Publicado em 20 de novembro de 2022 às 12:02
FERNANDA BRIGATTI>
O racismo enfrentado por empregados em seus locais de trabalho já levou pelo menos 22.511 ações à Justiça do Trabalho em todo o Brasil, desde 2014, entre processos já encerrados e em andamento.>
O levantamento feito pela empresa de jurimetria Datalawyer aponta para um crescimento, ano a ano, no volume de processos trabalhistas que citam, em suas petições iniciais, termos como racismo, injúria racial, discriminação racial ou preconceito racial.>
Na Justiça do Trabalho, o pedido feito por quem foi alvo de racismo é a indenização por dano moral. Ao todo, essas mais de 22 mil ações já movimentaram R$ 4,34 bilhões.>
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O valor não se refere apenas às indenizações, pois, como acontece em outras ações trabalhistas, o mesmo processo pode incluir mais pedidos, como o pagamento de horas extras ou reconhecimento de vínculo de trabalho.>
Há, porém, processos que tratam apenas do dano moral causado pelo preconceito, como na ação iniciada por uma trabalhadora contra uma fundação educacional no Rio de Janeiro.>
No processo, ela contou ter sido abordada por um inspetora no banheiro, que trazia um recado de uma superior. ''Avisa para aquela ali baixar o volume do cabelo para voltar a trabalhar amanhã'', afirmou a empregada na ação.>
Ela disse também que essa inspetora riu do próprio aviso e depois confirmou que se tratava de um pedido para "pentear o cabelo.">
A abordagem foi em 2016, quando a denunciante era jovem aprendiz nessa fundação. Uma colega que também estava no banheiro confirmou à Justiça do Trabalho o que a funcionária disse e acrescentou que ela parecia ter ficado constrangida.>
A emissária do recado confirmou o que afirmou, segundo relatório da sentença, mas disse que "fez apenas um comentário, não teve intenção de constranger [a trabalhadora]".>
Para a juíza do trabalho Dalva Macedo, da 70ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, as testemunhas ouvidas e o relato da funcionária comprovaram que a funcionária da instituição agiu para "constranger a reclamante, menor aprendiz, com ofensa preconceituosa e de conotação racista.">
"Não há dúvidas de que a empregada que é abordada por um motivo desvinculado do trabalho, vê-se acuada no ambiente de trabalho, apreensiva e com medo de sofrer as represálias do empregador. Ademais, a conotação desrespeitosa ligada a uma característica afrodescendente, agrava a situação da ré", escreveu a juíza, na sentença.>
A vítima recebeu R$ 30 mil de indenização por danos morais. A ação, iniciada em 2017, foi encerrada em 2020.>
Esse foi também o valor recebido por um funcionário de São Paulo que relatou ter sido ofendido seguidas vezes pelo zelador do prédio em que trabalhava. Ele era porteiro e, segundo disse na ação, o homem se referia a ele como "negro safado", "gay" e "macaco" para colegas de trabalho e moradores do residencial.>
A Vara do Trabalho de Cajamar aceitou o pedido e definiu que o dano moral custaria R$ 30 mil à empresa que fornecia mão de obra (e que era a empregadora do porteiro e do zelador), mas o TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região) reduziu a compensação financeira para R$ 5.000.>
No TST (Tribunal Superior do Trabalho), porém, os ministros da 2ª Turma decidiram cancelar a redução e a indenização ficou em R$ 30 mil.>
Para a relatora do caso na corte superior, ministra Maria Helena Mallmann, os relatos de como o zelador se referia ao funcionário são evidência da "gravidade da agressão à honra do empregado, que foi atingido em aspectos sensíveis de sua personalidade.">
"Assim, tendo em vista a posição vulnerável do trabalhador na dinâmica empregatícia, o teor racista e discriminatório das ofensas proferidas, e a reiteração e publicização das agressões", escreveu a relatora, "não se reputa razoável a fixação do quantum indenizatório em R$ 5.000".>
O estado de São Paulo é, segundo a análise da Datalawyer, aquele com o maior número de casos ativos atualmente. São 3.754 ações ainda em andamento nos dois tribunais que atendem empregados da região.>
Em segundo lugar está o Rio Grande do Sul, com 1.238 ações que citam racismo, preconceito racial, discriminação racial e injúria racional nos pedidos iniciais.>
Os dados da ferramenta de jurimetria mostram como a inclusão desses termos têm aumentado a cada ano. Em 2018, 1.291 processos tratavam de temas ligados a racismo nas ações trabalhistas. Em 2022, de janeiro a 18 de novembro, são 3.328 casos.>
Há crescimento também em relação ao ano passado. No primeiro semestre de 2021, 1.793 citavam essas questões. No mesmo período deste ano, foram 2.042.>
Para a Justiça do Trabalho, além de ataques diretos à honra do trabalhador, como em xingamentos e constrangimentos, o racismo também pode aparecer na falta de diversidade. Em 2020, uma grande rede de laboratórios foi condenada a indenizar em R$ 10 mil uma funcionária por deixar de contemplar, em seu guia de treinamento, pessoas negras.>
Esse manual definia padrões para roupas, maquiagem e cabelos. Não considerava, porém, pele preta e cabelo crespo. A funcionária contou na ação que pediu para manter seu black power solto, como faziam colegas que tinham cabelos curtos, mas teve o pedido negado.>
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