Publicado em 3 de outubro de 2021 às 13:02
BRASÍLIA - O deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) incluiu em seu relatório da MP (Medida Provisória) da crise hídrica a extensão de subsídios para usinas a carvão e outras medidas para setores específicos que, segundo entidades e especialistas, devem aumentar o custo da energia no país. >
Estimativas da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) apontam que o custo repassado para conta de luz vai chegar a R$ 46,5 bilhões. >
No jargão do Congresso, as emendas estranhas ao tema principal de uma MP -como fez o deputado- são apelidadas de "jabutis". >
Viana apresentou seu relatório na sexta-feira (1º). O texto publicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no final de junho já está valendo. Para que as alterações feitas pelo parlamentar entrem em vigor, a MP precisa ser votada pela Câmara e pelo Senado. >
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O ponto principal da MP é a criação da CREG (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética), um grupo emergencial de monitoramento do sistema elétrico liderado pelo Ministério de Minas e Energia. >
O objetivo da câmara é garantir uma resposta mais rápida eficaz do governo no enfrentamento da crise hídrica. >
O comitê recebeu poderes para decidir sobre o nível de vazão de água nos reservatórios das hidrelétricas, um tipo de medida que antes dependia do aval de agências como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento). >
Em seu relatório, Viana incluiu um dispositivo que, na prática, dá mais poderes ao presidente da República. >
A mudança permite que, em situações de escassez hídrica, o chefe do Executivo instaure a CREG a qualquer momento por meio de decreto e defina sua duração. >
O decreto só pode ser editado caso a ANA comunique situação de escassez ou por recomendação do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) da entidade. >
De acordo com o texto original editado por Bolsonaro, a previsão era que a duração do grupo emergencial terminasse em 30 de dezembro de 2021. >
O congressista também estabeleceu que a CREG terá competência para promover ações de conscientização sobre redução voluntária do consumo de energia. >
Entidades do setor criticaram os trechos do relatório de Viana que tratam de benefícios e subsídios a segmentos específicos. Essas inclusões feitas pelo deputado não têm relação com o grupo emergencial de monitoramento do sistema elétrico. >
Viana acrescentou no texto, por exemplo, a ampliação de subsídios para a produção de energia a partir do carvão mineral. Pela nova redação, o prazo para uso de recursos da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) na promoção desse combustível passou de 2027 para 2035. >
Ele colocou como condicionante que o benefício valerá apenas para as termelétricas que, a partir de 2028, passem a substituir o carvão por biomassa. >
Viana também acolheu uma emenda que permite que as despesas de instalação de gasodutos sejam diluídas nos custos de transmissão do setor elétrico. >
Ana Carla Petti, presidente da MegaWhat Consultoria, explica que a modificação determina que o custeio desses novos gasodutos deverá ocorrer por meio da tarifa de uso do sistema de transmissão, que é paga pelos consumidores e pelos geradores. >
Ela considerou ainda que a definição da competência do presidente para "instituir e definir o prazo de duração da CREG por meio de decreto é importante por tornar esse processo mais célere". >
Já Paulo Pedrosa, da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), criticou a inclusão dos "jabutis". >
"É impressionante a perspectiva de um parecer que traz tantos custos para a sociedade ser votado sem transparência e sem debate. Com o debate, vai ficar evidente que essas novas inclusões são péssimas para consumidores e para a sociedade. Mais da metade da nossa energia já está atribuída a custos adicionais que não fazem parte da cadeia da energia. E isso tira desenvolvimento do país", afirma. >
O relator também estendeu o prazo para que os geradores decidam pela renovação do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica). >
Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e especialista em energia, concorda que as medidas incluídas no relatório devem elevar o preço da energia elétrica. >
"O consumidor vai pagar, além do consumo da energia, a construção de gasodutos que abastecem as termelétricas por meio de tarifa. Isso tende a distorcer a matriz de recursos", afirma. >
Sobre a prorrogação do Proinfa, o especialista diz que a contratação deveria ser feita por meio de leilão, porque cria reserva de mercado. >
Ao colocar diferentes "jabutis" em seu relatório, Viana tenta repetir a estratégia adotada pelo Congresso durante a votação da MP da desestatização da Eletrobras. Na ocasião, parlamentares conseguiram incluir emendas que não estavam na versão original do projeto. >
Segundo associações do setor elétrico, as mudanças feitas na MP da Eletrobras irão encarecer a geração de energia nos próximos anos. O governo refuta a tese e diz que, apesar das alterações do Parlamento, haverá corte no custo da energia. >
Pelas estimativas de Abrace os custos adicionais serão bilionários. >
Na contratação de reserva de capacidade, por exemplo, o custo de gasodutos pode ser incorporado ao custo do sistema de transmissão de energia. Nesse caso, o aumento para geradores e consumidores deve chegar a R$ 33,2 bilhões para 15 anos de operação. >
A prorrogação do subsídio para carvão nacional, que acabaria em 2027 e seria estendido até 2035, criaria uma conta extra de R$ 2,8 bilhões na CDE. >
A entidade também avaliou um outro ponto: a reserva de mercado de PCHs da MP Eletrobras. Haveria aumento no prazo dos contratos de 20 para 25 anos. Considerando encargos e tributos, o aumento seria de R$ 700 milhões. >
Foi avaliada também a extensão do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) por 20 anos. O impacto seria de R$ 8 bilhões. Como será possível elevar a entrega de energia a preços fixados, sem competição, a Abrace avaliou que para cada 10% de aumento da entrega de energia, o custo do Proinfa aumenta em R$ 1,9 bilhão. >
Procurado, o deputado Adolfo Viana não retornou os contatos feitos pela Folha. >
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