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Promessa de combater violência com guardas municipais é populista

Guardas têm atuação limitada pela legislação e jamais devem se envolver em confrontos armados com quadrilhas e facções criminosas. É urgente transformá-la em “polícia municipal” para ampliar suas atribuições

  • Roberto Darós
Publicado em 06/12/2020 às 05h00
Vitória - Operação da Guarda Municipal de Vitória na Vila Rubim. Eles fizeram abordagens em ônibus e motociclistas
Operação da Guarda Municipal de Vitória. Crédito: Fernando Madeira

Concluímos mais um processo eleitoral municipal. Agora os 5.570 municípios brasileiros vivem a esperança de que os novos gestores públicos eleitos tragam as soluções para tantos problemas da municipalidade, em meio às crises políticas geradas no contexto de excepcionalidade da pandemia de Covid-19. Somam-se aos dados assustadores da crise sanitária o aumento do índice de criminalidade (4%), recentemente divulgado, que tem se elevado em todo o país. O ano de 2020 ainda não terminou e já foram ultrapassados os níveis de violência do ano passado.

Aqui no Espírito Santo, uma unidade federativa com menos de quatro milhões de habitantes, a “trombeta do apocalipse” que sentencia a deficiente gestão administrativa na área de Segurança Pública tocou efusivamente e sinalizou mais de mil homicídios até o mês de novembro, superando o ano de 2019.

Mas como o assunto criminalidade foi tema recorrente nas campanhas municipais, seguindo a mesma tendência da eleição presidencial de 2018, torna-se extremamente importante analisar as “promessas” dos candidatos (prefeitos e vereadores) sobre essa questão. A maioria deles prometeu resolver o problema da violência urbana com a redução dos índices de criminalidade, apresentando “fórmulas mágicas”, por meio de discursos vazios e populistas que não possuem fundamento na Ciência Policial ou nas tradicionais técnicas de gestão da atividade de polícia.

As mencionadas promessas de campanha afirmaram suas intenções em extinguir o crime e pacificar a sociedade, utilizando-se e ampliando os efetivos das guardas municipais. Nesse aspecto, o eleitor tem o direito de saber que isso é promessa falsa (ou fake news, se preferir), sem fundamento técnico ou jurídico. Os municípios ainda não possuem a competência constitucional para legislar sobre Segurança Pública e isso cria uma radical limitação. A estruturação de uma corporação da GCM deve seguir diretrizes constitucionais e a legislação ordinária, estando condicionada ao § 8º da CF de 1988, que diz: “Os Munícipios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”, conforme foi disposto também na Lei 13.022, de 08/08/2014, o Estatuto Geral das GCMs, enfatizando no § 4º essa mencionada competência geral.

Essa é a atividade fundamental da GCM, embora no desempenho de suas funções possa e deva atuar coibindo e reprimindo os “crimes de menor potencial ofensivo”, tendo em vista sua atuação muito próxima à comunidade, interagindo com as lideranças sociais, os religiosos e a sociedade em geral. Mas jamais envolver-se em confrontos armados radicais de quadrilhas e facções criminosas de alta periculosidade. Essa tarefa é da PM (patrulhamento e prevenção) e da PC (investigação criminal).

Defendo a ideia de que essa limitação em lei imposta à GCM deve ser rapidamente modificada, mas pelo legislador constitucional e não pela falsa promessa arbitrária dos políticos municipais e gestores irresponsáveis. É urgente a necessidade de transformá-la em “polícia municipal” para ampliar e consolidar sua atuação junto a comunidade, influindo diretamente na redução e controle da criminalidade. Esta é minha posição acadêmica.

A modificação constitucional deverá incluir a GCM no rol de corporações policiais descritas nos Incisos I a VI, do Art. 144 da CF de 1988, como foi feito com os inspetores penitenciários, através da EC 104/2019, que foram transformados em Polícia Penal. Caso contrário, os trabalhadores-GCMs estarão sempre fragilizados em seus direitos laborais e totalmente expostos à ilicitude administrativa durante suas atividades operacionais, em confrontos com criminosos, pois estarão atuando em desvio de função, com a evidente usurpação da função de prevenção e repressão dos delitos durante as atividades de patrulhamento ostensivo, legitimamente constituída essa função à PM. Quando o confronto ocorrer com mortes, o MP sempre sinalizará o rigor e o formalismo imposto pela lei, em detrimento do empenho e dedicação inconstitucional da atuação da GCM.

Portanto, é mentiroso o discurso de candidatos políticos que se apresentam aos eleitores como excelentes gestores na área de Segurança Pública, alegando que possuem a solução imediata para a extinguir a violência urbana e aniquilar o fenômeno criminológico que tanto assusta e causa angústia aos cidadãos brasileiros, através da atuação da GCM nesse modelo ultrapassado e falido de Segurança Pública. É bom estar alerta e não se deixar enganar pelo discurso falacioso e cobrar dos gestores eleitos a solução científica e política adequada e viável, porque a escolha equivocada será a condenação da municipalidade ao sofrimento social com o aumento da violência diária.

O autor é advogado criminalista, mestre em Direito Processual Penal pela Ufes, professor de Ciências Penais e Segurança Pública da UVV e especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal 

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