Pós-doutora em Saúde Coletiva (UFRJ), doutora em Bioética (UnB), mestre em Direito (FDV) e coordenadora do doutorado em Direito da FDV

Lei para contratações emergenciais é segurança jurídica para o bom gestor

Já o mau gestor público deve ser duramente punido, cível, penal, administrativa e politicamente, pela incompetência na gestão da crise sanitária brasileira

Publicado em 11/03/2021 às 16h13
Novos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com respirador no Hospital Jayme Santos Neves, na Serra.
Respiradores fazem parte da infraestrutura hospitalar de combate à Covid-19. Crédito: Reprodução/TV

*Com Horácio Augusto Mendes de Sousa

No momento em que o Brasil alcança a trágica marca de mais de 270 mil mortos, em razão da Covid-19, foi publicada, no dia 10 de março de 2021, a Lei federal nº 14.124. Essa lei trata de “medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas e de insumos e à contratação de bens e serviços de logística, de tecnologia da informação e comunicação, de comunicação social e publicitária e de treinamentos destinados à vacinação contra a Covid-19 e sobre o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”.

No que toca ao exame do presente artigo, a Lei nº 14.124 estabelece as regras do jogo para contratações públicas sem prévia licitação, de bens e serviços necessários à contenção da crise pandêmica no Brasil, cujos efeitos sociais e econômicos, como se sabe, são devastadores. Cuida-se, portanto, de um regime emergencial de contratações públicas para o atendimento de uma situação igualmente urgente.

Sob o ponto de vista jurídico das contratações emergenciais sem licitação, é possível questionar a necessidade dessa nova lei. Isto porque o direito brasileiro das contratações públicas, de longa data, há mais de duas décadas, já cuida das contratações emergenciais sem licitação, com ampla doutrina e jurisprudência sobre o tema, tratando dos seus limites e possibilidades, consoante o artigo 24, IV, da Lei nº 8666/93.

Não fosse a Lei nº 8666/93, a própria União Federal editou, em fevereiro de 2020, a Lei nº 13.979, que flexibiliza o regime das licitações e contratações emergenciais sem licitação para o enfrentamento da Covid-19. O próprio Estado do Espírito Santo fez o seu dever de casa e editou a Lei Complementar nº 949, publicada em 30 de março de 2020, tratando do regime licitatório e das contratações emergenciais sem licitação, ambos mais flexíveis para a contenção da crise sanitária estadual.

Se é assim, no que tange às contratações emergenciais, qual seria a necessidade e utilidade da Lei nº 14.124/2021?

É certo que maior eficiência no planejamento das licitações e contratações emergenciais para o combate à pandemia, acompanhada de uma maior eficácia na aplicação das leis já existentes, bem poderiam resolver a trágica questão da aquisição das vacinas, por exemplo, sem gasto desnecessário de precioso tempo, energias e recursos públicos.

Afinal, planejamento, eficiência e eficácia são princípios constitucionais de acatamento obrigatório pelos bons gestores públicos, consoante a Constituição Brasileira de 1988, em seus artigos 37, 74 e 174.

Nada obstante, partindo-se da necessidade e utilidade da nova Lei nº 14.124/2021, no que diz respeito às contratações emergenciais sem licitação, também é certo que ela reforça o sistema de segurança jurídica para o bom gestor público que, diante da crise sanitária devastadora, tem, sim, a obrigação constitucional e legal de fabricar boas soluções de interesse público, que viabilizem entregas planejadas, céleres, eficientes e eficazes à sociedade, de modo a efetivar, na vida real da pessoas, os direitos fundamentais à vida e à saúde dos cidadãos no Brasil.

Sob essa ótica, ao especificar hipóteses em que a contratação emergencial sem licitação pode ocorrer, a Lei nº 14.124/2021 acaba por conferir maior segurança jurídica ao bom gestor público — diante da nossa tradição extremamente legalista na gestão pública — que merece toda a proteção do direito, ao contrário do mau gestor público, que deve ser duramente punido, cível, penal, administrativa e politicamente, pela incompetência na gestão da crise sanitária brasileira.

Uma última advertência é necessária. Embora a Lei nº 14.124/2021 reafirme a flexibilização no regime das contratações emergenciais sem licitação para o enfrentamento à crise sanitária, em alguns casos, fazer a licitação, pela via do pregão eletrônico, com prazos reduzidos pela metade, pode se apresentar mais eficiente e eficaz, diante do caso concreto, pelo fato de o gestor público ter mais familiaridade com a licitação do que com a contratação emergencial sem licitação, que demandará sempre um nível de justificação maior do bom gestor público.

Ou seja: se nem sempre licitar atende da melhor maneira o interesse público, o reverso da moeda também é verdadeiro; é dizer, nem sempre contratar direto sem licitação é a melhor prática de gestão pública no caso concreto, principalmente diante da crise brasileira da Covid-19.

*O coautor é coordenador da nova pós-graduação em Gestão Pública da FDV. É procurador do Estado do Espírito Santo.

*Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta

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