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"Para crescer, agro tem de riscar agenda ideológica", diz Octaciano Neto

Ex-secretário de Estado da Agricultura se despediu da vida pública e está ganhando cada vez mais espaço como consultor do agro em São Paulo

Publicado em 13/08/2022 às 03h59
Octaciano Neto, diretor da EloGroup
Octaciano Neto, diretor da EloGroup. Crédito: EloGroup/Divulgação

Octaciano Neto, que ocupou cargos como de secretário de Desenvolvimento de Vila Velha e de secretário de Agricultura do Estado, resolveu deixar a vida pública há quase quatro anos, quando terminou o último governo Paulo Hartung, e entrou de cabeça na iniciativa privada. Bem distante da política eleitoral e partidária, ele está morando em São Paulo e vem ganhando relevância como consultor do agronegócio. Octaciano é diretor de Agronegócio da EloGroup, companhia especializada em transformação digital. "Só tenho gratidão pela vida pública, mas deixei. Fiz uma migração de carreira, estava com 40 anos, acho que era a minha última janela".

Na avaliação dele, para que o agro, brasileiro e capixaba, siga sua trajetória de expansão, é importante mudar a lente. Não basta fazer o que foi feito até aqui, é importante ir além. "Produzir alimentos mais baratos para 1 bilhão de pessoas que ainda passam fome e para mais 2 bilhões de pessoas que vão nascer até 2050. Para dar conta disso tudo, surgem três novas alavancas: digitalização, agenda ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) e mercado de capitais".

Sobre o Espírito Santo, o ex-secretário de Agricultura afirma ser necessário um novo planejamento estratégico para o setor. "Olhando para os próximos 20 anos temos de analisar a agenda que será proposta. Acho que é importante colocar algo novo de pé, uma espécie de Pedeag (Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba) 4".

Nos últimos 50 anos o agronegócio brasileiro explodiu, viramos protagonistas mundiais na área. O que precisamos fazer para continuar nesta toada?

O sucesso dos anos 70, quando éramos importadores líquido de alimentos, para cá se deve a um tripé: biologia (avanços que deixaram as culturas mais produtivas), química (fertilizantes de mais qualidade, herbicidas que controlam melhor as pragas) e mecanização. Esta combinação fez com que deixássemos de importar para exportar alimentos para o mundo todo, mas ela não dá conta do novo desafio.

Qual é o novo desafio?

Produzir alimentos mais baratos para 1 bilhão de pessoas que ainda passam fome e para mais 2 bilhões de pessoas que vão nascer até 2050. Para dar conta disso tudo surgem três novas alavancas, que vão precisar ser combinadas com as três anteriores: digitalização, agenda ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) e mercado de capitais. A digitalização aumenta muito a eficiência no campo. Antes, eu fazia uma análise de solo e mandava para um laboratório para descobrir qual a adubação adequada para a minha lavoura. Hoje, com um drone, consigo saber isso quase que planta por planta. Um trator moderno consegue aplicar a quantidade de herbicida que cada planta precisa, um tratamento individual. É eficiência na veia. Na agenda ESG eu empacoto tudo que se refere a compliance, governança, sucessão familiar, cuidados ambientais... A adoção de todo este conjunto de boas práticas é um avanço importante. Por fim, temos o mercado de capitais. Há muito tempo o Plano Safra não dá conta de resolver a demanda por crédito agrícola do Brasil. Nós temos uma demanda de R$ 750 bilhões e o Plano Safra só entrega R$ 250 bi. Embora o agro seja muito relevante no PIB, são poucas as opções de investimento no mercado de capitais. O agro só representa 5% da Bolsa de Valores. Temos observado um conjunto de novos instrumentos de investimento que vai permitir que o poupador coloque dinheiro no agronegócio brasileiro: CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), Fiagro (fundos de investimento) e a entrada de empresas do setor na Bolsa. O novo jogo é este daí.

O que não devemos fazer?

