Publicado em 2 de agosto de 2020 às 10:22
Cinco meses após confirmar o primeiro caso de um infectado pelo novo coronavírus, o Brasil tem 98% dos municípios com registros da doença. O número de cidades ainda sem casos diminui dia após dia.>
Dados do Ministério da Saúde, tabulados pela Folha de S.Paulo, apontam ao menos 5.442 cidades com casos confirmados de Covid-19. Em contrapartida, apenas 128 ainda não tinham registros até 30 de julho.>
Como comparação, três meses antes, no fim de abril, o total de cidades com ao menos um caso de Covid-19 era de 2.072. Em maio, o número passou a 4.074, ou 73%, e, no fim de junho, para 5.096, ou 91%. Agora, já se aproxima quase de 100%.>
Nesses municípios com casos confirmados, viviam 209 milhões de pessoas em 2019, segundo estimativas do ministério. As cidades sem caso tinham 599 mil habitantes. Segundo o IBGE, neste ano, a população do país chegou a 211,8 milhões de pessoas.>
>
A mudança nos números de cidades com registros do novo coronavírus evidencia um processo de interiorização da epidemia, o qual tem ficado mais visível nos últimos dois meses.>
Atualmente, a Covid concentra 58% dos casos mais recentes em cidades do interior, contra 42% em capitais e regiões metropolitanas. É o inverso do que ocorria até o fim de maio deste ano.>
O Brasil é o segundo país com mais mortes na pandemia, atrás dos Estados Unidos. Desde março, mais de 90 mil óbitos foram registrados em razão do novo coronavírus.>
O balanço mostra que, em 15 estados e no Distrito Federal, o novo coronavírus já atinge todas as cidades. Nos demais, a taxa de municípios atingidos fica acima de 94%.>
Pouco a pouco, a epidemia também já derruba novas fronteiras. Em comum, a maioria das cidades ainda sem registros da doença têm menos de 10 mil habitantes (das 128, são apenas 11 acima desse total, mas ainda com menos de 25 mil habitantes).>
"É a lógica dessa doença: ela chegou primeiro nas cidades maiores e depois vai para as cidades pequenas, que estão mais isoladas. São cidades onde a epidemia leva mais tempo para chegar, uma vez que não há um fluxo tão grande de pessoas e mercadorias", afirma o epidemiologista Diego Xavier, da Fiocruz.>
Para ele, que faz parte do MonitoraCovid, os dados reforçam o caminho da epidemia nos últimos meses, a qual iniciou com mais força nas capitais do Sudeste, Norte e Nordeste, e agora acelera também nas demais regiões e municípios.>
O infectologista da Fiocruz chama a atenção para a velocidade de propagação do vírus. "Se for pensar na dimensão territorial do Brasil e onde esses municípios estão, atingir (quase 100%) em cinco meses é rápido. No Amazonas, o vírus chegou até de barco, ou a tribos indígenas", diz Xavier.>
Cidades que tiveram maior adesão ao isolamento no início da epidemia conseguiram retardar o avanço, diz. "Belo Horizonte, por exemplo, fez um bloqueio rígido no início da epidemia e isso retardou a chegada em algumas cidades do interior", avalia. "Já em Mato Grosso, é como se tivesse chegado de uma só vez em quase todo o estado.">
Especialistas alertam ainda para a possibilidade de subnotificação. "A doença está indo mais para o interior, região com menos acesso a dados e testes", diz o epidemiologista Wanderson Oliveira, ex-secretário de Vigilância do Ministério da Saúde.>
Mesma avaliação tem Ana Freitas Ribeiro, infectologista do Emílio Ribas. "(A notificação) Depende da capacidade de triagem, de fazer monitoramento de casos e de seus contatos. Se o município tiver essa capacidade de detecção, a tendência é o número (de casos) aumentar.">
Representantes de municípios ouvidos pela Folha negam haver subnotificação. Eles citam a distância de cidades maiores e a adesão da população ao isolamento social como possíveis fatores para o menor impacto até agora.>
