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Maílson da Nóbrega: "não há risco de o Brasil virar uma Argentina"

Ex-ministro da Fazenda afirmou que, embora a situação brasileira não seja das mais confortáveis, sociedade e instituições impedem que o país desmorone

Publicado em 25/09/2022 às 03h59
Economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega no Encontro de Lideranças da Rede Gazeta
Economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega . Crédito: Carlos Alberto Silva

O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, esteve em Vitória para a abertura da Acaps Trade Show, organizada pela Associação Capixaba de Supermercados. Para uma plateia de empresários e executivos, o economista traçou um cenário pouco animador para o ano que vem e voltou a chamar a atenção para a necessidade de reformas. "A economia brasileira dificilmente fugirá de uma desaceleração no próximo ano. E o futuro? Temos que fazer reformas".

Com relação às eleições de outubro, embora não acredite em um cenário de desastre econômico, não se mostra animado com as lideranças que se apresentam. "É um presidente (Bolsonaro) que não é líder no sentido de mobilizar o país, as empresas e a sociedade para as reformas que o Brasil precisa. E, por outro lado, o Lula dizendo uma série de bobagens, com um discurso do passado".

Na polarização que vivemos hoje quase tudo é oito ou 80, inclusive na economia. Qual é a real situação da economia brasileira?

Do começo do ano para cá, a economia brasileira surpreendeu, cresceu mais do que a maioria dos analistas previa. Qual é o motivo? A liberação das atividades econômicas (por conta do arrefecimento da pandemia). Os serviços, principalmente os presenciais, que tinham sido paralisados em 2020 e 2021, rapidamente voltaram a gerar renda, emprego... Toda esta retomada fez com que o setor de serviços, o maior da economia, passasse a crescer muito acima da média. A recuperação acima do esperado é explicada essencialmente pela retomada do setor de serviços. O problema é que está acabando, não é possível manter o ritmo, haverá uma desaceleração dos serviços. Além disso, teremos o efeito mais forte da taxa de juros mais alta. Nós acreditamos que os juros ficarão altos por um longo período, não veremos redução antes do final do primeiro semestre do ano que vem. E a inflação, sobretudo a dos pobres, segue alta. Falo de alimentos, saúde, transporte... Portanto, você segue tendo uma corrosão da renda de grande parte da sociedade e um juro que restringe o consumo e o investimento. A Fundação Getúlio Vargas, inclusive, está prevendo uma queda do PIB no próximo ano.

Como o resultado da eleição impacta neste cenário? O que precisamos fazer para o país voltar a crescer mais de 2% de maneira sustentada?

A eleição é importante se a escolha for de um líder mais preparado para enfrentar a situação. E, mesmo que for mais preparado, não se resolve da noite para o dia. A economia é como um transatlântico, para mudar de rota leva algum tempo, mesmo com um bom governo. A economia brasileira dificilmente fugirá de uma desaceleração no próximo ano. E o futuro? Temos que fazer as reformas. O Brasil cresce pouco, hoje, por algumas razões básicas. A primeira é a baixa produtividade. Nos anos 50, a produtividade no Brasil crescia 4,2% ao ano, hoje, está estagnada. É a produtividade que gera renda e riqueza. Outra coisa são os investimentos de má qualidade. Um país vai para frente quando os recursos são aplicados nos segmentos mais produtivos, nós estamos aplicando recursos em segmentos pouco produtivos. Temos um sistema tributário caótico; um excesso de possibilidades para enquadramento de empresas no Simples, um estímulo para as empresas não crescerem... O investimento em infraestrutura está praticamente parado, voltou um pouco agora por conta do setor privado nas concessões de rodovias e ferrovias. É um conjunto muito grande que explica a mediocridade do nosso crescimento e isso não se muda da noite para o dia. Precisamos de uma série de reformas para o Brasil voltar a crescer de forma satisfatória. 

Maílson da Nóbrega

Ex-ministro da Fazenda

" A eleição é importante se a escolha for de um líder mais preparado para enfrentar a situação. E, mesmo que for mais preparado, não se resolve da noite para o dia. A economia é como um transatlântico"

Tivemos, ao longo do ano de 2022, um aumento de arrecadação. Diante deste cenário, que os analistas julgam ser temporário, observamos uma série de aumentos de gastos e cortes de impostos. Vai dar certo?

(risos) Isso é de uma total incoerência. Esta queda de tributação é demagógica. O ministro da Economia (Paulo Guedes) precisa provar que ele está reduzindo a tributação, e está fazendo isso às custas de Estados e municípios, já que está reduzindo o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Três quartos do IPI pertencem a Estados e municípios. Portanto, o ministro está fazendo bondade com o chapéu alheio. Um país em situação delicada do ponto de vista fiscal não reduz tributos, isso faz piorar a percepção de risco. Então, é uma direção de política econômica esquizofrênica. Pela primeira vez temos um ministro da Economia a serviço da eleição. Nunca vi um ministro da Economia ir para praça pública fazer discurso contra opositores do governo. Um ministro da Economia precisa ser discreto, sério, mantendo a máxima distância da disputa política do dia a dia. Hoje, o que temos é o Paulo Guedes no palanque do Bolsonaro.

Se a escolha de outubro não for por um líder preparado, o senhor acredita em um cenário horroroso?

Não. Vejo muita gente falando em virarmos Argentina, isso não acontecerá, o Brasil não corre este risco. A Argentina é um processo sistemático de declínio que já dura quase 90 anos. Não é o caso daqui. Venezuela muito menos. Trata-se de um país com instituições fracas, que foram minadas por dentro por um populista chamado Chávez. Um desastre. O PIB da Venezuela é a metade do que era há cinco ou dez anos. O Brasil está longe disso. Para chegarmos à situação da Argentina precisaríamos de uma sucessão de governos desastrosos, mas isso não acontece porque a sociedade reage. Por que o Bolsonaro corre o risco de não ser reeleito? Porque ele fez um mau governo. Embora com boas ideias no campo econômico, não foi bem na gestão de expectativas e na articulação política. Ele veio provar que não basta ter um bom ministro da Economia, a chave é o presidente. Nós temos um presidente que não sabe qual é o papel dele, não sabe como funcionam as instituições, que vai para Londres em um momento de luto para fazer campanha eleitoral... É um presidente que não é líder no sentido de mobilizar o país, as empresas e a sociedade para as reformas que o Brasil precisa. E, por outro lado, temos o Lula dizendo uma série de bobagens, com um discurso do passado. Estamos com uma perspectiva que não é muito positiva sob o ponto de vista de lideranças, sorte nossa é que o Brasil não vai degringolar. Mas o fato é que nenhum dos candidatos reúne condições de liderança e capacidade de articulação para que o Brasil mude, através de reformas, para melhor. 

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