Publicado em 25 de agosto de 2020 às 16:33
Pastor presbiteriano, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em sua posse que defenderia a laicidade da educação à frente da pasta. No cargo, ele nomeou como assessora uma religiosa defensora da adoção de princípios bíblicos no ensino, com críticas a conteúdos de livros didáticos e à Base Nacional Comum Curricular. >
Inez Augusto Borges foi nomeada na sexta-feira (21) como assessora especial do MEC (Ministério da Educação). O salário é de R$ 13 mil.>
Consta em seu currículo que ela é doutora em ciência da religião e mestre em educação cristã. Religiosa, presbiteriana como o ministro, realiza palestras em igrejas e eventos voltados a educadores a partir de temas como "Retorno aos princípios bíblicos da educação" e "Cosmovisão & educação".>
Seu site informa que ela tem se dedicado à pesquisa nas áreas de educação, cultura e governo "a partir de uma perspectiva que integra a visão bíblica, histórica, filosófica e política". Não há registro de experiência em políticas públicas.>
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A pasta não respondeu questionamentos da reportagem sobre qual será a função dela no governo.>
Borges realizou, neste mês, palestra durante evento online da igreja Presbiteriana da Penha (SP). Ao citar a pandemia do novo coronavírus, que matou mais de 110 mil pessoas no Brasil, ela disse que vivemos uma crise ainda maior.>
"Vivemos uma crise mundial de autoridade, uma crise mundial em relação a governo, e nós precisamos retornar aos princípios bíblicos de governo, precisamos entender o que é o Reino de Deus", afirmou.>
?A Constituição de 1988 veta à União estabelecer ou subvencionar cultos religiosos ou igrejas. Também determina que à educação seja oferecida com base no pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas.>
Em outra palestra, intitulada "Retorno aos princípios bíblicos da educação", de setembro de 2018, a assessora do MEC crítica menção a quilombolas em um livro didático e também a Base Nacional Comum Curricular. O documento prevê os direitos de aprendizagem na educação básica.>
Ainda há críticas dela ao que seria a pedagogia atual e a um suposto movimento internacional de dominação cultural. O argumento, repetido por partidários do Movimento Escola sem Partido e por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é de que haveria uma ação de dominação de esquerda na educação mundial e que isso colocaria em risco valores de família defendidos pela Igreja.>
"Há um plano de emburrecimento, plano de escravização, um plano de domínio mundial por meio da educação, por meio do sistemas educacionais internacionais. A Base Nacional Comum Curricular não é Base comum, é Base Internacional".>
Grupos religiosos empreenderam campanha durante a elaboração da Base Nacional para suprimir trechos que citam o compromisso para a "igualdade de gênero". O governo Michel Temer (MDB) atendeu a pressão e excluiu menções, como o jornal Folha de S.Paulo revelou na ocasião.>
Para ela, a Igreja tem se desinteressado pela educação e deixado que o "estado assumisse todas as etapas". Ela afirma que, com o ensino laico, não guiado pela Igreja e família, educa-se a partir de "princípios nacionais" e que, segundo ela, isso tem relação com a liberação do aborto.>
"E nós estamos sendo chamados por essa definição de pedagogia a mandar nossa crianças com 4 anos, obrigatoriamente", diz.>
Inez Borges coordena também uma entidade, a Andapef (Associação Nacional de Defesa e Apoio aos Pais na Educação dos Filhos), que publicou materiais de ataque à Base. O documento estimularia, segundo a organização, a "ideologia de gênero", termo nunca usado por educadores.>
A Andepf tem ações de incidência na educação a partir de concepções religiosas, como o curso "ComVocação", que busca analisar documentos oficiais da educação brasileira. O conteúdo se debruça no projeto de Direitos Humanos e na Base Curricular.>
Após crises envolvendo os ex-ministros Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub, ambos de perfil ideológico, o presidente Bolsonaro escolheu colocar no MEC um evangélico. Uma forma de encerrar a confusão criada por Weintraub e afagar a base religiosa que apoia o governo.>
O próprio Bolsonaro já disse que "o Estado é laico, mas somos cristãos" e expressou o desejo de indicar para vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) um ministro "terrivelmente evangélico".>
A educadora Anna Helena Altenfelder diz causar preocupação a escolha da assessora. "O que a gente vê no MEC é a contratação de assessores que dialogam com crenças pessoais dos ministros, e não com os problemas reais da educação", diz ela, que preside o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).>
O historiador, teólogo e filósofo Gerson Leite de Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que a laicidade do estado, valor expresso desde a proclamação da República, é um bem da sociedade e se ampara na ideia de não haver monopólio religioso para nenhum grupo.>
"A partir do momento em que há liberdade de todas as religiões exercerem seus credos, coloca-se a religião no espaço da privacidade, da família, da igreja", diz.>
"Se a religião tenta de alguma maneira passar disso, corre o risco de se transformar em um movimento tirânico". Para ele, a educação tem papel fundamental na laicidade do estado.>
O nome de Inez Borges havia figurado em uma pré-seleção, elaborada por Weintraub, para compor o CNE (Conselho Nacional de Educação), o que não se efetivou. Na última terça-feira (18), Ribeiro nomeou para o CNE o teólogo Alysson Carvalho, ligado ao Instituto Presbiteriano.>
Questionado sobre quais critérios foram usados nas escolhas, o MEC não respondeu.>
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