Não devemos entrar nesse discurso fora da ciência, no discurso ideológico. Tudo precisa estar dentro das melhores práticas. Não podemos tratar mal o nosso cliente, e aqui vou tratar especificamente da China. É comum vermos, principalmente em grupos de WhatsApp, manifestações contrárias à China. A China é muito importante para o agronegócio brasileiro. É uma grande compradora de soja, milho, carne... É muito importante. Temos de riscar essa agenda ideológica, não podemos fazer isso. Também não podemos achar que o agro é todo igual, ele, na verdade, é muito desigual. Menos de 8% das propriedades rurais representam 85% da riqueza no campo. O agro que deu certo está em 400 mil propriedades, sendo 50 mil com mais de 500 hectares. Aqui cai outro mito: a direita fala que o agro que deu certo é o dos grandes negócios e a esquerda fala que a agricultura familiar é responsável. Isso não tem nada a ver. Nós temos grandes que produzem muito e grandes que não produzem nada, estão completamente fora do jogo. O mesmo acontece com os pequenos: 350 mil com menos de 500 hectares produzindo muito e 4,5 milhões de pequenas propriedades que não produzem absolutamente nada. Precisamos de políticas diferentes para esses diferentes públicos.

Octaciano Neto

Diretor da EloGroup

"Também não podemos achar que o agro é todo igual, ele, na verdade, é muito desigual. Menos de 8% das propriedades rurais representam 85% da riqueza no campo"

Na questão ambiental, como o agro que quer continuar crescendo deve proceder?

Basta seguir o que está na legislação brasileira, o Código Florestal, que é algo pacificado. Tenho de proteger minha reserva legal e minha APP (área de preservação permanente). Existe um conceito novo chamado de adicionalidade. O que posso fazer a mais? Os compradores cada vez mais vão olhar para isso. É possível. Com sensores na minha irrigação eu consigo usar exatamente a quantidade de água necessária por planta naquela noite. Deixo de fazer na "ponta da botina", quando era assim: "olha, irriga das 8h da noite às 5h da manhã". Hoje a tecnologia me permite fazer o que de fato é necessário. É o tipo de avanço na agenda ambiental que muita gente já está fazendo. Tem um produtor do Norte do Espírito Santo, o Vitor Alves, que já não usa ferrão e pau para embarcar o boi dele para o frigorífico. Está preocupado com o bem-estar do animal. São vários os bons exemplos. O produtor que ganhou o jogo até hoje, da década de 70 para cá, é o produtor que mais assimilou essas tecnologias. Os produtores de mamão do Espírito Santo, por exemplo, reduziram o químico e hoje usam muito adubo biológico, do esterco do frango e da galinha de Santa Maria de Jetibá e região.

E o Espírito Santo neste contexto? Qual é a nossa vocação?

Algumas atividades se conectaram com as cadeias globais de produção e avançaram. Nossos exportadores de mamão estão todos os anos na Europa vendendo e atendendo clientes. É um setor que se modernizou. A celulose sempre esteve na vanguarda. O café, tanto arábica como conilon, se beneficiou muito da vinda de grandes players, e não estou falando só de industrialização. A entrada das multinacionais operando no dia a dia lá no campo, dialogando com o produtor, fez com que produtores acelerassem muito. Quem se conectou acelerou. Acho que temos um desafio grande na pecuária de leite e na de corte, a produtividade é baixa, o cliente ainda é muito local. É preciso fazer a conexão com as cadeias de fora. A diferença entre quem fez este movimento e quem não fez é nítida.

De que forma as eleições de outubro interferem?

Desde 2003, a Secretaria de Agricultura passou a ter um papel super relevante no desenvolvimento da infraestrutura do interior do Espírito Santo. Junto com as pesquisas tocadas pelo Incaper, essas foram as duas maiores políticas públicas no Estado, nos últimos 20 anos, para o agro. Olhando para os próximos 20 anos temos de analisar a agenda que será proposta. Acho que é importante colocar algo novo de pé, uma espécie de Pedeag (Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba) 4. Claro, observando todas as melhores práticas que já falamos aqui. A lente de 2003 foi boa para aquele período, mas agora precisamos de outra. Temos de olhar o que os candidatos vão propor.

Isso serve para a eleição nacional?

Totalmente. O que teremos de alternativa ao Plano Safra? Vamos precisar de R$ 1 trilhão de crédito em 2030, e o Plano Safra me entrega R$ 250 bi. O que vamos colocar de pé? Tem a agenda regulatória, a da internacionalização... Como vou fazer para tirar do papel o acordo entre Mercosul e União Europeia? Isso muda o ponteiro do agronegócio brasileiro. O que vamos fazer com a Embrapa? Lembrando que 99% do orçamento da Embrapa vai para pagar pessoal. Precisamos enfrentar os desafios. É uma nova lente para um novo tempo.

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