Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"O Eleito": Série da Netflix é uma ótima surpresa

"O Eleito" adapta a HQ de Mark Millar em uma série cheia com boas viradas e história de um jovem que pode ou não ser a reencarnação de Jesus Cristo

Vitória
Publicado em 17/08/2023 às 02h00
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Série "O Eleito", da Netflix, lida com uma possível reencarnação de Jesus Cristo. Crédito: Carla Danieli/Netflix

Apesar de adaptações de sucesso no cinema, como o cultuado “O Procurado” ou o popular “Logan”, além de filmes como “Kingsman” e “Kick-Ass”, Mark Millar ainda não viu nenhum de seus trabalhos se sair bem como série, o que não deixa de ser uma frustração para as produtoras. Em 2017, a Netflix adquiriu a Millarworld, editora do autor, e, com isso, os direitos de adaptações de suas obras. O primeiro projeto, vendido como uma superprodução, foi “O Legado de Júpiter”, talvez um dos maiores fracassos da Netflix; em seguida, a plataforma lançou a boa “Super Crooks”, mas a recepção foi morna e hoje a série nem sequer é lembrada. Qual seria o problema de Millar e as séries?

“O Legado de Júpiter” não é uma HQ de fácil adaptação – violenta e com anseios grandiosos, uma possível adaptação fiel, em live-action, seria absurdamente cara e para um público restrito. Uma das saídas talvez fosse uma série em animação, algo como a espetacular “Invencível” da Amazon Prime Video, que adapta HQ de Robert Kirkman para as telas com fidelidade, mas divago.

“O Eleito”, nova adaptação de Millar na Netflix, é uma história menor, mais fácil de ser contada de forma simples. A série, que adapta a HQ homônima, acompanha Jodie (Bobby Luhnow), um menino de 12 anos que fugiu dos EUA com a mãe, Sara (Dianna Agron), e acabou em um pequeno vilarejo no México. No meio do nada, em uma região meio esquecida, Jodie fez amigos e a família se estabeleceu, mas Sara está sempre alerta e pronta para fugir novamente.

Um dia, ao embarcar em uma aventura com os amigos adolescentes, Jodie sofre um acidente e ninguém sabe ao certo como ele sobreviveu. A lenda do jovem que sobreviveu por um milagre se espalha e Jodie, de fato, percebe haver algo diferente; Jodie ouve vozes, tem sonhos estranhos e sente coisas, mas, não sabe ao certo o que isso significa. Será ele a reencarnação de Cristo?

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Série "O Eleito", da Netflix, lida com uma possível reencarnação de Jesus Cristo. Crédito: Carla Danieli/Netflix

Em seis episódios, “O Eleito” é eficiente ao entregar as informações com cautela, mantendo sempre o impacto de suas viradas. O texto segue caminhos óbvios, e isso não é um demérito, em seu único arco, com Jodie cedendo às tentações de ter poder, de ser admirado. Há momentos de didatismo, como quando ele percebe os pecados capitais e narrativa opta por flashbacks para mostrar quando ele cedeu àquilo, cenas que o público viu há pouquíssimo tempo, mas essa exposição não incomoda tanto.

A série comandada pelo showrunner Everardo Gout (“Caleidoscópio”, “Uma Noite de Crime – A Fronteira”) escancara suas referências de cinema oitentista, de filmes como “Conta Comigo” ou séries como “Stranger Things” (que emula a época), ao utilizar a tela sempre em dimensão 4:3, emulando o formato das antigas TVs. Essa influência também é marcada pelo texto na construção de um grupo de amigos inseparáveis; é como se Jodie fosse a Eleven do grupo. Outra boa ideia é a de situar a série no interior do México, uma região com forte influência religiosa e em que não questionariam muito uma possível reencarnação de Cristo após alguns “milagres”.

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Série "O Eleito", da Netflix, lida com uma possível reencarnação de Jesus Cristo. Crédito: Carla Danieli/Netflix

Mark Millar não é um autor conhecido pela sutileza – na HQ de “O Procurado”, por exemplo, há um monstro de fezes. Essa característica de Millar influencia diretamente em “O Eleito”, mesmo que a série dê mais importância ao mistério, é levada para as telas. Desde os primeiros flashbacks de Sara, a semente da virada final está plantada sem muito segredo.

“O Eleito” é uma série rápida, curta, perfeita para ser maratonada sem muito esforço. O final da série, ou da temporada, traz um ensaio dos caminhos que as HQs seguem adiante, mas é necessário analisar se vale a pena transformar a série em uma trilogia de temporadas, com cada uma adaptando uma HQ. Enquanto o primeiro voluma do material original é ótimo, os dois subsequentes nunca repetem a qualidade. Millar opta pelo choque, pelo impacto que acredita que seu material possa causar, e isso nem sempre funciona.

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Série "O Eleito", da Netflix, lida com uma possível reencarnação de Jesus Cristo. Crédito: Carla Danieli/Netflix

Ao fim, “O Eleito” funciona como uma minissérie, mas pode perfeitamente ser expandida em novas temporadas se passar pelo nada justo crivo da Netflix, pois há material para isso, como sugerido nas cenas finais. Tendo em foco somente os seis episódios recém-lançados, a série é surpreendentemente boa, com bom mistério, atuações ao menos razoáveis do elenco adolescente (sempre um desafio) e uma execução simples, mas eficaz, mostrando que às vezes não é necessário um grande orçamento, apenas algum talento e boas ideias. A melhor adaptação de Mark Millar para a TV (ou o streaming) é justamente a mais simples.

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