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Santuário do vinil, Golias Discos resiste no Centro de Vitória

Santuário do vinil, Golias Discos resiste no Centro de Vitória

Depois de falir na era dos CDs e da pirataria, comerciante de 74 anos esbanja simpatia e aproveita o bom momento dos LPs

Publicado em 25 de outubro de 2020 às 06:00

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Golias Discos
Valter Vieira, o Golias, comerciante de discos de vinil no Centro de Vitória. (Vitor Jubini)

A Rua Gonçalves Dias, número 75, no Centro de Vitória, é um cantinho que guarda uma relíquia da Capital do Espírito Santo. Muitos devem pensar se o repórter não está errando o endereço e pensando que ele queira citar o Museu de Artes do Espírito Santo, na esquina da Av. Jerônimo Monteiro com a Barão de Itapemirim, mas não. Na rua citada está um santuário de vinis, cujos negócios estão longe de morrer, mesmo numa pandemia.

Lá encontra-se a tradicional loja Golias Discos, cujo dono é de uma simpatia única que garante clientes mesmo na era dos streamings. Valter Vieira da Silva, mais conhecido como Golias, tem 74 anos, sendo 56 deles vendendo discos. Ele, que já quebrou no varejo fonográfico durante a era dos CDs, garante que os LPs estão longe de ficarem empoeirados e esquecidos, afinal os jovens são seus maiores clientes.

"Por ironia do destino, voltou tudo no mundo inteiro. O que me assusta aqui dentro é que não são os coroas que vêm comprar disco, são os adolescentes que buscam os LPs", diz Valter Vieira da Silva, dono deste "santuário dos LPs usados".

E o comerciante está indo no caminho certo. Segundo o monitoramento feito pela Nielsen Music no primeiro semestre de 2019, cerca de 7,72 milhões de álbuns de vinil foram vendidos só nos Estados Unidos, um crescimento de 9,6% quando comparado a 2018.

Pesquisas da RIAA (Associação Americana da Indústria de Gravações) também mostraram uma tendência de crescimento de venda dos discos de vinil em oposição a uma queda constante e rápida da venda de CDs. Em setembro de 2019, o faturamento chegou a U$224,1 milhões (em 8,6 milhões de unidades de vinil) contra U$247,9 milhões (em 18,6 milhões de unidades de CDs).

"Fico feliz como crianças e adolescentes buscam a MPB em discos de Caetano, Ney Matogrosso, Gal Costa, Gonzagão, Beto Guedes, Milton Nascimento... o rock - ritmo que o entrevistado ouve bastante - também é procurado em menor proporção. Mas não esquento a cabeça, meu negócio é povão. Do gospel ao clássico, você encontra aqui", continua Golias, já com seu ar de comerciante há 56 anos no mercado do Centro da Capital.

Por sinal, entre os clientes, Golias coleciona nomes Ed Motta, José Vasconcelos, Martinho da Vila e Maysa Matarazzo.

PAIXÃO PELA LOJA

Com tantos anos na venda de discos, sendo 21 trabalhando apenas com LPs usados, perguntamos o que o motiva. "Minha alegria é quando piso na loja. Sou um homem solitário, não dirijo, não bebo, separado, então vir aqui receber e conversar com as pessoas é muito bom. Você não sabe o que eu passei nesses dois meses fechados em casa, sem trabalhar... Pensei que ia morrer", detalha, mencionando o período mais duro da pandemia da Covid-19, quando o comércio ficou totalmente fechado.

E toda essa simpatia rende frutos e reconhecimento. Golias tem um filme para chamar de seu. O curta "Admirável Golias", lançado em 2017 e com direção de Judeu Marcum, conta bem sua história e da tradicional loja, que já ocupou a Av. Jerônimo Monteiro nos tempos áureos do comércio do Centro, e é recheada de tesouros a serem garimpados.

"Tenho uma loja improvisada, mas que todo mundo acha bacana e muito bonita", diz aos risos e com toda simplicidade.

Golias Discos
Valter Vieira, o Golias, comerciante de discos de vinil no Centro de Vitória. (Vitor Jubini)

E a alegria maior, o sonho mesmo de Golias, é o de voltar abrir a Golias Discos no antigo Mercado da Capixaba, há duas quadras do atual endereço. "Estou há sete anos na Gonçalves Dias. A dona é muito carinhosa comigo, mas tenho muitas expectativas com a reforma do Mercado", diz o comerciante, lembrando da promessa feita pelo prefeito de Vitória, Luciano Rezende, no Viradão Vitória de 2014, evento em que foi homenageado.

Segundo Golias, ele está "quietinho esperando este momento" e ainda irá analisar as contas para saber se financeiramente vai valer a pena a mudança. Vale lembrar que sua loja já foi instalada na General Osório e na Vila Rubim antes de ir para o Mercado da Capixaba, onde permaneceu até 2013.

Enquanto isso, os negócios não param: "Tenho gratidão pelos capixabas porque até hoje eu recebo doações de LPs. O que tem de famílias entregando discos...".

Os long-plays são revendidos por preços vão de R$ 10 a R$ 150. "Entre os mais caros, tem discos raros dos Beatles, Pink Floyd, Ópera do Malandro, Clube da Esquina. Mas comigo não tem tempo ruim, se tiver alguém querendo comprar o exemplar, eu faço qualquer negócio".

ELE CONTA A HISTÓRIA

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    "Em 1959, no Rio, eu estava fazendo palhaçada no campo, jogando bola. Começaram a me chamar por esse nome e ficou, mas eu não sabia quem era Golias. Fui na vizinha ver o programa na época e entendi. Falavam que eu era parecido e brincalhão como ele. Na hora que eu vi, eu imitei o Golias com aquela frase: "Ô Crides, fala pra mãe", e ficou o apelido de vez"

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    "Estou aqui no Centro desde 64 trabalhando com vinil. É o que sei fazer. Só parei quando fiquei embarcado 10 meses e rodei a Europa e EUA por 10 meses. Juntei dinheiro e, no dia 21 de dezembro de 1971, abri a loja na Av. Jerônimo Monteiro. Era um sonho ter uma loja destas, e eu realizei este sonho. Ajudei minha família, porque sou o mais velho. Cresci e depois tive uma queda. Há 21 anos que estou vendendo discos usados, só com LP. Tenho trauma do CD"

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    "No fim de 1998, eu quebrei por causa da pirataria. Depois veio para o DVD, que quebrou as locadoras. Quando quebrei, me abalou muito porque eu perdi tudo, até o casamento. Dois meses depois, eu recomecei. Fui muito humilhado e castigado. Acharam que eu estava maluco porque estava vendendo LP no auge do CD. Por ironia do destino, voltou tudo no mundo inteiro"

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    "Eu não passo um dia sem ouvir, por uma hora... uma hora e meia, música no meu quarto. A música traz felicidade, me fortalece. Não sei explicar. Eu não aguento ouvir nada novo, só gosto de coisa velha: Frank Sinatra, Sammy Davis Jr, Ray Charles, Pink Floyd, grandes orquestras. Sou meio de lua. Vejo a garotada hoje mandando brasa, tem muita coisa e temos que aceitar que, no meio desse negócio aí, também tem coisas boas".

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    "Foi quando perdi um amigo meu de infância, o Cesinha Gonçalves, que tinha um programa na Rádio América. Todo dia ele vinha me visitar depois que se aposentou. Postaram dizendo que eu tinha morrido, foi um zumzumzum danado. Eu fiquei doidinho. Fumei dois maços de cigarro, um atrás do outro. Meu filho, no Rio, estava apavorado. Todo mundo me ligando em casa. Foi uma doideira, mas estou vivíssimo".

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    "Trabalhei 11 anos na noite. Fazia réveillon para os milionários, dava matinês no Iate Clube e no Praia Tênis para as crianças desde a época do Michael Jackson. As meninas (debutantes) só aceitavam se fosse o Golias. Eu ficava tocando o ano todinho porque as meninas queriam que eu fizesse as festinhas de 15 anos"

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    "Uma que não posso ouvir, porque choro, é 'My Way', do Sinatra. A letra é pesada. Ela fala sobre a vida do Golias e de muita gente. O refrão é muito profundo, me arrebenta todinho"

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    "Aí você me pega. Eu gosto de muita coisa. Sou apaixonado por Pink Floyd, Led Zeppeling, Deep Purple..."

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    "Não sei por cargas d'água, mas o Silvester Stallone. Pelo que li da vida dele, ele é humilde, não tem palhaçada. É um cara que trabalha naturalmente, que trabalha conversando. Admiro muito"

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