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Jeanne Bilich: a dama do jornalismo no ES abre o jogo sobre o Brasil de hoje

Jeanne Bilich: a dama do jornalismo no ES abre o jogo sobre o Brasil de hoje

Primeira apresentadora de telejornal da TV Gazeta fala de sua vida e sobre os cenários artístico, político e do jornalismo no país

Publicado em 2 de fevereiro de 2020 às 09:00

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Jeanne Bilich foi a primeira apresentadora de telejornal da TV Gazeta. (Fernando Madeira)

Apaixonada por literatura, Jeanne Bilich poderia se encaixar perfeitamente nas características de um personagem da escritora Gabrielle Colette, autora de “Chéri”, “Gigi” (que ganhou adaptação de José Saramago) e várias obras que ressignificaram o conceito de feminismo que revolucionou a sociedade no início do século XVIII.

A jornalista (apresentadora do primeiro telejornal da Rede Gazeta, em 1976); radialista (criadora do histórico "Correio do Amor - Namoro no Rádio", fenômeno de audiência nos anos 1980 na Rádio Gazeta AM); escritora e historiadora política carioca (que é capixaba de coração), se confunde facilmente com o temperamento de Lea de Lonval, Gigi, Claudine e com a própria personalidade da citada autora francesa.

Jeanne é crítica, expansiva, inquieta, intrigante (como Emmanuelle Béart vista pelos olhos do mestre Jacques Rivette, em “A Bela Intrigante”, clássico de 1991) e acima de seu tempo, ou poderíamos dizer “zeitgeist” (termo alemão que significa espírito do tempo).

A jornalista, inclusive, é a pessoa ideal para falar sobre a importância do jornalismo no combate ao estado de repressão, censura às artes e avanço do conservadorismo por que passa a sociedade brasileira. E ela (para o nosso espanto!) topou o desafio, recebendo a reportagem de A GAZETA em seu charmoso apartamento em Vitória, que chama carinhosamente de "A Casa da Bruxa".

"Tenho fetiche sobre o tempo. Há tempo para falar, ouvir e se calar. Por isso, vi que era tempo de 'apagar a luz' do jornalismo profissional na minha vida em 2003. Hoje, dedico os meus dias a ler, estudar (adora astronomia, história e filosofia) e participar de projetos sociais e educativos que realmente façam a diferença a uma sociedade que hora se revela envolta em uma onda de obscurantismo", dispara Jeanne, conhecida pela franqueza, mas também pelo sorriso esfuziante, que contagia e apaixona a todos que a rodeiam.

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    Sou inquieta, curiosa, uma velha que gosta do novo (retorce os olhos entre uma baforada e outra de cigarro). A vida é uma mudança, nada é estático. O jornalismo para mim não trazia mais nada de novo. Ganhou um viés muito mercantilizado com o avanço do hipercapitalismo.

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    Gosto de ter liberdade! Sou uma metamorfose ambulante (risos). Não tenho partido, clube, religião e não compartilho de ideologias políticas. Sou membro da Academia Espírito-Santense de Letras e não participo muito das reuniões. O jornalismo perdeu um pouco de sua profundidade, capacidade analítica e espaço para exercitar o senso crítico.

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    Acredito que todo conhecimento é para ser compartilhado. O problema das redes sociais é que as pessoas se fecham em bolhas, em grupos que, às vezes, não estão abertos à experimentação do diferente. Todo totalitarismo é estúpido, seja de direita ou de esquerda, não acha? (risos). O jornalismo até para sobreviver, e penetrar em novas camadas do tecido social, tenta embarcar nesse contexto de sociedade superficial, fruto de um tripé que se baseia no rápido sobre o lento, no fácil sobre o difícil e no simples sobre o complexo. A internet é maravilhosa, nos dá a oportunidade de ter o conhecimento do mundo em nossas mãos (mostra o celular), mas boa parte da sociedade que se mantém infantilizada e imediatista não mostra interesse em acessar todo esse conhecimento, bastando uma consulta ao "oráculo" Google.

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O jornalismo, até para sobreviver e penetrar em novas camadas do tecido social, tenta embarcar nesse contexto de sociedade superficial, fruto de um tripé que se baseia no rápido sobre o lento, no fácil sobre o difícil e no simples sobre o complexo.

Jeanne Bilich
Jornalista e Historiadpra Política
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    A ausência de referências históricas e socias auxiliam na divulgação das fake News. Então, a política do "achismo" passa a ser verdade. Veja os movimentos terraplanistas, a defesa do criacionismo no Ministério da Educação e a campanha antivacinação, ameaças à saúde global e mental da população. Se formos mais longe, as informações falsas e distorcidas acabam por nos conduzir a um viés político de desconstrução social. Inclusive, a desconstrução da legislação trabalhista, uma luta de séculos em defesa da classe trabalhadora. Decididamente, não é possível confiar nas opiniões espalhadas das redes sociais (outra profunda baforada de cigarro).

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Jeanne Bilich posa em sua sala. (Fernando Madeira)
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    Mesmo com todos os problemas, um jornalismo forte, questionador e analítico ainda é o único "antídoto" para dissipar tantas inverdades. A imprensa séria é fonte confiável de informação, o único suporte e escudo para uma democracia viva e plena. O jornalismo investigativo é o único capaz de conter a ideologia retrógrada e reacionária de governos totalitaristas. Por isso, a imprensa vem sendo tão perseguida e atacada. Não é um fenômeno só no Brasil contemporâneo. Veja casos como o dos Estados Unidos, com Donald Trump, da Turquia, com Tayyip Erdogan, da Hungria, com Viktor Orbán, e das Filipinas, com Rodrigo Duterte? Vivemos em um mundo digitalizado, com um pensamento horizontalizado. Os conservadores querem que a sociedade volte a ser piramidal, com os privilégios conhecidos da elite. Hoje, os ganhos sociais da década de 1960 e 1970, como a revolução feminista, ascensão dos direitos dos homossexuais e dos negros, além da revolução sexual, estão correndo um sério risco. Estamos vivendo em um momento de forte repressão e "disruptura" política.

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Um jornalismo forte, questionador e analítico ainda é o único 'antídoto' para dissipar tantas inverdades. A imprensa séria é fonte confiável de informação, o único suporte e escudo para uma democracia viva e plena.

Jeanne Bilich
Jornalista e Historiadora Política
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    Como Ferreira Gullar, penso que "a arte existe, porque a vida não basta". A arte é perfume e adorno da vida. A arte precisa ser livre! (suspira). Uma sociedade "policialesca" quer colocar limites no ato de pensar. A política de expurgar a pessoa de senso crítico e da sensibilidade provocados pelo convívio com a arte, formam homens rasos, como "androides manipulados". O "zeitgeist" contemporâneo traz à minha mente "Fahrenheit 451", obra de Ray Bradbury lançada na década de 1950. Vejo a criação de colégios militares, a padronização do pensamento e a censura aos livros e às obras de arte com extrema preocupação. Sobre Regina Duarte, vou plagiar a frase de Antônio Fagundes, parceiro de cena por muitos anos: "torço para que ela não saia queimada". Creio que a atriz está em busca de uma experiência nova que, suponho, considere ser a "coroação" de uma carreira bem-sucedida. Admirei-a interpretando Malu Mulher no final da década de 1970. Era um personagem libertário e que ajudou muitas brasileiras a se tornarem mais independentes e se enxergarem como ser humano pleno, não como apêndice do marido, o que a sociedade da época estabelecia. Obviamente, a personagem Malu não se encaixaria em uma pasta do governo Bolsonaro.

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A política de expurgar a pessoa de senso crítico e da sensibilidade provocados pelo convívio com a arte, formam homens rasos, como 'androides manipulados' 

Jeanne Bilich
jornalista e historiadora política
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    Sim... E adoro! (risos). Foi um pedido de Cariê Lindenberg, presidente do Conselho de Administração da Rede Gazeta. Ele queria um programa de rádio de cunho popular. Como não entendo de esportes ou coisas do gênero, pensei logo em romance (risos). A atração fez muito sucesso, tanto na Rádio Gazeta como na Rádio Espírito Santo. Tinha comunicação direta com o público, empatia, chegando a atingir todas as classes sociais, pois permitíamos pseudônimos. Ainda sou reconhecida nas ruas. Tem gente que fala que é casada e feliz até hoje por conta de "Correio do Amor", inclusive, há crianças que ganharam o nome de Jeanne. Um luxo, não é darling (risos)?

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Jeanne Bilich e Amylton de Almeida: amigos inseparáveis. (Jeanne Bilich/Arquivo pessoal)
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    Demais (suspira, emocionada). Era um homem visionário. Autodidata, não completou o ginásio, mas possuía inteligência, cultura e senso crítico singulares. O Amylton era mais do que um jornalista. Ele movimentava a cidade culturalmente, criando debates e discussões sobre a política cultural da época. Ele atuava não só no impresso, mas também como crítico na TV Gazeta, em um quadro que se tornou referência da agenda cultural por muitos anos. Suas críticas eram eruditas, mordazes, satíricas e irônicas, aguçando o leitor a ir ao cinema. Era um gênio de alma atormentada (outro suspiro, agora de boas lembranças). Na época de sua morte, fiz um cruzeiro pelo Caribe tentando anestesiar a dor da sua ausência. Até hoje sinto uma falta imensa, pois éramos como irmãos xifópagos. Uma amizade que perdurou por 30 anos.

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UMA MULHER QUE CRUZOU FRONTEIRAS

Jeanne Bilich com um de seus livros. (Fernando Madeira)

Filha de Jô Figueiredo com o croata Miroslav Bilich, refugiado político e ex-proprietário de uma pequena fábrica de produtos químicos em Zagreb (Croácia), Jeanne Bilich nasceu no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1948. "Meu pai foi o grande responsável por minha formação intelectual. Desde criança, lia revistas e jornais da Europa por conta de seu grande apreço pela informação, cultura e arte", garante a jornalista.

De 1955 a 1960, estudou no Colégio Sacré-Coeur de Marie, em Belo Horizonte (MG), onde a família Bilich residia. Após o falecimento precoce do pai, Jeanne mudou-se para Vitória na condição de aluna interna do tradicional do Colégio do Carmo, de 1961 a 1964. Mais tarde, cursou ensino médio no Colégio Estadual do Espírito Santo.

Em 1971, foi aprovada no vestibular da Faculdade de Direito de Itaúnas (MG). Transferiu o curso para a Unesc, de Colatina, onde se formou em 1975. Quase 30 anos depois, cursou o mestrado em História Social das Relações Políticas na Ufes, concluído em 2005.

Jeanne estreou na imprensa local como repórter de A GAZETA na década de 1970, dando início a quatro décadas de profissão. Paralelamente, após prestar exame na OAB–ES, atuou também como advogada cível e criminal ao longo dos anos 1980 e 1990.

Pioneirismo: Jeanne Bilich foi a apresentadora do primeiro telejornal da TV Gazeta, "Jornal Hoje - Edição Local", em 1976. (Jeanne Bilich/Arquivo pessoal)

Em 1976, foi apresentadora do primeiro telejornal da então criada TV Gazeta, "Jornal Hoje – Edição Local". No final dos anos 70, integrou o time de jornalismo da TV Educativa do Espírito Santo. Na emissora, foi produtora, apresentadora de telejornais e mediadora de programas culturais e de debates.

Na TV Vitória, comandou o programa "Espaço Local" durante dez anos consecutivos, de 1988 a 1998, quando estreou como âncora no "Jornal da TV Vitória" e, três anos depois, assumiu o cargo de editora-chefe. Em março de 2003, deixou a função a fim de dedicar-se exclusivamente ao mestrado de História Política.

Trabalhou nas rádios Espírito Santo, Gazeta AM e CBN Vitória. Idealizou e apresentou o programa "Correio do Amor - Namoro no Rádio", inicialmente na Rádio Gazeta e, depois, na Rádio Espírito Santo. Uma das atrações de maior audiência local durante dez anos, o programa deu origem ao documentário "Cupido no Ar", de Amylton de Almeida – embrião do primeiro longa-metragem capixaba, "O Amor Está no Ar" (1997), também de Amylton, seu grande amigo e "irmãos xifópagos", segundo Jeanne. A jornalista também atuou como cronista do Caderno 2 de A GAZETA, de 2007 a 2015.

Jeanne também trabalhou como assessora de imprensa para governos estaduais e vários secretários de Estado. Também atuou como assessora de comunicação da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, da Ufes.

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(Com informações do Arquivo AG)

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