Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

Estúdios e redes de cinema em guerra. Seria o fim de uma era?

Em meio à pandemia da Covid-19, estúdios repensam distribuição e irritam exibidores

Publicado em 03/05/2020 às 06h00
Atualizado em 03/05/2020 às 06h00
"Trolls 2" . Crédito: Universal/Divulgação
"Trolls 2" . Crédito: Universal/Divulgação

Por incrível que pareça, a semana foi agitadíssima no paralisado mundo do cinema. Para explicar o que rolou, porém, tenho que fazer um pequeno flashback. Vem comigo que te explico no caminho.

Quando os cinemas dos EUA foram fechados devido à pandemia da covid-19, os estúdios ficaram sem ter o que fazer com os lançamentos que estavam agendados. Enquanto a maioria adiou seus principais lançamentos para o final do ano ou até mesmo para o ano que vem, a Universal pensou: “quer saber? Deixa eu testar uma parada aqui”.

A lendária (e conservadora) gigante lançou “Trolls 2” (“Trolls World Tour”) no esquema que chamam de VOD Premium, ou seja, conteúdo “premium”, lançamentos, sob demanda. O filme teve custo estimado de US$ 90 milhões para o estúdio, que, em três semanas, ganhou US$ 100 milhões em locações do filme via streaming. E não é como se ela tivesse liberado o filme baratinho, cada locação custava US$ 19,90, o que dá mais de R$ 100 pela cotação atual da moeda americana.

Para efeito de comparação, o primeiro “Trolls” (2016) custou cerca de 30% a mair e gerou, também em três semanas, US$ 116 milhões em bilheterias - parte dessa grana, vale ressaltar, fica com os exibidores.

A Universal, obviamente, se empolgou. Logo em seguida lançou “O Homem Invisível”, que havia estreado há pouco tempo nos cinemas, e os inéditos “The Hunt”, “Emma” e “Never Rarely Sometimes Always” - o resultado não foi tão bom, US$ 60 milhões somados -, mas o estúdio entendeu haver um mercado e soltou um comunicado com algo tipo “quando os cinemas reabrirem, vamos lançar filmes tanto nas salas quanto no streaming”. É aqui que começa a briga.

Existe um acordo não-oficial sobre a janela entre lançamento do filme nos cinemas e sua disponibilização nos serviços de streaming ou de VOD. Esse acordo de cavalheiros diz que essa janela tem que ser de 90 dias, três meses. A afirmação da Universal de que pode lançar filmes simultaneamente em várias plataformas caiu como uma bomba no combalido mercado de exibidores - lembre-se que as salas estão todas fechadas e o prejuízo só se acumula.

A AMC, maior rede de cinemas do mundo, comprou a briga. Diante dos fatos, ela soltou um pronunciamento que foi mais ou menos assim: “Tá de sacanagem, né Universal? Se resolver lançar os filmes no streaming, também não exibiremos mais nenhum filme de vocês em nossas salas de EUA, Europa e Oriente Médio”. A ameaça, obviamente, não é exclusivamente direcionada à Universal, mas sim a todos os estúdios. Seguindo a gigante, a Cineworld, segunda maior rede de cinemas do mundo, fez a mesma ameaça. É um jogo de forças.

Claro que não será “Trolls”, lançado em uma situação atípica, ou “The King of Staten Island”, filme de Judd Apatow já confirmado para lançamento similar, que colocará pressão no mercado; se realmente quiser esticar a corda, a Universal precisa lançar no streaming os seus peso-pesados como as franquias “Velozes e Furiosos”, “Jurassic World” e “Minions”, mas isso ainda seria muito arriscado.

Vale lembrar que, nos últimos meses, o valor da Netflix ultrapassou o da Disney. Com base no fechamento mais recente, o valor de mercado da Netflix agora é de US$ 158 bilhões contra US$ 154,8 bilhões da Disney. Não é à toa que os estúdios estudam uma mudança na maneira de distribuir seus conteúdos.

Em mais uma lembrança, na última semana a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar, anunciou que pela primeira vez, devido às circunstâncias extraordinárias, irá considerar para a premiação filmes lançados diretamente em plataformas de streaming, ou seja, sem a necessidade de serem exibidos antes nos cinemas por um certo tempo. A medida por enquanto funcionará apenas este ano, mas pode ser um sinal dos novos tempos. A pandemia da covid-19 colocou gasolina na fogueira de uma guerra silenciosa, mas ainda não há sinal do poder destrutivo dessa labareda.

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