Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"Império da Dor", da Netflix, dá ar pop a história real pesada

Minissérie "Império da Dor" conta história da epidemia de opioides dos EUA a partir do OxyContin, um analgésico viciante e parte de um esquema de prescrição médica

Vitória
Publicado em 12/08/2023 às 16h31
"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX
"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX

Lançada em 2021 pelo Hulu e disponível no Brasil via Star+, a minissérie “Dopesick” é uma narrativa dura e cruel da crise de opioides nos EUA do final dos anos 1990 e início dos anos 2000. O problema estava diretamente ligado à facilidade de prescrição de OxyContin, medicamento da Purdue Pharma, e a um elaborado esquema de divulgação e prescrição do remédio considerado “heroína em comprimido”. O tom da série é quase documental e assusta pela sobriedade de uma história sobre a qual seria fácil construir um melodrama. Agora, “Império da Dor”, lançada pela Netflix, reconta a mesmíssima história, mas com uma pegada mais pop, cheia de liberdades criativas e um senso de espetáculo que não combina com o peso da trama.

Enquanto “Dopesick” é baseada no livro homônimo de Beth Macy, “Império da Dor” se baseia em um artigo da revista “New Yorker” e em um livro escrito por Barry Meier, textos com foco maio na família Sackler, dona da Purdue Pharma, do que nas vítimas em si. Talvez até para apresentar algo novo em comparação à série lançada em 2021, “Império da Dor” é um produto diferente, uma nova forma de se contar a mesma história.

Em seis episódios, a minissérie da Netflix se aproxima de um produto mais pop, mas ainda doloroso. A série explica direitinho a origem do OxyContin, um medicamento para dor que deveria ser usado apenas como paliativo em casos graves, e como ele se tornou um remédio de fácil acesso para qualquer um que reclamasse de alguma dor. “Império da Dor” é eficiente ao mostrar a estratégia de convencimento para que médicos receitassem o remédio em um grande esquema cheio de meninas bonitas trabalhando diretamente nesse processo. Jovens eram recrutados quase como em um esquema de pirâmide com ares de culto, algo muito similar ao que fazem os coachs hoje em dia, prometendo enriquecimento e glamour desde que você não se importasse muito com o aspecto ético.

A estrutura da série é muito similar à das obras de Adam McKay (“Hora de Vencer”, “Vice”, “A Grande Aposta”, “Não Olhe Para Cima”), com uma narração deixando tudo devidamente explicado, sem o menor espaço para a subjetividade. A narradora é Edie Flowers (Uzo Aduba), uma investigadora da Procuradoria dos EUA que tem pavor aos Sackler. É um depoimento dela a um grupo de advogados que conduz a série, explicando cada virada e cada suposta surpresa trabalhada pelo roteiro.

"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX
"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX

A construção a partir da narração é alternada com a história de Glen (Taylor Kitsch), um mecânico que se vicia em OxyContin após um acidente que o deixa com dores nas costas. É esse arco que lida com a epidemia e a gravidade do caso, com a família de Glen representando todos os aspectos do estrago que o vício causa à família e ao próprio viciado. O outro arco trabalhado é o de Shannon (West Duchovny, filha de David Duchovy, de “Arquivo X”), uma jovem recrutada pela Purdue para convencer médicos a receitar o remédio. É pelos olhos dela, uma novata em tudo aquilo, assim como o espectador, que a série apresenta o funcionamento e a dinâmica do esquema.

“Império da Dor” é melhor quando foca em seu lado humano, no melodramático arco de Glen e sua família. É nesse ponto também que a série é mais respeitosa com a dor, pois, quando trata a Purdue e seu esquema, a narrativa é pop, ágil, quase sempre em montagens que se assemelham a videoclipes ou às recentes obras sobre grandes golpes no mercado (tema que se encaixa ao texto). Provavelmente para aliviar essa narrativa espetacularizada de uma trama tão pesada, a série traz depoimentos de parentes de vítimas antes de cada episódio, pessoas marcadas pela dor causada pela Purdue Pharma.

"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX
"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX

Ainda, o texto escorrega em algumas tramas, na necessidade do melodrama novelesco para mostrar que “drogas são ruins”. Meio que sem querer, “Império da Dor” transfere culpa em alguns arcos, além de trazer discurso negacionista e conspiratório em outros momentos. Ao tentar humanizar Richard Sackler, por exemplo, e criá-lo como uma espécie de gênio do mal, a minissérie o transforma em seu protagonista e em uma figura mais simpática ao público; a ótima atuação de Matthew Broderick ajuda nessa construção.

“Império da Dor” não surpreende, o que é irônico se pensarmos que o texto toma liberdades criativas, inventando situações e personagens, justamente para um maior impacto em uma história já conhecida – além de “Dopesick”, o documentário “O Crime do Século” (HBO) conta o mesmo caso. Ao invés disso, a série segue sempre pelos caminhos mais fáceis, mesmo quando parece buscar a ousadia.

"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX
"Império da Dor", da Netflix, é história real sobre epidemia de opioides nos EUA. Crédito: KERI ANDERSON/NETFLIX

Ao fim, “Império da Dor” peca pelo didatismo e pelas escolhas que faz ao longo do caminho, mas não é um produto ruim, entregando uma narrativa mais curta e pop para quem ainda não conhece a história a fundo.

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