Publicado em 20 de maio de 2020 às 11:12
Após determinação do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde divulgou nesta quarta-feira (20) um documento que amplia a possibilidade de uso da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos usados no tratamento da malária, também para pacientes com sinais e sintomas leves do novo coronavírus.>
A decisão ocorre sem que haja evidências científicas de eficácia e em meio a alertas de especialistas sobre riscos do uso do medicamento para uso em situações não comprovadas.>
Até então, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde previa o uso do medicamento apenas por pacientes graves e críticos e com monitoramento em hospitais.>
Já o novo modelo traz "orientações" de uso também para pacientes com quadros leves da Covid-19 e traz dosagens específicas.>
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O documento prevê a indicação de cloroquina com azitromicina, com dosagens diferentes conforme a sequência do tratamento e o quadro do paciente.>
A indicação deve ficar a critério médico e ocorrer após análise de exames.>
"Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de possuírem atividade in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o tratamento da Covid-19", aponta.>
"Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária também a vontade declarada do paciente", completa.>
Para isso, o paciente deve assinar um termo de consentimento que afirma que a cloroquina e hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais "como redução dos glóbulos brancos, disfunção do fígado, disfunção cardíaca e arritmias, e alterações visuais por danos na retina".>
O termo frisa ainda que "não existe garantia de resultados positivos, e que o medicamento proposto pode inclusive agravar a condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos".>
A divergência em torno do uso da cloroquina é apontada como o principal motivo da saída do ex-ministro Nelson Teich, que pediu demissão na última sexta-feira (15). >
Dias antes, Bolsonaro havia deixado claro que faria a mudança no protocolo, mesmo sem concordância do ministro. >
"Votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa por mim", afirmou em teleconferência com empresários. "Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar", declarou na ocasião. >
A possibilidade de mudança no protocolo gerou reação entre entidades da área médica. >
Um documento divulgado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia recomenda a não utilização de hidroxicloroquina, cloroquina e de suas associações com azitromicina na rotina de tratamento da Covid-19. >
Médicos que atuam na rede pública também vêm relatando temor de que a mudança aumente a pressão pela indicação do medicamento. >
Antes de deixar a pasta, Teich também já havia alertado para a falta de evidências científicas no uso do tratamento. "Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário", disse no fim de abril. >
Uma primeira versão do documento foi apresentada ao presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira pelo ministro da Saúde interino, o general Eduardo Pazuello. >
Horas depois, em live transmitida nas redes sociais, Bolsonaro informou que o documento seria divulgado nesta quarta e que o modelo não obrigaria o paciente a ser medicamento com a substância, mas daria a liberdade para que ele use o remédio quando necessário. >
"O que é a democracia? Você não quer? Você não faz. Você não é obrigado a tomar cloroquina", disse. "Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína", ironizou, referindo-se a uma marca de refrigerante. >
Segundo o Ministério da Saúde, o documento divulgado nesta quarta segue parecer do Conselho Federal de Medicina. >
Ainda em abril, o conselho emitiu uma autorização para que médicos pudessem prescrever o medicamento também para casos leves e uso domiciliar, mediante termo de consentimento do paciente ou familiares. >
A autarquia justificou o aval devido à ausência de outros tratamentos disponíveis, embora sem evidência científica. >
A medida, no entanto, aumentou a pressão do Planalto por mudanças no protocolo, até então rechaçadas pelo ex-ministro. >
Indicada para tratamento de doenças como malária, artrite e lupus, a cloroquina passou a chamar atenção após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar que o medicamento poderia ter resultado positivo para o coronavírus. >
Trump disse na segunda-feira (18) que está tomando hidroxicloroquina como prevenção contra o coronavírus. Não há, porém, evidência científica de que o remédio tenha eficácia no tratamento de Covid-19 nem que sirva como barreira contra a infecção pelo vírus. >
No fim de abril, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), dos EUA, contraindicou o uso da associação de hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento da Covid-19 fora de ensaios clínicos. >
Um dos maiores estudos feitos até agora também não encontrou redução de mortalidade por Covid-19 entre pessoas que foram medicadas com hidroxicloroquina. A pesquisa com 1.438 pacientes foi publicada na segunda (11) na revista Jama (Journal of the American Medical Association), um dos principais periódicos médicos do mundo. >
Outra grande pesquisa, com 1.376 pacientes de Nova York, publicada no The New England Journal of Medicine, outro respeitado periódico científico, também apontou que não foram encontradas evidências de que o uso da hidroxicloroquina influencia na redução de mortes ou nas intubações. >
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