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STJ valida decisão que já soltou quase 600 presos no ES

STJ valida decisão que já soltou quase 600 presos no ES

De acordo com a determinação, fica autorizada a soltura de todos os detentos do país que precisem apenas pagar fiança para deixar a prisão. No Estado, 596 presos já foram beneficiados

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 21:04

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STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ). (Reprodução/STJ)
STJ valida decisão que já soltou quase 600 presos no ES

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, confirmou, em caráter definitivo, nesta quarta-feira (14), por meio de julgamento realizado pela Terceira Seção da corte, decisão liminar concedida em abril que já beneficiou 596 pessoas no Estado. De acordo com a determinação, fica autorizada a soltura de todos os detentos do país que precisem apenas pagar fiança para deixar a prisão. O resultado da ação se deu em resposta a um pedido da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES).

A motivação para a determinação decorreu, principalmente, do momento de pandemia do novo coronavírus. Segundo o defensor público à frente do caso, Valdir Vieira, no início da pandemia houve recomendações para que alguns pedidos de prisão fossem revistos.

"Abrange, por exemplo, para presos do semiaberto, em prisão domiciliar ou que faziam parte do grupo de risco para a Covid-19. Existiu a necessidade de não aglomerar, então o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a revisão de algumas prisões para que pudessem ser cumpridas fora do sistema já superlotado. O encarceramento em massa aumenta o risco de contágio não só de quem está preso, mas de quem trabalha no local, de agentes de saúde, entre outros", iniciou.

De acordo com Vieira, a fiança acabava sendo um instituto utilizado, em muitos casos, para manter pessoas presas em razão de não terem condições de pagar para sair do sistema penitenciário. "A fiança deixava os pobres na cadeia. Já que não podia ser mantida a prisão preventiva, juízes estipulavam um valor que estas pessoas não poderiam pagar. Tinha gente presa há um ano nesta situação, mesmo tendo recebido o direito à liberdade provisória, no caso, condicionada à fiança", iniciou.

Segundo o jurista, para caber fiança, o crime cometido deve ser de menor potencial ofensivo, não envolvendo violência ou grave ameaça. "São crimes como a receptação (comprar mercadoria produto de crime), furto (sem violência), tráfico privilegiado (cuja pena é de 1 ano e 8 meses). Ou seja, não estamos tratando de pessoas 'perigosas', não são pessoas que respondem por crimes mais graves", explicou.

No Brasil, de acordo com o CNJ e com a listagem do Banco Nacional de Mandados de Prisões (BNMP), havia 1.152 pessoas presas sem pagar fiança em abril, sendo que 470 delas eram do Espírito Santo. "Mesmo depois da liminar, fóruns do Estado ainda determinaram 129 outras prisões com fiança. As primeiras 470 já foram soltas em abril. Das 129 novas prisões, 126 já foram revertidas e as pessoas já se encontram em liberdade, ainda que com outras restrições impostas, como, por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica", disse.

SITUAÇÃO CARCERÁRIA NO ESPÍRITO SANTO

Ainda segundo o defensor público Valdir Vieira, o Espírito Santo conta com um encarceramento em massa maior do que a média do Brasil. "Aqui temos 567 presos por grupo de 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 353 por 100 mil. Ou seja, estamos 60% acima da média nacional. O ES prende muito, mas prende mal. Se o Estado fosse um país, no ranking mundial deveria ser o segundo maior em encarceramento, perdendo apenas para os Estados Unidos, que têm 639 presos por 100 mil habitantes", ressaltou.

O DESENROLAR DO HABEAS CORPUS

De acordo com o jurista, a liminar válida para o Estado do Espírito Santo foi concedida já em 27 de março, concedendo o direito à liberdade para quem estava preso apenas pelo não pagamento da fiança. "Na semana seguinte a decisão foi estendida para o Brasil. Em 13 de abril pedimos para o CNJ uma listagem do BNMP e ficou reforçado que no Espírito Santo, devido ao número de prisões assim, era mais evidente que os juízes usavam a fiança como instrumento para manter pessoas pobres presas", relatou.

Além das 470 prisões revertidas em abril, alguns magistrados do interior do Estado, em especial de Cachoeiro do Itapemirim, Colatina e São Mateus, continuaram arbitrando fiança.

"Tivemos então mais 129 casos de prisões assim, isso de acordo com dados de 31 de agosto. Em relação ao mês de setembro ainda não consegui o levantamento. Nós estamos fazemos cruzamento de dados e temos 13 comarcas que não têm audiência de custódia, então isso dificulta nosso acesso aos números. Hoje nós temos a notícia de somente três pessoas que ainda estão presas nestas circunstâncias", afirmou.

VALIDADE DA DECISÃO

Mesmo dispensada a fiança, segundo o STJ, não fica proibida a imposição de outras medidas cautelares a quem for beneficiado pelo habeas corpus, ou seja, restrições como o afastamento das vítimas, apresentação periódica em juízo e uso de tornozeleiras eletrônicas continuam podendo ser impostas pelo juiz. Confira os termos do voto condutor da decisão:

"Nos casos em que impostas outras medidas cautelares diversas e a fiança, afasto apenas a fiança, mantendo as demais medidas. Por sua vez, nos processos em que não foram determinadas outras medidas cautelares, sendo a fiança a única cautela imposta, é necessário que os Tribunais de Justiça estaduais e os Tribunais Regionais Federais determinem aos juízes de primeira instância que verifiquem, com urgência, a conveniência de se impor outras cautelares em substituição à fiança ora afastada. Oficiem-se os Presidentes dos Tribunais de todos os estados da Federação e os Presidentes de todos os Tribunais Regionais Federais para imediato cumprimento".

Questionado sobre a validade da decisão se estender para além da duração da pandemia do novo coronavírus, o defensor público Valdir Vieira afirmou que o ideal é que a determinação se mantenha.

"Para mim ela tem um efeito pedagógico. E se antes, em sede de liminar, ela partia da decisão de um ministro, agora foi unânime a todos os ministros criminais do STJ. O objetivo é tratar as pessoas com isonomia, com igualdade, sejam de qualquer camada social, devem ter os mesmos direitos. Agora temos que procurar dar cumprimento à decisão e fazer uso racional da fiança em outros tempos. Depois da pandemia teremos que averiguar a conduta de cada juiz. Não dá para dizer como cada juízo vai se portar, mas, ao nosso ver, a decisão muda completamente o paradigma de utilização da fiança", finalizou.

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Demandado pela reportagem acerca da notificação da decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES) ainda não se manifestou.

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