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Lives com cobranças de ingressos chegam ao país e geram polêmicas

Lives com cobranças de ingressos chegam ao país e geram polêmicas

Vista por alguns artistas como uma saída para ter renda na pandemia, iniciativa gera revolta de parte dos fãs. É viável cobrar "entradas" por estas transmissões?

Publicado em 10 de julho de 2020 às 14:47

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Anavitória causaram polêmica após cobrar . (Reprodução/Instagram)

Que as lives viraram uma alternativa para uma indústria de entretenimento em crise devido à pandemia do novo coronavírus, após a impossibilidade de realização de apresentações ao vivo, isso não é mais novidade. A maioria delas, porém, é gratuita, ou optam por receber doações e cachês voluntários, via aplicativos como o PicPay.

Uma pergunta, porém, torna-se cada vez mais relevante, principalmente porque os shows e turnês ainda não tem previsão para se reestabelecerem: é viável cobrar ingressos para as transmissões pela internet?

Queridinha do público alternativo, a dupla Anavitória foi alvo de polêmica há alguns meses, quando anunciou que cobraria ingressos para uma série de seis lives nas redes sociais. O valor? R$ 95. 

Mesmo justificando que o projeto tinha como objetivo arrecadar dinheiro para a equipe técnica - que teve a renda comprometida, por conta da paralisação dos shows devido à pandemia da Covid-19 -, as cantoras foram "canceladas" nas redes sociais, recebendo duras críticas até dos mais fiéis seguidores.  

Mas existem iniciativas que deram certo. Com criatividade, bom senso e preço justo, a resposta para a viabilidade da cobrança de "entradas" para assistir uma live é: sim. 

Como exemplo positivo, temos o grupo musical e performático O Teatro Mágico. Com quase duas décadas de estrada, eles criaram um projeto experimental imersivo batizado de "Experiência". Quatro vezes na semana, o performer Fernando Anitelli, com o violão em punhos, faz poesia, música, brincadeiras e, acima de tudo, abre diálogo com o público em uma espécie de “tour virtual”, limitada a 20 câmeras. O valor do ticket é R$ 50.

“A gente fez com que a distância não nos distanciasse. As pessoas estão lá na sala da minha casa eu tô na sala da casa delas. Converso e consigo olhá-las, com uma reciprocidade única. Essa é uma experiência inédita, que nenhum outro artista está fazendo no momento”, acredita Anitelli.

Até agora, 922 ingressos foram vendidos, em 47 shows. As ações seguem até domingo, 12 de julho, pela internet. "Já recebemos visitantes de países como Estônia e Japão. O repertório é construído tendo como base as histórias de cada participante.  Sem dúvida, é uma possibilidade não somente para nós, mas também para os artistas em geral durante a pandemia”, complementa Fernando.

INICIATIVA

A dupla sertaneja Matheus & Kauan estã criando um aplicativo especializado em lives. (Reprodução/Instagram)

Por enquanto, espaços tradicionais como o Youtube não permitem a monetização das lives, apenas gerar receita com a inclusão de anúncios da plataforma e com patrocínios - negociações que acontecem por fora do aplicativo. Instagram e Facebook, porém, anunciaram que estão com planos para permitir que o artista cobre pelas apresentações ao vivo. No Insta, testes estão sendo feitos para monetizar vídeos do IGTV, com recurso vindo basicamente de anúncios.

Pioneiro nas transmissões ao vivo nessa quarentena, ainda em 17 de março, os sertanejos Matheus & Kauan resolveram criar a própria ferramenta de lives, após alguns aplicativos criarem regras que não agradaram os artistas. 

O LIVE LIVE Brasil, ainda sem data para iniciar as atividades, deve ter o formato de pay-per-view, em que o público pagará por eventos. A iniciativa também contou com o apoio de nomes como Bruno & Marrone, Luan Santana e Gusttavo Lima, que se uniram  na criação do projeto. 

O empreendimento, porém, corre o risco de contar com a desaprovação do que é considerado o maior patrimônio do artista, seus fãs. Seguidora fiel da carreira de Matheus & Kauan, a turismóloga Dalva Silveira, de 38 anos, afirma (categoricamente) que não está disposta a pagar para assistir a uma live da dupla, ou de qualquer outro cantor. 

"Acho até justo fazer uma campanha de doação para aumentar a renda da equipe que trabalha na produção, ou mesmo cobrar um cachê voluntário pelos aplicativos. Agora, venda de ingressos ou implementação de pay-per-view, acho extremamente fora de contexto", responde, enfática, enumerando os motivos da afirmação negativa.

"Não há o mesmo impacto que um show ao vivo, por exemplo. A barreira da distância física ainda é frustrante para o fã. Além disso, o país está em crise financeira, com várias pessoas sem renda. Esses eventos ficariam pouco inclusivos, criando uma espécie de barreira cultural. Um bem artístico não tem preço, é imaterial", defende. 

BASTIDORES

O que pensam produtores, técnicos e assistentes sobre a lives cobradas? São profissionais que ficam nos bastidores e, provavelmente, os que mais sofrem com a crise que se abateu sobre a indústria do entretenimento.

Produtor cultural responsável por eventos como o Formemus, que, em 2020, acontece em agosto, apenas em formato virtual, Daniel Morelo aponta que apresentações virtuais com arrecadações para o artista acontecem há um bom tempo no Brasil e no mundo.

"A diferença é que, enquanto existiam os eventos físicos, gratuitos ou não, a cobrança de lives na música brasileira não era uma problemática, a ponto de ser debatida pelo mercado. Primeiro virou uma febre e, agora, a indústria precisa entender como se posicionar nesse filão."

Morelo compara as propostas de Anavitória e do Teatro Mágico como exemplo. "Há uma diferença de percepção. O Teatro Mágico foi atrás de seu público mais fidelizado, que tinha investido em campanhas coletivas de arrecadação e merchandising. Eles focaram no fortalecimento de uma relação intimista. Por sua vez, Anavitória teve o anúncio do valor de R$ 95 da live como a principal notícia, ou seja, a informação apareceu para o público de uma forma bem distorcida, o que trouxe um desgaste desnecessário para elas. E foi muito no início, gerou um certo desconforto", aponta.

O produtor adianta que o Formemos, marcado para os dias 7 e 8 do próximo mês, terá uma série de debates sobre a produção de lives, pagas ou não.  "Estamos estudando como abordar o tema, porque em agosto já vão ter passado seis meses de isolamento social, então,  o que foi apresentado sobre o assunto nos permite fazer reflexões mais profundas."

Daniel defende que as transmissões ao vivo, tanto as cobradas como as gratuitas, podem se tornar uma realidade cada vez mais presente no mercado cultural no período pós-pandemia. 

"Quando for liberado o retorno, outras questões devem ser debatidas. Muitas casas de shows não devem reabrir, por conta da crise. Além disso, haverá limitadores de eventos públicos, como a falta de resolução dos Planos Urbanos sobre espaços públicos culturais, tanto diurno quanto noturno. Então, acredito que os artistas, principalmente os independentes, terão ainda mais dificuldade de ter espaços públicos para se apresentar. Os eventos on-line, onde o espaço é muito mais permissivo, é uma ferramenta que permite o artista chegar até o público em qualquer lugar do mundo", complementa.

Gusttavo Limma também está com um projeto para cobrar ingressos em suas lives. (Reprodução/Instagram)

O exemplo citado por Daniel Morelo casa perfeitamente com ideia apresentada pelo colunista Léo Dias, em uma entrevista recente à rádio Metrópoles, do Distrito Federal. O jornalista destaca que lives pagas devem ser uma tendência do mercado, por conta das restrições impostas pela Covid-19.

Segundo Dias, está sendo articulada uma “central de eventos live” na indústria musical e a expectativa é que cada artista ofereça a transmissão do evento por valores entre R$ 5 e R$ 10, bem mais em conta do que os R$ 50 cobrados pelo O Teatro Mágico.

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Vários artistas, como Wesley Safadão e os já citados Gusttavo Lima e Matheus & Kauã, estão se conscientizando sobre as grandes mudanças na forma de fazer e vender música. Mesmo com os shows e turnês de volta, a realidade do streaming audiovisual na indústria da música é uma saída que, pelo jeito, mostra que está vindo para ficar. 

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