Doutora em Epidemiologia (UERJ). Pós-doutora em Epidemiologia (Johns Hopkins University). Professora Titular da Ufes. Aborda nesta coluna a relação entre saúde, ciência e contemporaneidade

Vencemos o projeto de destruição da universidade pública

Dia 30 de outubro de 2022 entrará na História por várias razões. Dentre elas, a ciência e a educação pública superior agora podem sobreviver no Brasil

Publicado em 10/11/2022 às 02h01
Murais de mosaico na Grande Vitória
Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, as universidades federais vêm sofrendo ataques. Crédito: Vitor Jubini

Escrevo essa coluna no calor da emoção. Os últimos 3 anos e 10 meses foram de intensos ataques ao que dediquei 26 anos da minha vida: a educação e a ciência. Juntas, elas têm o poder de trazer prosperidade, progresso e soberania a um país. No entanto, desde o início do governo de Jair Bolsonaro, as universidades federais vêm sofrendo ataques em três frentes principais: os cortes no seu orçamento, as intervenções na autonomia da gestão e a violência simbólica.

Os cortes no orçamento das universidades foram profundos. Em 2019, a verba total (para gastos obrigatórios e não obrigatórios) era de R$ 6,06 bilhões. Nos anos posteriores sofreu cortes que somam 12%. No entanto, se considerarmos a inflação no período de cerca de 20%, as universidades perderam um terço de seu financiamento, uma perda gigantesca. E vivem hoje um sufocamento em suas contas que impedem que honrem seus compromissos básicos de limpeza, manutenção de sua estrutura e garantia de permanência para estudantes de baixa renda.

Quanto às intervenções, pela primeira vez na história da redemocratização tivemos intervenções na escolha dos dirigentes máximos das instituições, com desrespeito à nomeação dos candidatos legitimamente escolhidos. As intervenções visavam o silenciamento das universidades na defesa do estado democrático de direito. No livro lançado pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, é possível entender melhor essa história que ainda deixará marcas profundas em nossas instituições. Sou uma das reitoras eleitas que sofreu a violência política por parte do presidente, e tive meu mandato entregue a alguém que não passou pela consulta à comunidade universitária e por uma decisão monocrática ocupou meu lugar de direito.

Sobre a violência simbólica, ela é também perversa. Buscam constranger e acuar quem está na comunidade universitária. Fomos colocados como inimigos do governo, criou-se a narrativa da universidade como local de balbúrdia, como o local de desqualificação moral e que, portanto, deveria ser combatido. Apesar de todas as tentativas de desinformação e das mentiras, as universidades federais seguem sendo exemplo na produção de ciência e formação de pessoas. Figuram nos rankings internacionais como as mais qualificadas do país. Apesar dos cortes e das intervenções contrariando os ataques simbólicos que vêm sofrendo nesse período.

Diante dessas três formas de ataque, vocês podem compreender que, como cientista e professora, minha luta foi intensa para reverter os danos causados. E em 2020, após a desastrosa condução da pandemia pelo presidente da República, a única alternativa possível era lutar por sua derrota nas urnas.

Dia 30 de outubro de 2022 entrará na História por várias razões. Dentre elas: a primeira vez que um presidente candidato à reeleição foi derrotado, e ainda mais importante, o projeto de destruição da ciência e da educação pública superior no Brasil pode ser detido. Esse governo, com inúmeras falas de que a universidade é lugar apenas para alguns privilegiados, contraria frontalmente o papel da universidade pública como lócus de igualdade de oportunidades, talvez a única oportunidade de mobilidade social para diversas famílias brasileiras. Portanto, derrotar o projeto de destruição da universidade pública e gratuita era nosso dever.

Deixo aqui o registro para a história que não me furtei a ele. Fui para as ruas, busquei voto a voto, lutei pelo futuro daqueles que um dia estarão sentados nas cadeiras da universidade pública e, assim como eu, poderão conquistar seu diploma e seguir sua carreira, como muitos que fizeram antes de nós e muitos que farão depois de nós.

“Combati o bom combate” para garantirmos que a ciência e a educação pública superior pudessem sobreviver no Brasil. Vencemos o projeto de destruição. Que venha o próximo presidente e que ele cumpra a lei de financiamento da educação e da ciência. Estaremos aqui com a atenção redobrada, vigilantes e prontos para os próximos combates que forem necessários para que a garantia da ciência e da educação superior pública e de qualidade possa ser de fato efetivada.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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