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Procuradores veem devassa de Toffoli ao intimar BC por dado sigiloso

Procuradores veem devassa de Toffoli ao intimar BC por dado sigiloso

Dias Toffoli determinou que lhe fosse dado acesso aos relatórios de inteligência financeira com registros sigilosos de cerca de 600 mil pessoas

Publicado em 14 de novembro de 2019 às 18:22

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Ministro Dias Toffoli, presidente do STF, foi criticado por cobrar dados do Banco Central. (Carlos Moura|SCO|STF )

Procuradores da República viram "uma devassa" na decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de determinar ao Coaf que lhe desse acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos últimos três anos. Os relatórios têm dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas, conforme revelado nesta quinta-feira (14).

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, a decisão de Toffoli é heterodoxa e incomum e certamente preocupa os órgãos de controle, como o Coaf - rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) - e a Receita Federal.

Além de determinar o envio dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) da UIF, Toffoli requereu também as representações fiscais para fins penais (RFFPs) elaboradas pela Receita nos últimos três anos.

A UIF informou a Toffoli que não conseguiria lhe enviar cópias dos relatórios, mas deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema eletrônico. Nesta quinta (14), a assessoria de Toffoli, em nota, disse que ele não acessou o sistema, apesar de ter obtido o acesso.

"O presidente Dias Toffoli não comenta processo que tramita sob segredo de Justiça. Vale esclarecer que o STF não recebeu [cópias] nem acessou os relatórios de inteligência financeira conforme divulgado pela imprensa", diz o texto.

A determinação de Toffoli é do último dia 25 de outubro e foi no âmbito de um processo (um recurso extraordinário) no qual, em julho, o ministro já havia suspendido todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle sem autorização judicial prévia.

Naquela ocasião, Toffoli concedeu uma liminar (decisão provisória) atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e que era alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio. O plenário do Supremo analisará o tema na próxima quarta (20).

"Normalmente, em um recurso extraordinário, se julga a matéria com base na documentação que se encontra [no processo]. É inusitado, estranho, heterodoxo, incomum que se determine, no curso de um recurso extraordinário, a obtenção de uma quantidade enorme de documentos. Dá a entender que é uma devassa que envolve documentos sigilosos da Receita e do Coaf", disse Nóbrega, da ANPR.

As informações sigilosas ficam em poder dos órgãos de controle porque eles têm atribuição, prevista em lei, para obtê-las (a partir de instituições como bancos, por exemplo), analisá-las, guardá-las ou repassá-las para o Ministério Público, que faz investigação criminal, quando houver alguma suspeita.

Para especialistas, não haveria uma justificativa legal para que essas informações fossem remetidas ao Supremo, ainda que a corte preserve o sigilo delas. A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, coordenadora da câmara criminal do Ministério Público Federal, afirmou que Toffoli abriu tanto o objeto do processo que acabou realizando uma verdadeira devassa.

Luiza também destaca que o processo é um recurso extraordinário (sobre um caso concreto de uma investigação) no qual se discutia o compartilhamento de dados da Receita Federal com Ministério Público. Foi reconhecida a repercussão geral - o que significa que o desfecho do julgamento terá impacto em casos semelhantes na Justiça pelo país.

Ao incluir o Coaf no bojo do processo, para atender ao senador Flávio Bolsonaro, Toffoli já havia expandido o objeto. Na avaliação da subprocuradora-geral, para ter pedido acesso aos relatórios financeiros e fiscais relativos a casos concretos, o presidente do STF teria que ser o juiz desses casos, mas não é.

"Num processo que é definido, vai abrindo, vai abrindo, vira uma verdadeira devassa. O que o ministro está fazendo é uma devassa em dados fiscais e de inteligência financeira", disse.

"Bastaria ter ido ao Coaf e perguntado como é feito [o relatório de inteligência financeira]. O ministro tem que entender o procedimento, como é que ele vai analisar 20 mil casos? Não há condições de analisar isso, ele tem que avaliar a questão teórica", afirmou.

O advogado e professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano disse que a medida de Toffoli é inconstitucional porque "extravasa a lógica da razoabilidade que deve acompanhar toda decisão judicial" e fere o direito à intimidade.

"Há um direito de sigilo das pessoas a proteger e a intervenção nesse direito deve ser a mínima possível. Cada autoridade que tem acesso àquela informação é um devassamento do sigilo", afirma Serrano.

"Quando o ministro pede toda a movimentação de 600 mil pessoas, isso é evidentemente desnecessário para a finalidade que ele deseja. O meio utilizado é desproporcional em relação ao fim. Não há relação de razoabilidade entre meio e fim, e a ausência dessa relação leva à conclusão de que há uma inconstitucionalidade na decisão."

A cientista política e professora da USP Maria Tereza Sadek estuda temas do Judiciário e o STF há mais de 15 anos e disse ter ficado surpresa com a medida de Toffoli.

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"Fiquei muito assustada. Não é usual e nunca vi nada parecido com isso. Ao fazer isso neste momento, o ministro contribui para fragilizar a imagem do Supremo, o que é muito ruim para a democracia", afirmou Sadek.

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