Publicado em 1 de abril de 2023 às 13:33
Em julgamento encerrado no final da noite desta sexta-feira (31), no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros decidiram por unanimidade derrubar o trecho do Código Penal que prevê um regime especial de prisão para quem cursou ensino superior.>
O chamado 'instituto da prisão especial' dava aos detentos com diploma universitário o direito de cumprir as prisões processuais (quando ainda não há uma condenação) em celas individuais. O benefício também está previsto para autoridades e algumas categorias profissionais, como dirigentes sindicais, policiais civis, magistrados, membros do Ministério Público e advogados.>
O processo foi movido pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão deu entrada na ação em 2015. Na época, Rodrigo Janot era o procurador-geral da República. A PGR afirmou que a diferenciação entre presos comuns e presos especiais, com base no grau de instrução acadêmica, 'contribui para perpetuação de inaceitável seletividade do sistema de justiça criminal'.>
Como a ação foi julgada no plenário virtual, não houve debate ou reunião do colegiado. Nessa modalidade, cada ministro registra seu posicionamento na plataforma online, sem a obrigação de incluir voto escrito.>
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Apenas os ministros Alexandre de Moraes (relator), Dias Toffoli e Edson Fachin juntaram os votos. Veja abaixo o destaque dos argumentos de cada ministro:>
Moraes assumiu a relatoria da ação ao herdar o acervo de processos do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017. Como relator, ele abriu o julgamento e defendeu o fim do benefício.>
O voto afirma que o regime especial de prisão para quem cursou ensino superior é um 'verdadeiro privilégio social' incompatível com o princípio de igualdade democrática. Moraes disse que não vê justificativa 'razoável' para a distinção dos presos provisórios por grau de instrução.>
"A meu ver, a previsão do direito à prisão especial a diplomados em ensino superior não guarda nenhuma relação com qualquer objetivo constitucional, com a satisfação de interesses públicos ou à proteção de seu beneficiário frente a algum risco maior a que possa ser submetido em virtude especificamente do seu grau de escolaridade", diz um trecho do voto.>
O ministro disse ainda que a categorização 'fortalece desigualdades, especialmente em uma nação tão socialmente desigual como a nossa'. O último Censo do IBGE, feito em 2010, mostra que só 11,30% dos brasileiros têm ensino superior completo. O número cai quase pela metade entre os pretos e pardos: apenas 5,65% conseguem se formar na universidade.>
"Ao permitir-se um tratamento especial por parte do Estado dispensado aos bacharéis presos cautelarmente, a legislação beneficia justamente aqueles que já são mais favorecidos socialmente, os quais já obtiveram um privilégio inequívoco de acesso a uma universidade", destacou.>
Ele também defendeu que o Estado não pode 'proteger' um recorte da população e se 'omitir' em relação aos demais que precisam dividir celas superlotadas. "Garantir condições adequadas e dignas de encarceramento é dever estatal em relação a todos, e não a uma categoria específica de pessoas", escreveu.>
Para Fachin, não há 'critério lógico' para diferenciar os presos pelo grau de escolaridade. O ministro lembrou que a Constituição estabelece a segregação dos presos por natureza do delito, idade e sexo.>
"A lógica constitucional é a de que presos que cometeram crimes mais violentos são mais perigosos que presos que praticaram delitos menos graves; que adolescentes ou idosos não podem ser recolhidos com adultos, pois aqueles, por suas condições pessoais físicas e psíquicas, podem se sujeitar à força e influência destes; que homens e mulheres não podem ser presos juntos dadas às diferenças biológicas entre ambos", explicou. "Entretanto, ao analisar a norma legal impugnada, não verifico correlação lógica entre grau de escolaridade e separação de presos.">
O ministro Dias Toffoli, que havia pedido mais tempo para analisar o processo, também votou para derrubar o privilégio. Ele destacou que o tratamento diferenciado para presos com ensino superior é 'inevitavelmente mais benéfico' considerando a 'realidade de extrema precariedade' do sistema prisional.>
"Se rejeita, de pronto, a ideia de que a prisão especial poderia ser justificada pela vetusta e hoje odienta hierarquização de categorias no sentido de que alguns grupos, pelo status social e honorabilidade de seus integrantes, teriam direito a um tratamento privilegiado em relação aos demais . Essa noção, embora tenha ressoado ao longo da história brasileira, não se coaduna com os tempos atuais", escreveu.>
Em outro trecho do voto, Toffoli defendeu que, ao criar classes distintas de presos provisórios, o Código Penal 'transpõe para o sistema carcerário a mesma e intolerável divisão social desigual, injusta, discriminatória e aristocrata ainda hoje existente no seio da sociedade brasileira'.>
"A norma impugnada traz uma desigualdade normativa que não tem o objetivo - direto ou indireto, explícito ou implícito - de amenizar desigualdades fáticas", conclui o ministro.>
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