Os gestores também dizem investir em medidas de controle, como barreira para monitoramento de visitantes e uso obrigatório de máscaras.>
Em Urupema (SC), uma dos cidades mais frios do país, a prefeitura fechou o que antes era um dos principais pontos turísticos: um mirante onde é possível ver o fenômeno chamado de sincelo, quando há o congelamento da neblina.>
O motivo é o temor de aglomeração no local, diz a secretária municipal de Saúde, Tânia Borges. Segundo ela, a baixa densidade demográfica e a adesão ao distanciamento social ajudaram a retardar a chegada da doença.>
"Em contrapartida, como somos do interior, temos de nos deslocar com frequência para um centro maior, que é Lages e tem casos", afirma Borges, que monitora também os registros de cidades vizinhas.>
"A proximidade ajuda. Se sair um caso confirmado e os parentes estão aqui, conseguimos monitorar e fazer isolamento", explica.>
Única a não ter registros no Rio Grande do Norte, a cidade João Dias, com 2.654 habitantes, teme o novo coronavírus. Segundo a secretária municipal de Saúde, Elizabeth Xavier de Souza, a população tem ajudado. "Todo mundo tem medo de ser acometido, e as pessoas temem, sim, pelo fato de ver em jornais que as UTIs estão lotadas", afirma.>
A cidade só tem um posto de saúde. Para casos graves, é preciso viajar 40 km até Pau dos Ferros. Para evitar a propagação da doença, a prefeitura diz ter comprado uma máquina para desinfecção das ruas e colocou equipes de saúde para distribuir máscaras e dar orientações de isolamento.>
Já em Santa Mercedes (SP), a aposta tem sido em seguir o plano proposto pelo estado, que prevê fases de isolamento, e manter medidas já adotadas, como a restrição a feiras livres.>
"Os feirantes vêm de municípios vizinhos, e julgamos que poderia ser um motivo de transmissão", diz o chefe de gabinete da prefeitura, Cláucio Roberto Cruz.>
A cidade, porém, corre risco de deixar a lista em breve. Atualmente, equipes de saúde monitoram 21 casos suspeitos, que aguardam período indicado de coleta de exames em isolamento, aponta a secretaria de saúde. Mesma situação ocorre em outros estados.>
"Ainda estamos com cidades sem casos. Mas acreditamos que é questão de dias para ter em todos os municípios", afirma Tânia Marcial, médica infectologista da secretaria estadual de Saúde de Minas Gerais, que, até o dia 30, tinha 53 cidades ainda sem casos.>
Para Marcial, o fato de ter um número maior de cidades ainda sem mortes confirmadas - são 465 no estado - mostra que a assistência tem sido efetiva.>
Especialistas, no entanto, alertam que o número de municípios que tiveram óbitos também vem crescendo no país. Atualmente, 3.580 deles registraram mortes por Covid-19, segundo os dados tabulados pela Folha de S.Paulo.>
Em entrevista na quarta-feira (29), o atual secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Arnaldo Correia, disse que, apesar do aumento no número de cidades com registros de Covid-19, a maioria concentra baixo número de casos.>
Os dados apresentados pela pasta mostram que, na última semana, 4.795 cidades tiveram novos casos da doença -destas, 401 tiveram apenas 1 registro, 3.842 entre 2 a 100 casos e o restante acima desse montante. "A grande maioria tem de um a cem casos", disse Correia.>
Especialistas, no entanto, dizem que mesmo um pequeno número de registros pode ter impacto em cidades de menor população.>
Para Xavier, da Fiocruz, o avanço da epidemia em cidades menores também traz um alerta para a organização da rede e medidas conjuntas entre municípios - em um momento em que ainda há aceleração de casos em boa parte do país e concentração de leitos nas capitais.>
"Se as cidades maiores desmobilizarem antes da hora, a curva pode voltar a subir e ter aumento de casos junto com a demanda do interior [por UTIs]", afirma o epidemiologista.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta