Publicado em 8 de agosto de 2020 às 12:01
Dom Pedro Casaldáliga, o bispo catalão que dedicou e arriscou a vida na defesa dos posseiros e dos indígenas da Amazônia, morreu neste sábado (8) às 9h40, em Batatais (SP), aos 92 anos. >
Um dos líderes mais influentes da Igreja Católica no Brasil e na América Latina das últimas décadas, dom Pedro foi uma voz incansável contra o latifúndio e em favor da reforma agrária. De sua prelazia, participou, ao lado de outros bispos progressistas, da criação do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).>
Seu velório acontecerá em três locais. Em Batatais, neste sábado, a partir das 15h, na capela do Claretiano. Em Ribeirão Cascalheira (MT), onde o corpo será velado no Santuário dos Mártires, a partir de 10 de agosto. E em São Félix do Araguaia (MT), sua cidade adotiva, onde o velório será no Centro Comunitário Tia Irene e onde o corpo será sepultado.>
A missa de exéquias será celebrada em 9 de agosto, às 15h, em Batatais, e será transmitida pela internet.>
>
Dom Pedro Casaldáliga morreu devido a uma infecção respiratória que evoluiu para embolia pulmonar. O teste para Covid-19 deu negativo. Ele estava internado há mais de uma semana e foi levado para Batatais na terça-fdeira (4).>
A sua trajetória no Brasil começou em 1968, quando a busca para servir os mais pobres e injustiçados o levou a trocar a Espanha franquista por São Félix do Araguaia, então um povoado de 600 habitantes no interior de Mato Grosso.>
A viagem por terra desde o interior de São Paulo durou uma semana. Logo no primeiro dia, o missionário claretiano encontrou quatro corpos de bebês mortos, acomodados em caixas de sapato diante de sua casa para que fossem enterrados.>
"Ou vamos embora daqui agora mesmo ou nos suicidamos ou encontramos uma solução para tudo isto", disse ao seu companheiro missionário Manuel Luzón, segundo a biografia autorizada "Descalço sobre a Terra Vermelha" (Unicamp), do jornalista Francesc Escribano, principal fonte de informações para este texto.>
Esses primeiros anos foram de aprendizado sobre a dura realidade local. Em longas viagens de barco e por estradas precárias para chegar a comunidades isoladas, ele improvisava missas com cachaça e bolacha no lugar do vinho e da hóstia.>
As condições miseráveis da população, na maioria retirantes do Nordeste, e os abusos cometidos por grandes fazendeiros respaldados pela ditadura militar causaram profunda indignação em dom Pedro. Adepto da ação e admirador do revolucionário argentino Che Guevara, incentivava ações de resistência de posseiros, como derrubadas de cerca dos grandes proprietários.>
Em 1970, o padre escreveu o primeiro de vários textos-denúncia que o tornaram conhecido no Brasil e no exterior. "Escravidão e Feudalismo no norte de Mato Grosso", que descrevia os desmandos na região, foi enviado a autoridades da Igreja e do governo e motivou as primeiras acusações de que era agente comunista.>
No ano seguinte, o papa Paulo 6º o nomeou bispo da prelazia de São Félix. Na cerimônia, à beira do rio Araguaia, substituiu a mitra e o báculo por um chapéu de palha e o anel de tucum (palmeira amazônica), presente dos índios tapirapés. Logo, o anel se tornaria o símbolo da adesão à Teologia da Libertação, corrente influenciada pelo marxismo que defende uma igreja próxima dos pobres.>
Nessa época, dom Pedro publicou o seu texto mais conhecido, "Uma Igreja da Amazônia em conflito com o Latifúndio e a marginalização social", no qual fazia uma minuciosa denúncia contra grandes proprietários de terra.>
"Se 'a primeira missão do bispo é a de ser profeta', e o profeta é a voz daqueles que não têm voz (card. Marty), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal", escreveu na introdução.>
Dom Pedro chamou de "absurdas" as dimensões dos latifúndios da região, listando-os um a um. "A injustiça tem um nome nesta terra: latifúndio. E o único nome certo do desenvolvimento aqui é a reforma agrária.">
Sessão solene em homenagem a Dom Pedro Casaldáliga no plenário da Câmara dos Deputados, em 2003 Sérgio Lima - 04.nov.2003/Folhapress Sessão solene em homenagem a Dom Pedro Casaldáliga no plenário da Câmara dos Deputados, em 2003 O desafio aos latifundiários colocou sua vida em perigo em vários momentos. Na primeira tentativa de assassinato, em 1971, um pistoleiro confessou ao bispo que havia sido contratado para matá-lo. Com a ajuda da igreja, ele fez a denúncia à polícia e fugiu da região.>
O episódio mais sangrento aconteceu em outubro de 1976 no povoado de Ribeirão Bonito, hoje a cidade de Ribeirão Cascalheira (MT). Dom Pedro e o padre jesuíta João Bosco Penido Burnier foram até a delegacia tentar resgatar duas mulheres que estavam sendo torturadas. Na discussão com policiais, o companheiro do bispo levou uma coronhada e morreu com um tiro à queima-roupa na nuca.>
No plano nacional, a relação com a ditadura militar tampouco foi fácil. Crítico feroz do regime, só escapou de ser expulso por intervenção direta do papa Paulo 6º. Com medo de ter a entrada ao país negada, só viajou ao exterior após a redemocratização. Morreu, aliás, sem jamais ter voltado a sua Catalunha natal.>
O redemocratização, nos anos 1980, aliviou a tensão em São Félix, mas a ascensão do papa polonês João Paulo 2º, um opositor do comunismo, estremeceu suas relações com o Vaticano. A aproximação com a Nicarágua sandinista e com a Cuba de Fidel Castro, com quem se encontrou, provocaram atritos. Desta vez, o bispo de São Félix escapou de ser punido graças à intervenção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).>
Em 2003, ao completar 75 anos, dom Pedro apresentou sua carta de renúncia ao papa João Paulo 2º, como prevê o protocolo. Nessa época, já sentia os efeitos do "irmão Parkinson", como ele brincava, doença que ao longo dos anos lhe tirou os passos e depois a voz. Mesmo assim, nunca abandonou São Félix, hoje com 11 mil habitantes.>
O legado de dom Pedro não se resume à luta contra a injustiça social. Escritor e poeta, é autor de diversos livros, alguns publicados apenas na Espanha, onde também é reconhecido como influente liderança católica.>
Em um de seus poemas sobre a morte, escreveu: "Eu morrerei em pé, como as árvores/Me matarão em pé. O sol, testemunha maior, imprimirá seu lacre/sobre meu corpo duplamente ungido. De golpe, com a morte/se fará verdade a minha vida/Por fim, terei amado!">
1928 - Pere Casaldàliga i Pla nasce no dia 16 de fevereiro, em Balsareny, província de Barcelona, na Catalunha (Espanha)>
1943 - Casaldàliga ingressa na Congregação Claretiana (Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria)>
1952 - É ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona>
1968 - Muda-se para São Félix do Araguaia, em Mato Grosso, para fundar uma missão claretiana no Brasil>
1971 - É nomeado bispo da prelazia de São Félix do Araguaia>
1976 - Ao verificar uma denúncia de tortura na delegacia do povoado de Ribeirão Bonito (MT), Casaldàliga foi ameaçado pelos policiais. O padre jesuíta João Bosco Burnier, que o acompanhava, foi morto com um tiro na nuca>
1988 - Foi convocado pelo Vaticano para visitar o papa João Paulo 2º e dar explicações sobre sua proximidade com a teologia da libertação. O sacerdote adotou o lema "Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar.">
1994 - Apoiou a Revolta de Chiapas, no México, em defesa dos povos indígenas do país. Ele pediu compreensão àqueles que se armavam contra o governo.>
1999 - Publicou o livro "Declaração de Amor à Revolução Total de Cuba", em que elogia as melhorias sociais promovidas pelo regime cubano depois da revolução de 1959.>
2000 - Recebeu o título de doutor honoris causa pela UNICAMP, em São Paulo, e pela PUC de Goiás.>
2005 - Aos 86 anos, depois de quase 30 anos com o diagnóstico de mal de Parkinson, apresentou sua renúncia, que foi aceita pelo papa João Paulo 2º>
2020 - Morre aos 92 anos>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta