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Mulheres dominam mostra de longas no 27º Festival de Cinema de Vitória

Mulheres dominam mostra de longas no 27º Festival de Cinema de Vitória

Das seis indicações ao prêmio, cinco são assinadas por mulheres. Na categoria competitiva de curtas, elas preenchem metade das vagas

Publicado em 7 de novembro de 2020 às 15:00

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Longa
"O Livro dos Prazeres" é o primeiro longa de ficção dirigido por Marcela Lordy. Produção é uma das seis indicadas na Mostra Competitiva de Longas. (Divulgação)

O cinema mostra resistência de várias formas. Em meio a pandemia, salas comerciais tentam voltar a abrir com o público tímido e o cinema independente mostra suas cores no streaming. A saída encontrada pelos produtores foi certeira e é onde o 27º Festival de Cinema de Vitória, que acontece de 24 a 29 de novembro, se apoia em 2020. Mas a resistência também é levada na representatividade. 

No total, o festival apresenta neste ano 84 filmes, 21 deles dirigidos exclusivamente por mulheres. Segundo a organização do festival, se levados em conta os projetos feitos em parceria, metade da seleção total do festival possui mulheres na direção.

A Mostra Competitiva de Longas, principal prêmio do evento, foi tomada por elas. Das seis indicações, apenas uma é preenchida por homem. "Curiosamente, a única obra assinada por um homem, Pureza, conta com uma mulher forte como protagonista. Um personagem que luta contra o trabalho escravo", destaca o jornalista e jurado da categoria, Gustavo Cheluje.

Uma das obras selecionadas é "O Livro dos Prazeres", primeiro longa de ficção de Marcela Lordy. O filme é uma livre adaptação da obra “Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector, uma das mais importantes escritoras em língua portuguesa do século XX.

"A  Lori é uma mulher que busca autonomia numa sociedade patriarcal. A Clarice escreveu essa história há 50 anos. É curioso que 50 anos depois a gente volte com estas questões. O longa tem um paralelo inclusive com a minha própria história, o meio do cinema é muito masculino. Durante todos este anos - a ideia de produzi-lo surgiu há 10 anos - fiquei nesse embate de realização e autonomia. É curioso que esse filme represente um processo de conclusão. Eu me encontrei fazendo ele", disse a diretora na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no último dia 28, onde o filme foi exibido pela primeira vez. O festival também foi realizado de maneira virtual. 

Já a Mostra Nacional Competitiva de Curtas, mais longeva e tradicional atração do evento, traz metade dos filmes com mulheres na direção em sua 24ª edição. Das 20 obras selecionadas, nove são dirigidas exclusivamente por mulheres, e uma tem direção mista.

CENÁRIO

Os números são um ótimo sinal para o cenário cinematográfico, que sempre foi dominado pelo gênero masculino. Segundo o Instituto de Cinema SP, entre as 100 maiores bilheterias norte-americanas de 2018, apenas 8% tem diretoras no comando.

"Em outras funções, algumas estatísticas deixam ainda mais a desejar, mulheres assinam apenas 10% dos roteiros, 2% das direções de fotografia, 14% das edições e 24% como produtoras. Já entre as 250 maiores bilheterias de 2017, as mulheres representaram apenas 3% do total de membros das equipes de filmagem", diz trecho de texto publicado pelo órgão.

"O nosso audiovisual está passando por uma fase de ruptura e transformação, com obras cada vez mais voltadas para denúncias sociais. O olhar sensível e observador da mulher faz diferença, neste momento de retomada', analisa Gustavo Cheluje. 

Claudiana Braga, uma das diretoras indicadas na Mostra de Curtas deste ano, diz que o cenário para as mulheres no cinema é realmente desafiador, mas que, ao mesmo tempo, está melhorando aos poucos.

"Há uma ideia de que os homens foram criados para serem confiantes, e as mulheres para serem submissas. As relações nas filmagens são complicadas, porque alguns homens têm essa armadura, não aceitam o direcionamento e a ordem de uma mulher. Mas ao mesmo tempo, a situação vem melhorando. Os Festivais têm que continuar abrindo espaço para as mulheres, como o Festival de Vitória que possui uma mostra dedicada exclusivamente a mulheres."

