Publicado em 17 de novembro de 2023 às 20:06
A solução jurídica costurada pelo Ministério da Fazenda para limitar o tamanho do contingenciamento de despesas em 2024 é apontada por ministros da ala política como um fator decisivo para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros membros do governo a manter a meta fiscal de déficit zero para o ano que vem.>
A avaliação é que a expectativa de um freio menor sobre os gastos contribuiu para diluir a percepção negativa de que a manutenção desse compromisso levaria à compressão dos investimentos públicos em caso de frustração de receitas.>
Em entrevista nesta sexta-feira (17), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que, na visão da pasta, o contingenciamento só poderá chegar a R$ 22 bilhões ou R$ 23 bilhões.>
O cálculo parte da interpretação conjunta de duas regras: a que trava o contingenciamento em até 25% das despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo de bloqueio) e a que disciplina a expansão real do limite de despesas, com variação entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.>
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Enquanto a primeira regra poderia sugerir um contingenciamento de até R$ 53 bilhões, que assustou a ala política, a interpretação da Fazenda para a segunda regra limita o risco a menos da metade do valor inicial. Segundo Haddad, em qualquer situação, a necessidade de contingenciar recursos não pode se sobrepor à garantia de expansão mínima de 0,6% acima da inflação.>
Como antecipou a Folha de S.Paulo, o entendimento da Fazenda parte de um esforço do governo para criar um argumento jurídico para limitar a trava sobre os gastos de 2024 e estancar a pressão por uma mudança na meta. A medida tem sido vista por técnicos como manobra, rótulo rejeitado por aliados do ministro.>
Segundo interlocutores, já há um parecer da área jurídica do Ministério da Fazenda, emitido após uma consulta formal feita pela pasta. O próximo passo é alinhar essa posição com a AGU (Advocacia-Geral da União).>
Membros da equipe econômica defendem esse entendimento sob o argumento de que ele preserva o espírito do novo arcabouço fiscal de assegurar uma política anticíclica, capaz de estimular a economia em períodos de desaceleração, por exemplo.>
Se a frustração de receitas levar à necessidade de contingenciamento, que isso seja feito até certo ponto, sem obrigar o governo a impor um freio tão grande que reforce o ciclo de baixa da atividade econômica, argumentam esses interlocutores.>
Segundo relatos, o governo inclusive tem buscado registros dos debates travados no Congresso Nacional durante a tramitação do novo arcabouço fiscal para subsidiar os pareceres jurídicos sobre o tema. A avaliação é que o próprio espírito do legislador era preservar esses gastos.>
A questão é controversa. Após a discussão jurídica ficar pública, agentes do mercado financeiro criticaram a estratégia do governo. Em relatório a clientes, a XP Investimentos disse que a interpretação "enfraquece a credibilidade do arcabouço fiscal".>
Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Rena, faz alerta de que limitar o contingenciamento a um valor reduzido pode, na prática, significar um déficit primário ainda maior em 2024, com consequências sobre o endividamento do país.>
"Ocorre que todos incorporariam nas estimativas uma despesa sistematicamente maior, motivada pela própria limitação ao corte de discricionárias", diz.>
Hoje, o mercado já tem uma expectativa mais pessimista do que o governo para o desempenho das contas públicas em 2024. Enquanto Haddad promete um déficit zero, os agentes projetam um rombo equivalente a 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), muito além do 0,25% negativo tolerado pela nova regra do arcabouço, que prevê uma margem para cima ou para baixo.>
Isso significa que a limitação do contingenciamento pode reforçar o descumprimento da meta fiscal no ano que vem — o que acionaria gatilhos de contenção de despesa em 2025 e forçaria uma redução no ritmo de expansão de gastos em 2026, ano eleitoral.>
O debate sobre o entendimento jurídico do governo tem sido travado pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento, pela Casa Civil e pela AGU.>
A maior preocupação de Lula com relação à meta, externada mais de uma vez, era com a previsão de cortes em investimentos, sobretudo em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).>
"Deixa eu dizer para vocês uma coisa. Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país", afirmou Lula no último dia 27, em café da manhã com jornalistas.>
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