Publicado em 16 de maio de 2020 às 19:14
A investigação da Polícia Federal que descartou pela segunda vez a existência de mandante da facada no então presidenciável Jair Bolsonaro localizou até dois homens confundidos com o verdadeiro autor do crime, Adélio Bispo de Oliveira.>
O trabalho da corporação, descrito pelo delegado Rodrigo Morais no relatório do inquérito como técnico, criterioso e minucioso, contrariou a versão que o presidente da República e seus aliados têm difundido -a de que o esfaqueador agiu a mando de terceiros e não sozinho, como a PF concluiu.>
O relatório parcial, apresentado na quinta-feira (14), narra em detalhes os passos da apuração, a segunda aberta sobre o ataque durante a campanha de 2018, em Juiz de Fora (MG). Adélio, declarado inimputável por ter doença mental, cumpre medida de segurança no presídio federal de Campo Grande (MS).>
Os agentes chegaram aos dois "sósias" após dicas sobre o passado do autor - das várias que receberam - que poderiam ajudar na descoberta de eventuais pessoas por trás da tentativa de assassinato. Como tantas outras pistas, essas também se revelaram falsas.>
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Uma delas surgiu em uma carta anônima, enviada à PF, dando conta de que Adélio teria sido visto em Luminárias (MG) por volta de abril de 2018. Como havia o interesse de identificar os lugares percorridos pelo autor e pessoas com quem teve contato, os investigadores foram à cidade.>
A riqueza de detalhes da carta, com dados de hotel e veículos, chamou a atenção. Só que os policiais concluíram se tratar de outro homem que esteve hospedado no município no mesmo período. "A confusão foi justificada, dada a semelhança física entre ambos", disse o delegado no relatório.>
Outro suposto rastro de Adélio chegou à PF por meio do Ministério da Educação, que reencaminhou uma denúncia recebida pela pasta. O relato avisava que um primo de Adélio, que teria se encontrado com ele pouco antes do crime, estava trabalhando como segurança em Juiz de Fora.>
O material narrava ainda que o tal homem tinha a fama de pertencer a uma família perigosa e que corria na cidade o alerta de que era "para tomar cuidado com ele".>
E lá foram os agentes identificar os citados e interrogá-los. A denúncia se mostrou, em parte, promissora. Locais e referências confirmavam todos os indícios. Não fosse por um detalhe: o suposto primo não conhece o homem que tentou matar Bolsonaro nem possui parentesco com ele.>
O rumor surgiu porque o homem também é do norte de Minas, assim como Adélio, que nasceu em Montes Claros. Por causa da origem e da aparência semelhante, colegas começaram a brincar que ele era primo do autor, e a história acabou tomando uma proporção inimaginável.>
Segundo o delegado do caso, isso tudo era esperado, dado o aspecto inusitado e inédito do atentado.>
"É natural e compreensivo que haja um despertar imaginativo na população, voltado, sempre, às mais diversas teorias de cunho conspiratório, construídas com base em narrativas críveis, porém nem sempre reais ou verdadeiras." >
Morais afirmou que chegaram inúmeras informações sobre envolvimento de terceiros e relação com outros crimes. Algumas, como as que levaram à descoberta dos sósias, foram checadas. Outras, prontamente descartadas, caíram na categoria de fake news. >
Parte dessas teorias, difundidas principalmente em redes sociais, envolveu pessoas que nada têm a ver com o crime e acabaram prejudicadas. >
Apoiadores do então candidato à Presidência que aparecem em imagens da passeata em Juiz de Fora, por exemplo, foram apontados como cúmplices do criminoso. >
Até pessoas que não estavam no cenário do atentado foram acusadas de ter passado a faca para o autor ou ter facilitado o acesso dele a Bolsonaro. A PF destacou os casos de sete vítimas que sofreram linchamento virtual e foram associadas ao caso com insultos e xingamentos. >
Postagens disseram que elas deveriam ser denunciadas e as classificaram como "ativistas terroristas". Em alguns casos, elas foram descritas como filiadas ao PSOL e ao PT, em uma narrativa reiterada por aliados do presidente que buscam incriminar partidos de esquerda no episódio. >
Em depoimento, seis mulheres falaram que se sentiram apavoradas com ataques e ameaças de morte. Algumas delas disseram que até pararam de sair de casa, com a proporção que os boatos ganhavam. Parte deles foi divulgada inclusive em TVs e outros veículos de comunicação. >
Também foi desmentida a tese de que um homem teria dado um soco no abdômen de Bolsonaro após a facada, para que sentisse mais dor, e que seria um infiltrado na equipe de segurança. Ele era, na verdade, um policial federal que ajudou no socorro, mas acabou virando alvo nas redes. >
Hostilizado na cidade onde morava, o agente foi obrigado a pedir transferência para outra localidade, em outro estado, segundo o relatório. >
A possibilidade de envolvimento de outras pessoas foi refutada. Nada no processo indicou até agora a existência de comparsas ou financiadores, conforme a PF. Adélio sustenta que agiu a mando de Deus por discordar das ideias de Bolsonaro. Diligências pedidas por advogados do presidente também foram feitas. >
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o delegado ressaltou que uma investigação do tipo não pode se basear na opinião pública ou em suspeitas levantadas por leigos. Bolsonaro vem colocando em xeque o trabalho da PF no caso, insistindo na versão de que Adélio recebeu a encomenda de matá-lo. >
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