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Fiz o documentário todo sozinha porque queria me sentir confiante

Claudiana Braga
Diretora
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A diretora é responsável pelo documentário "O tempo e a falta". A obra aborda a relação do idoso com a solidão e tem ligação com as vivências da própria diretora com os avós que a criaram. Todo o processo de produção foi feito pela artista, desde as filmagens à edição. O trabalho solitário, segundo Claudiana serviu para ela se sentir mais confiante quanto a elaboração de um filme.

O Tempo e a Falta acompanha idosos que revelam sentimentos de solidão em seu cotidiano
'O Tempo e a Falta' acompanha idosos que revelam sentimentos de solidão em seu cotidiano. (Divulgação)

FESTIVAL SEMPRE PROCUROU SER DIVERSO

Para Lúcia Caus, diretora do Festival de Cinema de Vitória, a busca por diversidade está presente nas indicações e também no leque de narrativas exibidas. Na este ano, foram selecionados 23 filmes de realizadores negros e negras; 21 filmes dirigidos por mulheres, sendo 10 dirigidos por mulheres negras; 33 filmes com temática de diversidade sexual; e 02 filmes realizados por pessoas com deficiência; além de 22 filmes universitários.

“O Festival busca a cada ano ampliar a diversidade de narrativas tanto nas mostras temáticas quanto nas mostras tradicionais do evento. Acabamos de fechar uma parceria com a Mostra AudioTransVisual para exibir 17 filmes de realizadores transgêneros. Com relação a participação das mulheres, os 21 filmes se referem às obras exclusivamente dirigidas por mulheres.”

Das 12 mostras do Festival de Cinema de Vitória, quatro são dedicadas à diversidade: a 10ª Mostra Quatro Estações, com produções que abordam a temática da diversidade sexual; a 5ª Mostra Mulheres no Cinema, sessão com filmes dirigidos exclusivamente por mulheres e que aborda as questões de gênero, valorizando a atuação feminina por trás das câmeras; e a 5ª Mostra Cinema e Negritude, com filmes produzidos exclusivamente por realizadores negros e que tratam das narrativas que atravessam a população negra no Brasil.

Lúcia Caus diz que, apesar dos desafios serem grandes para a cultura, o cenário em relação à diversidade vem avançando. “Se levarmos em conta o levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine), divulgado em 2018, tendo como base os 142 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente em salas de exibição no ano de 2016, que apontava que mulheres só assinavam a direção de 19,7% dos filmes lançados naquele ano, podemos acreditar que a representatividade feminina no audiovisual começa a mudar.”

E, mesmo diante do cenário de corte de recursos, a diretora acredita na própria força daqueles que trabalham com a cultura: “O setor cultural sempre foi feito de luta. A cada nova edição do festival, por exemplo, a gente batalha por apoio, patrocínio, editais. São 27 anos de batalha, porque a gente acredita que a cultura, ao lado da educação. São peças transformadoras de uma sociedade. É na cultura que a gente se reconhece enquanto nação.”

COMO ACOMPANHAR O FESTIVAL

Neste ano, a vibração calorosa das plateias do Festival terá de ser à distância. A pandemia da Covid-19 e suas exigências sanitárias levaram o Festival a se reinventar. Neste ano, o evento será on-line, e as mostras transmitidas através da InnSaei.TV, uma plataforma de streaming que, abriga filmes e séries e permite a transmissão de eventos, mostras e festivais.

Para assistir os filmes da edição deste ano é necessário fazer o cadastro na plataforma. Cada filme ficará disponível por 24 horas e as exibições serão gratuitas. O 27º Festival de Cinema de Vitória acontece entre 24 e 29 de novembro. Para conhecer a programação completa do Festival acesse o site do evento. Confira a lista de filmes selecionados aqui.

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*Vinícius Zagoto é aluno do 23° Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, sob orientação do editor Erik Oakes.

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