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Juiz manda banir do Twitter escritor que criticou Universal

Juiz manda banir do Twitter escritor que criticou Universal

Em outro processo sobre a mesma postagem de João Paulo Cuenca, juíza do Acre encerrou a causa e viu 'coordenação' contra o autor

Publicado em 26 de novembro de 2020 às 18:45

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O escritor João Paulo Cuenca
O escritor João Paulo Cuenca. (Youtube/SescTV)

A Justiça do Rio de Janeiro determinou a remoção da conta do escritor João Paulo Cuenca do Twitter em razão de ele ter publicado na rede social em junho que o "brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal", parafraseando texto de Jean Meslier, autor do século 18.

Os escritos originais de Meslier trazem a afirmação de que "o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre".

A decisão de exclusão é do juiz da comarca de Campos dos Goytacazes (RJ), Ralph Machado Manhães Junior, em processo no qual o pastor da Igreja Universal Nailton Luiz dos Santos pede indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil em razão da postagem, além da remoção da conta do escritor da rede social.

Para o juiz, a conta deve ser banida porque "não obstante ser reconhecido o direito constitucional da liberdade de expressão, no caso em tela, há extrapolação do referido direito, pois a postagem do réu é ofensiva e incitatória à prática de crime ao incitar claramente a violência contra grande parte da população".

Essa é uma das dezenas de ações de por danos morais movidas por pastores da Universal relativas ao tuíte.

A defesa do escritor já contabiliza 134 processos iniciados em cidades de 21 estados, nos quais os religiosos pedem o benefício da Justiça gratuita e assinam os pedidos em nome próprio, sem advogados. A soma dos requerimentos de condenação já ultrapassa o valor de R$ 2,3 milhões.

Conforme a Folha de S.Paulo mostrou em outubro, no conjunto de ações há petições com textos idênticos e trechos que mostram o uso de modelos de redação, inicando ação orquestrada.

A decisão do juiz estadual do Rio, que na linguagem técnica do direito é denominada tutela antecipada, tem caráter provisório e cabe recurso.

A defesa de Cuenca, conduzida pelo escritório Serrano, Hideo e Medeiros Advogados, afirma que ainda não foi intimada oficialmente e vai recorrer aos tribunais superiores.

"?Para Fernando Hideo Lacerda, sócio da banca, a medida "é um verdadeiro atentado contra a liberdade de expressão e contra a essência do Estado democrático de Direito, porque claramente não se trata de um discurso de ódio. Trata-se de uma sátira, uma figura de linguagem, uma abordagem satírica mesmo".

Segundo ele, "é grande absurdo e uma porta de entrada para o arbítrio admitir essa decisão por parte do sistema de Justiça. Isso intimida qualquer manifestação crítica contra grupos poderosos".

Procurado pela reportagem, o magistrado Manhães Junior enviou manifestação por meio da assessoria de imprensa do TJ do Rio de Janeiro.

Segundo ele, há"meios próprios para a impugnação de decisão judicial caso a parte não concorde" e "a decisão foi proferida em sede de tutela antecipada sem a análise definitiva da questão".

Já em outro processo relativo à mesma publicação no Twitter, promovido pelo pastor da Universal Hermes Antônio Grilo Gonzalez na comarca de Plácido de Castro (AC), a Justiça decidiu favoravelmente a Cuenca.

Apesar de criticar o conteúdo do post, a juíza Isabelle Sacramento Torturela determinou o encerramento da causa por entender que não houve menção direta ao pastor, já que a publicação foi feita de maneira genérica.

"A despeito do teor, no mínimo, duvidoso das postagens feitas, que possui muito mau gosto e se trata daquilo denominado modernamente de discurso de ódio, inexiste qualquer menção do reclamado [Cuenca] à pessoa do reclamante [Gonzalez], sendo realizada de forma genérica em sua conta da rede social", escreveu Isabelle.

Ela disse ter verificado no sistema digital do Judiciário a existência de outras ações de indenização protocoladas por pastores da Universal contra Cuenca, cujas petições iniciais são "praticamente cópia" da apresentada por Gonzalez.

Para a juíza, isso configura um uso indevido do direito de acionar a Justiça. "A situação expõe que, na verdade, se trata quase de abuso do direito de ação, visto que aparentemente tem uma coordenação com vistas a prejudicar o reclamado utilizando o sistema judiciário, promovendo o que se convenciona chamar 'lawfare'".

Na decisão, ela ressalta a dificuldade de Cuenca em se defender em estados diferentes. "É nítido que o ajuizamento em massa de ações contra uma pessoa em outro estado trará enormes dispêndios financeiros, ainda mais em juizados especiais, cuja ausência às audiências importa em revelia", completa a juíza.

Gonzalez poderia ter apelado ao Tribunal de Justiça do Acre, mas não apresentou o recurso e o caso foi arquivado.

A reportagem ligou para o telefone do pastor indicado no processo, mas a operadora diz que o número não existe.

As causas promovidas pelos religiosos da Universal contra Cuenca levaram a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) a apresentar, no último dia 17, uma representação para que o Ministério Público Federal abra inquérito civil para apurar uma suposta perseguição dos pastores contra o escritor.

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A representação cita publicação da Folha de S.Paulo de outubro sobre petições com textos idênticos e trechos indicativos do uso de modelos de redação.

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