Publicado em 4 de novembro de 2019 às 17:05
Agência FolhaPress - Sob pressão em um ambiente político ainda mais radicalizado, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, deve dar nesta semana o voto decisivo no julgamento das ações sobre a constitucionalidade da prisão de condenados em segunda instância.>
A retomada da discussão judicial mais esperada do ano, marcada para quinta-feira (07) e que também pode afetar o destino do ex-presidente Lula, acontece num momento de instabilidade, em que Toffoli tem sido cobrado por uma ala da corte a dar uma resposta institucional enfática aos recentes ataques à corte.>
A publicação de um vídeo numa rede social do presidente Jair Bolsonaro no qual ele é retratado como um leão cercado por hienas, entre elas uma que representa o Supremo, deflagrou insatisfação de parte dos pares diante da ausência de uma resposta oficial.>
Coube ao decano Celso de Mello sair em defesa do STF. Após ser procurado pela Folha, o ministro disse que "o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções".>
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Nos dias seguintes ao do vídeo, que acabou apagado por Bolsonaro, novas polêmicas resvalaram no Supremo. Bolsonaro teve o nome citado por um porteiro na investigação sobre a morte de Marielle Franco (PSOL) e um dos filhos dele, o deputado Eduardo (PSL-SP), falou na possibilidade de um "novo AI-5" no caso de radicalização da esquerda -referência ao marco do período mais duro da ditadura militar. Novamente o presidente do STF não se pronunciou.>
Nos bastidores, Toffoli justifica o silêncio. A pessoas próximas o presidente tem dito que a corte tem de se preservar e que, à frente da mais alta instância do Poder Judiciário, ele não pode virar comentarista de Twitter nem bater palma para louco dançar, numa referência às publicações e declarações mais polêmicas do clã Bolsonaro.>
Na quarta-feira (31), após sair de um evento em São Paulo, Toffoli enfrentou um protesto com cerca de 15 pessoas favoráveis à prisão após condenação em segunda instância. Vestidos de verde e amarelo, os manifestantes cercaram o carro do presidente do Supremo, chegaram a bater na lataria e estenderam uma faixa com os dizeres "hienas do STF".>
O pano de fundo do pequeno ato é o apoio à Operação Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, ambos sob escrutínio do Supremo. Em conversas reservadas, Toffoli minimizou o protesto.>
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estima que uma alteração na jurisprudência atual poderia beneficiar até 4.895 réus que tiveram a prisão decretada após serem condenados em segundo grau. O ex-presidente Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018 pelo caso do tríplex de Guarujá (SP), é um dos que podem se beneficiar com uma eventual mudança de entendimento.>
Diante de um provável veto do STF à prisão de condenados em segundo grau, o presidente do tribunal tem feito movimentos políticos para construir um ambiente menos hostil a uma decisão nesse sentido.>
Na última segunda (28), mesmo dia em que foi veiculado o filme das hienas, ele enviou aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), uma sugestão para alterar o Código Penal e evitar que processos penais prescrevam quando um réu recorrer às instâncias superiores.>
Pela ideia de Toffoli, recebida por Maia com entusiasmo, os prazos de prescrição deverão parar de correr quando um condenado apresentar recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é considerado uma terceira instância, e ao Supremo.>
Também na segunda-feira Toffoli indicou que vai pautar, logo após as ações sobre prisão em segunda instância, a análise de um recurso que definirá se condenados pelo Tribunal do Júri podem recorrer em liberdade ou já devem ser presos após o veredito.>
O Tribunal do Júri julga crimes dolosos contra a vida, como homicídios, e hoje alguns condenados conseguem recorrer em liberdade.>
A intenção de Toffoli é dar uma resposta às críticas de parte da opinião pública que teme que homicidas demorem a ser presos e, ao mesmo tempo, acenar ao grupo que defende a prisão em segunda instância, que deve sair vencido. O relator do recurso que discute o júri é Luís Roberto Barroso, que integra esse grupo.>
O placar parcial do julgamento que será retomado está em 4 votos a favor da execução antecipada da pena (dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux) e 3 contra (Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski).>
Entre os 4 ministros que faltam votar, 3 (Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli) têm sido contra a prisão logo após condenação em segunda instância, que é permitida pelo STF desde 2016. Assim, a tendência é de a corte ter maioria (6 votos) para mudar a jurisprudência vigente.>
Na avaliação de advogados e de membros do próprio STF, com os gestos da última semana, Toffoli indicou estar disposto a votar pela necessidade esperar o trânsito em julgado (o fim dos recursos dos tribunais superiores) para que um condenado cumpra a pena.>
Publicamente, o ministro tem dito que ainda não decidiu como vai votar -deixando no ar a possibilidade de manter a proposta que fez em 2016.>
Na ocasião, ele buscou uma saída intermediária: a de permitir a prisão após julgamento do recurso no STJ (opção que, em tese, não beneficiaria Lula). Seria um caminho do meio entre os que defendem a prisão em segunda instância e os que vão pelo trânsito em julgado.>
Hoje em dia, contudo, a avaliação de observadores é de que esse entendimento intermediário só geraria mais divergências no plenário.>
Embora a segunda instância seja uma das principais bandeiras da Lava Jato, a operação está enfraquecida com a divulgação das mensagens de Telegram pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos, incluindo a Folha de S.Paulo.>
A atuação de Toffoli deve continuar em destaque no restante do mês. No dia 21 está previsto o julgamento de um recurso que paralisou todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle, como o antigo Coaf, sem autorização judicial.>
A paralisação das apurações foi determinada pelo ministro em julho, atendendo a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que era investigado pelo Ministério Público.>
O que está em discussão?>
A constitucionalidade da prisão de condenados antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores>
Como é hoje?>
Desde 2016, a jurisprudência do STF autoriza a execução da pena após segunda instância, antes do chamado trânsito em julgado. No atual julgamento, 4 ministros foram a favor de manter esse entendimento e 3 votaram por revertê-lo. Ainda faltam os votos de 4 ministros>
Que impacto a mudança teria?>
O CNJ estima que ela poderia beneficiar até 4.895 réus. Lula pode ser um deles>
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