A atual polarização política e social no Brasil revisitou um tema doloroso, nunca adormecido e sempre pertinente: a luta contra o racismo. Usando a cultura como ponto de discussão e propondo um diálogo antirracista, o seminário “Quero, Quero Culturas Negras” apresenta performances e palestras de artistas e pensadores negros da área acadêmica e cultural.
O evento acontece virtualmente, com transmissões de quarta (24) a sexta (26), pelo canal do YouTube de Tunico da Vila (veja a programação abaixo).
Entre os convidados, Martinho da Vila e Cláudia Sales, psicóloga especialista em população negra. Haverá, também, intervenções artísticas com Tunico da Vila e da rapper capixaba Afari, além de participações do pesquisador cultural Rômulo Corrêa, da escritora e mestra em Culturas Déborah Sathler e da matriarca do congo Celeuza Sales.
O seminário presta uma homenagem ao clássico “Quero, Quero” (1977), lançado na época da ditadura militar por Martinho da Vila e que ganhou releitura de Tunico (filho do sambista da "Terra de Noel Rosa") em seu novo álbum “Fases da Vida”.
A releitura contou com participações do grupo de rap capixaba Melanina Mcs, de Rappin´ Hood, Rashid, Kamau, Dexter, BK e do próprio Martinho da Vila. A nova versão chegou a ganhar um videoclipe gravado em Vitória.
"Assim como o projeto musical 'Quero, Quero' foi um desabafo coletivo de duas culturas negras irmãs musicais. A iniciativa de artes integradas possui o propósito de circular conhecimentos, saberes e fazeres culturais no ambiente on-line durante a pandemia", defende Tunico da Vila, afirmando, ainda, que o encontro virtual é um intercâmbio cultural de ideias entre artistas das culturas negras do samba, do rap, do congo, pensadores, pesquisadores e acadêmicos. "O seminário visa contribuir, de forma qualificada, com o debate antirracismo".
Também participante do evento, Cláudia Sales faz uma análise sobre a importância do movimento nos dias atuais. "Esse debate acontece num momento fundamental na sociedade. É muito importante estarmos presentes na luta antirracista, uma violência que adoece, gera sofrimento e mata. Como profissional de saúde mental, vamos debater o impacto que a pandemia causa nos profissionais negros da arte, incluindo os LGBTQIA+”, afirma.
O Brasil vive um momento de ruptura política e social, em que situações explícitas de racismo aparecem a todo momento. Como exemplo, temos a morte de João Alberto em um hipermercado em Porto Alegre (RS), no final de 2020. O seminário virtual “Quero, Quero Culturas Negras”, portanto, chega em um momento ideal. Afinal, nada como a arte para "quebrar" preconceitos e segregações.
"Essa ruptura política e social na verdade não é de hoje, ela vem desde o primeiro negro escravizado que pisou em solo brasileiro", acredita Tunico da Vila.
"Se você parar para pensar, temos pouquíssimo tempo de Abolição da Escravatura e, desde aqueles tempos, nós negros moramos em lugares afastados e, se possível, dentro das favelas, sem educação, saneamento básico, saúde e sendo discriminados na nossa cultura religiosa. Fomos catequizados e jogados às margens. Com o tempo, começamos a mudar esse cenário e falta muito, infelizmente, para termos uma sociedade igualitária. Acredito que meus trinetos continuarão mudando e transformando nosso mundo e o pensamento colonizador que o racismo nos trouxe. A cultura educa, traz informações e um debate racial qualificado".
O sambista, que mora em terras capixabas, defende a participação de Martinho da Vila no encontro, um artista consagrado e que precisou vencer os tempos sombrios da ditadura militar no Brasil para impor a sua arte.
"Ele fez o movimento negro acontecer em sua geração e nos impulsiona a realizar e dialogar. Martinho compõe e escreve sobre o cotidiano de seu povo, pensa, reflete e faz refletir em seus livros. 'Kizomba', por exemplo, foi o primeiro encontro internacional de arte negra. A participação dele em nosso seminário é importantíssima, como um pensador de arte negra que topa dialogar com os mais jovens", complementa.
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