morreria no local onde a família costumava frequentar, como lazer, desde a infância. Jovem sonhava em morar fora do Brasil para ter um futuro melhor. Conheça as histórias das vítimas

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 21:24

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Yuri Carlos de Souza Silva da Ilha Dr Américo
Yuri Carlos de Souza Silva da Ilha Dr Américo. (Rede Social/Vitor Jubini)

"Aquela ilha era o nosso quintal de casa. Meu filho cresceu na maré". A lembrança emocionada foi contada pela cuidadora social Mônica de Souza Silva, de 38 anos, após reconhecer o corpo do filho mais velho no Departamento Médico Legal (DML), em Vitória. Yuri Carlos de Souza Silva, de 23 anos, foi um dos mortos na chacina na ilha Doutor Américo de Oliveira, na região de Santo Antônio, na tarde de segunda-feira (28). Muito abalada, a mãe do jovem contou que jamais imaginou que ele morreria no local onde a família costumava frequentar, como lazer, desde a infância. 

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    Aquela ilha era o nosso quintal de casa. Meu filho cresceu na maré. Quando criança, eu o levava para tomar banho. Era nosso lazer, nosso passeio, nosso momento em família.  Depois que ele cresceu, continuou indo sozinho e com os amigos. 

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    Sim. Ele morava comigo. Estávamos juntos na orla de Santo Antônio quando ele me disse que ia para a ilha. Eu ainda pedi para ele não ir porque estava muito quente. Falei: "Não vai, não. Vamos para casa". Mas ele disse que os amigos já estavam esperando na canoa e se despediu dizendo: "Daqui a pouco eu volto, mãe" (choro). 

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    Eu não ouvi nada, mas um menino que conseguiu escapar chegou baleado na orla falando que tinham matado todo mudo na ilha. Logo depois, os corpos foram chegando e o meu filho estava no meio. Eu nunca imaginei vê-lo morto de forma tão violenta. 

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    Era um ótimo filho, ótimo irmão, foi remador do Clube de Regatas Saldanha da Gama quando adolescente e depois não quis seguir no esporte. Ele terminou o Ensino Médio e começou a trabalhar. O último emprego foi como auxiliar de produção em uma empresa de produtos infantis, mas ele perdeu o emprego durante a pandemia de Covid-19. Ele sempre foi trabalhador.

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    Ele tinha vontade de ir embora do Brasil, viajar o mundo, ter filhos, construir família... Como o irmão mais novo sempre fala que tem vontade de morar em Portugal, Yuri dizia que eles iriam juntos. Ele ainda ficava bravo porque eu respondia que não sairia daqui. Ele queria que tivéssemos um futuro melhor. 

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    Ele nunca teve essa preocupação. Ele levava a vida normal, de jovem. Gostava de sair, mas também de trabalhar. Dói muito perder um filho desse jeito, você não tem noção. Eu não criei um filho para morrer assim, de forma tão violenta (choro). As fotos que eu vi dele, o jeito que ele estava... Mas eu sei que tudo acontece de acordo com a vontade de Deus. 

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Além da cuidadora social, outras mães, pais e avós precisaram enfrentar a difícil missão de despedirem-se dos mortos na chacina. Enquanto reconheciam e liberavam os corpos no Departamento Médico Legal (DML), a reportagem conversou com familiares das vítimas, que contaram um pouco sobre a vida dos jovens antes deles serem assassinados. 

PAI DE WESLEY FOI VISITAR O FILHO NO DIA DA MORTE

Wesley Rodrigues de Souza, 29 anos
Wesley Rodrigues de Souza, 29 anos, era marítimo e dono do barco que levou os jovens para a ilha. (Reprodução)

Wesley Rodrigues de Souza, de 29 anos, era marítimo, assim como o pai. Sem se identificar, o pai dele contou que o filho trabalhava atualmente em um rebocador de navios. Como Wesley tinha um barco e costumava fazer o trajeto da orla de Santo Antônio para a ilha Doutor Américo de Oliveira, o grupo de jovens o chamou para levá-los ao passeio. 

O pai da vítima afirma que estava trabalhando no momento do crime, mas que os vizinhos contaram que os jovens chegaram à casa do Wesley no meio da tarde pedindo para que ele os levasse até a ilha. A partir daí, o marítimo não conseguiu seguir com os planos de visitar o filho. 

"Eu trabalho embarcado, assim como meu filho, e vim visitá-lo hoje (28). Desembarquei, vindo da Bahia, e logo recebi a ligação da mãe dele dizendo o que havia acontecido", lamentou o pai de Wesley, que preferiu não se identificar.

