Publicado em 15 de julho de 2020 às 06:00
Na família da estudante de ensino médio Raquel da Silva Moreira, 20 anos, ninguém tem ensino superior. Minha bisavó, avó e mãe não estudaram, pois, precisavam trabalhar. A baixa escolaridade virou uma herança de família. Uma herança que eu não quero, disse a jovem. >
Cursando o 3° ano na rede pública, Raquel também começou 2020 fazendo cursinho preparatório para a prova do Enem. A jovem que sonha em cursar gastronomia, pois planeja abrir um restaurante depois do curso, teve que adiar os planos com a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Espírito Santo. >
Vivendo em uma casa com 12 pessoas em Planalto Serrano, na Serra, Raquel viu a família ter dificuldade para colocar a comida na mesa depois que um tio, a avó e a mãe perderam o emprego devido à crise provocada pela Covid-19. >
Precisei sair do cursinho para colaborar. Passei a fazer bicos e diárias de limpeza para ajudar. Também tenho um filho de 3 anos que fazia acompanhamento na APAE, que foi fechada por causa da Covid-19, contou a estudante, que não fará a prova do Enem 2020.>
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Além da falta de dinheiro, Raquel ainda encontra dificuldades para estudar com a casa cheia e ainda cuidar dos filhos.>
Essas questões também fazem parte da vida de outros estudantes da rede pública que tiveram que abrir mão da prova do Enem 2020. Alguns até desistiram de vez de tentar o exame que, para muitos, é a única chance de conseguir acesso ao ensino superior. >
No curso preparatório popular Risoflora, em Maria Ortiz, Vitória, o ano começou com 150 alunos matriculados de toda a Grande Vitória. Além de aulas para o Enem, também eram trabalhados temas como o jovem enquanto ator social, o contexto de cada aluno e o psicológico, o que sempre aproximou alunos, professores e coordenadores. >
Mas logo veio a pandemia, em março, e a suspensão das aulas levou a saída de mais de 60 alunos. Eles não têm como estudar em casa, mesmo com aulas on-line. Não tem lugar, os pais não têm como ajudar, muitas famílias perderam a renda e os estudantes não têm cabeça para pensar em Enem ou precisam parar de estudar para trabalhar em alguma coisa, contou o coordenador do cursinho e professor de Geografia, Guto Oliveira. >
Desde o fechamento em decorrência da pandemia, o Risoflorra passou a oferecer lives, transmitir aulas via plataforma on-line ou deixá-las gravadas no Youtube, no Instagram do cursinho ou ainda encaminhando materiais e também corrigindo redações. >
Com a chegada da pandemia, passamos a trabalhar com o sistema de tutoramento, cada professor coordena um grupo de alunos para lidar com as dificuldades, problemas pessoais e acompanhar o andamento. Mas as dificuldades são grandes: falta de computadores, ausência de ambiente adequado, problema financeiro e instabilidade emocional. Fora isso, ainda tem que lidar com parentes com a Covid-19, afirmou. >
Na Serra, o cursinho popular Pupt Mais foi obrigado a fechar as portas desde o decreto estadual deixando mais de 270 alunos da rede pública sem preparação para o Enem. Na tentativa de ajudar, alguns professores se reuniram voluntariamente para dar aulas on-line, com horário semanal. >
Atualmente, a média de alunos que acompanham as aulas, ainda com muita dificuldade, é de 70 a 80 alunos. Tem quem não tenha computador, outros não tem internet, por isso só conseguimos atingir uma pequena parte. Alguns não trabalham e estão longe da escola, completamente parados e passam a se apegar às aulas on-line que damos, disse o professor de matemática e física Wagner Sandre, que reuniu os professores voluntários. >
A maioria dos alunos mora em periferia, não tem boas condições de moradia. Observando toda a educação pública, a falta de internet é um grande motivo para as desistências durante a pandemia, fora defasagem, problemas sociais que se agravam, violência dentro de casa, isso desestimula. O futuro está meio incerto, mas não desistimos dos estudantes, contou Guto Oliveira, coordenador do Risoflora. >
Apesar de adiá-los, nem mesmo uma pandemia é capaz de apagar sonhos. Eu quero dar um futuro melhor para minha família, em especial para os meus filhos. Por isso, desistir é uma palavra que não existe para mim. Hoje é difícil, mas ano que vem vou voltar ao cursinho, vou tentar Enem e vou entrar na faculdade, enfatiza a estudante Raquel. >
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