MÃE DE PABLO VIU FILHO FELIZ PORQUE IRIA PESCAR

Pablo Ricardo Lima Silva, de 21 anos, uma das vítimas da chacina em ilha
Pablo Ricardo Lima Silva, de 21 anos, esteve com a mãe e o filho minutos ates de ser morto. (Reprodução/TV Gazeta)

Morando com a avó paterna desde os 4 anos, Pablo Ricardo Lima, hoje com 21 anos, marcou um encontro com a mãe na orla de Santo Antônio no dia em que foi morto. A auxiliar de serviços gerais Paula Lima, de 40 anos, conta que viu o filho a caminho da ilha dizendo que iria pescar, sem imaginar que o jovem não voltaria com vida. 

"Ele estava muito feliz porque adorava ir à ilha tomar banho e pescar, tinha esse costume. Fui à orla encontrá-lo para pegar o filho dele, meu neto de 2 anos, para ficar comigo. Ele me entregou o menino e saiu de barco com os amigos. Logo em seguida ele retornou para buscar água. Cerca de 10 minutos depois veio a notícia de que eles estavam mortos. Naquele momento eu já não consegui ver nada na minha frente. Ele era o meu filho mais velho (choro). Ficam só lembranças boas, de uma pessoa amorosa", lembra, muito abalada. 

Foi um tio de Pablo que foi de barco até a ilha tentar socorrer o rapaz após ouvir o barulho dos disparos. Ele chegou a ser levado para o Pronto Atendimento de São Pedro, mas não resistiu. Atualmente o jovem trabalhava como entregador e ajudante na lanchonete do tio. 

VICTOR DEIXOU A CASA DA MÃE HÁ DOIS MESES

Quatro jovens, que estavam na ilha, segundo preliminares, por lazer foram assassinados por um grupo que chegou em dois barcos
Victor da Silva Alves, 19 anos, morava em Santo Antônio há apenas dois meses. (Arquivo Pessoal)

O mais novo entre os jovens mortos, Victor da Silva Alves, de 19 anos, era de Cariacica e estava morando em Santo Antônio a apenas dois meses. Como a família não é moradora da região, ele foi último a ser identificado. De acordo com a mãe , a balconista Luciana da Silva, de 36 anos, ele era um rapaz era carinhoso e muito apegado aos dois irmãos mais novos.

"O Victor era um bom filho, mas estava em uma fase em que queria ter liberdade, tanto que saiu de casa. Aos 18 anos ele chegou a ser preso por tráfico. Foi muito difícil para mim essa fase. Mas após sete meses ele saiu e estava reconstruindo a vida. Ele atuou como menor aprendiz em uma empresa, trabalhou em uma padaria e decidiu sair de casa. Eu dava muito conselho, estava cofiante que ele iria para um caminho melhor. Nunca esperei receber uma notícia dessa", contou.

Ela disse também que embora não morasse mais com o filho há cerca de dois meses, costumava ver vídeos e fotos dele pescando e nadando na ilha. A balconista ainda relatou que os dois filhos mais novos, de 15 e sete anos, estão desesperados desde que souberam da morte do irmão mais velho. 

VÍTIMAS NÃO TINHAM ENVOLVIMENTO COM O TRÁFICO

O secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Alexandre Ramalho, afirmou que a chacina é resultado de uma disputa pelo tráfico de drogas entre gangues do Morro do Quiabo (Cariacica) e Santo Antônio. Mas esclareceu que, a princípio, as vítimas não tinham relação com o tráfico.  

De acordo com a polícia, oito pessoas estavam no grupo das vítimas que foram à ilha – quatro foram mortos, um ficou ferido e foi levado ao hospital e os outros três conseguiram escapar. O baleado sobrevivente, que é menor de idade, afirma que estava pescando no local e não viu quem efetuou os disparos. Momentos antes da execução, o grupo foi filmado no local do crime. 

"Um fato lamentável. Eram jovens, com um futuro brilhante pela frente, que foram vítimas da violência. As vítimas, a princípio, não teriam envolvimento em nenhuma circunstância com o tráfico de drogas. Estariam no local se divertindo, tomando banho e foram vítimas de uma emboscada", disse o delegado titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, Marcelo Cavalcanti.

CRIMINOSOS NÃO SABIAM QUEM ERAM AS VÍTIMAS

Em entrevista nesta terça (29) ao CBN Cotidiano, o delegado Marcelo Cavalcanti afirmou que os suspeitos da chacina não sabiam quem eram as vítimas. Ainda segundo a autoridade policial, o grupo de criminosos já foi identificado e inicialmente se trata de cinco pessoas que saíram de Cariacica para cometer os homicídios.

"O Brasil, infelizmente, quando envolve a guerra de tráfico, o código do crime lhes impõe a força, o poder, o dinheiro. Tudo que o tráfico fornece para eles é com violência, infelizmente. Pedimos apoio da população, por meio do número 181 para denúncias, resguardado o anonimato, para que possamos rapidamente identificar os envolvidos. Logo, logo mostraremos à sociedade os autores e eles serão presos, onde ficarão por muito tempo", afirmou.

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